DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Após duas semanas de muita emoção e volatilidade, estamos num bom momento para tentar responder como o Brasil será afetado pela crise do euro.
Acredito que a resposta envolva três passos: o futuro da situação na Europa; os impactos na economia americana e na Ásia; e, finalmente os impactos no Brasil, sempre lembrando que não temos nenhuma influência nos eventos externos, apenas respondemos a eles.
Europa: já é certo que a crise é grave; que o futuro do euro e do projeto da Europa está em jogo (não é crível que nenhum acabe, apesar dos boatos da sexta-feira, mas ambos serão diferentes no futuro) e que a liderança política da Europa está aquém do necessário para enfrentar uma situação limite como a atual e só se moveu frente ao abismo, elevando o custo do ajuste. A chanceler alemã demorou demais para perceber o tamanho do problema e tentou empurrar qualquer decisão para depois das eleições regionais, que acabaria por perder; o presidente francês sumiu no processo; Berlusconi é uma piada de gosto duvidoso; a Bélgica vive uma grande crise de governabilidade.
O ponto positivo é que o pacote afasta o risco de default (nossa hipótese básica exposta nos artigos de 5 e 18 de fevereiro) e de contaminação do sistema bancário, com as compras e trocas de papéis de dívida soberana, embora ainda não saibamos dos detalhes operacionais. É crítico conhecer qual será o spread que resultará das operações de troca/compra de títulos.
Entretanto, no caso específico da Grécia, todos os agentes acabaram convencidos, com boa razão, que algum tipo de reestruturação no futuro será inevitável. Como sempre, a questão é quem pagará a conta, além do cidadão grego que vai enfrentar uma situação deflacionária.
Aparentemente, será a Comunidade Europeia (entenda-se Alemanha) e o Banco Central Europeu, que acabou por agir de forma muito parecida com o FED e o Banco da Inglaterra, no sentido de aceitar em seu balanço papéis com qualidade inferior ao que sempre costumou exigir.
Desvalorização. Esperamos consequências importantes desta situação: forte desvalorização do euro (imaginamos que o mesmo irá flutuar entre 1,10 e 1,20 em relação ao dólar); crescimento muito baixo por um bom tempo para a região como um todo (com a Alemanha crescendo relativamente bem, empurrada por sua máquina exportadora); alguma redução de preço de commodities (parte como compensação para a valorização do dólar, parte pelo comedimento da demanda numa região cujo PIB global é semelhante ao dos Estados Unidos); aceleração da consolidação de empresas em muitos setores, como de matérias-primas industriais; e, finalmente, uma parada na tentativa de redução do protecionismo agrícola, fonte certa de tensões políticas entre países. A Europa já enfrenta na questão do ajuste fiscal e na defesa do euro uma enorme tensão; o sistema provavelmente não irá permitir dificuldades adicionais.
Países da Comunidade Europeia fora do euro, cujas moedas podem flutuar e se ajustar à nova situação, como Polônia e Suécia, podem se sair melhor, embora enfrentando uma redução no comércio. Isso não vale para a Inglaterra, ainda imersa numa enorme crise e com uma liderança que não tem experiência de poder há um bom tempo. Entre ativos, são ganhadores os papéis de empresas exportadoras globais e os títulos soberanos de países como Alemanha e Suécia.
Como fica o futuro? A rigor, ninguém sabe se o necessário ajuste fiscal será mesmo feito e qual a sustentabilidade das dívidas dos países da região que não a Grécia. A questão é saber se os países em questão acabarão por aceitar a redução do padrão de vida a que se acostumaram recentemente. Não se sabe, pois, qual será o custo do ajuste. Não se sabe também como encaminhar a questão da forte divergência de produtividade e competitividade entre os diversos países, pois é pouco provável que apenas uma forte recessão possa produzir os resultados necessários, como esperam os alemães. Em consequência teremos ainda muita volatilidade pela frente.
O impacto nos Estados Unidos deverá ser modesto, dado que os bancos americanos estão fora deste risco, e que o consumo interno está crescendo (junto com o emprego, especialmente quando se observam os dados do Household Survey). Exportações não agrícolas sentirão mais, afetando várias empresas. Estima-se que mais de 25% dos lucros das companhias do S&P venham de exportações, com a Europa formando o maior componente.
Na Ásia também imaginamos que o impacto provavelmente será modesto. O comércio intrarregional e as exportações para novos mercados, como América Latina, seguirão muito fortes. O problema da China é o superaquecimento.
Finalmente, cabe perguntar quais serão os impactos no Brasil: o mais imediato é uma pressão para desvalorizar o real, enquanto a saída de capital de curto prazo continuar como resultado de uma aversão ao risco. Esse movimento poderá se reverter mais adiante, dependendo da evolução da situação externa e pela atração de capital visando aproveitar o diferencial de juros domésticos. O comércio vai sentir um pouco, com a redução do crescimento europeu, pois o País destina para a região 22% das nossas vendas externas. Sofreremos também com a queda das cotações de commodities, embora estejamos imaginando um movimento modesto, o que ajuda a dar no curto prazo algum suporte a um real mais fraco no segundo semestre do ano.
Não acredito que esses efeitos vindos de fora alterem de maneira relevante a trajetória de crescimento muito acelerado que estamos vivendo (alteramos recentemente nossa previsão de crescimento do PIB para 6,6%). Como consequência, a inflação deverá seguir em aceleração e o Banco Central deverá continuar a apertar a política monetária.
A situação europeia mostra de forma clara a temeridade da rota de crescimento acelerado dos gastos públicos, acentuada nos últimos dois anos. Preocupa mais que tudo a deterioração do nosso regime fiscal, como a farta utilização de truques para melhorar os números (definição de depósitos judiciais como receita, securitização de dividendos via BNDES para melhorar a posição do Tesouro, emissão de dívida para capitalizar estatais, etc.) e a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Tudo isto faz com que eu veja com algum ceticismo o anunciado corte do Orçamento, especialmente quando lembro que o ministro do Planejamento anunciou no ano passado, com pompa e circunstância, que o governo iria suspender certos reajustes salariais do funcionalismo e rigorosamente nada aconteceu. Ao contrário, noticia-se que continua firme o processo de criação de novas vagas no serviço público
Para as empresas, sugiro incluir em seu planejamento de operações a ideia que teremos um cenário muito mais comedido em 2011, tendo em vista os efeitos da subida de juros de pelo menos 350 pontos neste ano e de um provável aperto fiscal de verdade no próximo governo.
Queria também mencionar que aumenta a importância das subsidiárias brasileiras de empresas europeias, dado o crescimento do mercado brasileiro. Por exemplo, em março (antes da piora da crise grega), um determinado produtor de caminhões vendeu no Brasil o dobro de veículos que sua matriz alemã.
Após duas semanas de muita emoção e volatilidade, estamos num bom momento para tentar responder como o Brasil será afetado pela crise do euro.
Acredito que a resposta envolva três passos: o futuro da situação na Europa; os impactos na economia americana e na Ásia; e, finalmente os impactos no Brasil, sempre lembrando que não temos nenhuma influência nos eventos externos, apenas respondemos a eles.
Europa: já é certo que a crise é grave; que o futuro do euro e do projeto da Europa está em jogo (não é crível que nenhum acabe, apesar dos boatos da sexta-feira, mas ambos serão diferentes no futuro) e que a liderança política da Europa está aquém do necessário para enfrentar uma situação limite como a atual e só se moveu frente ao abismo, elevando o custo do ajuste. A chanceler alemã demorou demais para perceber o tamanho do problema e tentou empurrar qualquer decisão para depois das eleições regionais, que acabaria por perder; o presidente francês sumiu no processo; Berlusconi é uma piada de gosto duvidoso; a Bélgica vive uma grande crise de governabilidade.
O ponto positivo é que o pacote afasta o risco de default (nossa hipótese básica exposta nos artigos de 5 e 18 de fevereiro) e de contaminação do sistema bancário, com as compras e trocas de papéis de dívida soberana, embora ainda não saibamos dos detalhes operacionais. É crítico conhecer qual será o spread que resultará das operações de troca/compra de títulos.
Entretanto, no caso específico da Grécia, todos os agentes acabaram convencidos, com boa razão, que algum tipo de reestruturação no futuro será inevitável. Como sempre, a questão é quem pagará a conta, além do cidadão grego que vai enfrentar uma situação deflacionária.
Aparentemente, será a Comunidade Europeia (entenda-se Alemanha) e o Banco Central Europeu, que acabou por agir de forma muito parecida com o FED e o Banco da Inglaterra, no sentido de aceitar em seu balanço papéis com qualidade inferior ao que sempre costumou exigir.
Desvalorização. Esperamos consequências importantes desta situação: forte desvalorização do euro (imaginamos que o mesmo irá flutuar entre 1,10 e 1,20 em relação ao dólar); crescimento muito baixo por um bom tempo para a região como um todo (com a Alemanha crescendo relativamente bem, empurrada por sua máquina exportadora); alguma redução de preço de commodities (parte como compensação para a valorização do dólar, parte pelo comedimento da demanda numa região cujo PIB global é semelhante ao dos Estados Unidos); aceleração da consolidação de empresas em muitos setores, como de matérias-primas industriais; e, finalmente, uma parada na tentativa de redução do protecionismo agrícola, fonte certa de tensões políticas entre países. A Europa já enfrenta na questão do ajuste fiscal e na defesa do euro uma enorme tensão; o sistema provavelmente não irá permitir dificuldades adicionais.
Países da Comunidade Europeia fora do euro, cujas moedas podem flutuar e se ajustar à nova situação, como Polônia e Suécia, podem se sair melhor, embora enfrentando uma redução no comércio. Isso não vale para a Inglaterra, ainda imersa numa enorme crise e com uma liderança que não tem experiência de poder há um bom tempo. Entre ativos, são ganhadores os papéis de empresas exportadoras globais e os títulos soberanos de países como Alemanha e Suécia.
Como fica o futuro? A rigor, ninguém sabe se o necessário ajuste fiscal será mesmo feito e qual a sustentabilidade das dívidas dos países da região que não a Grécia. A questão é saber se os países em questão acabarão por aceitar a redução do padrão de vida a que se acostumaram recentemente. Não se sabe, pois, qual será o custo do ajuste. Não se sabe também como encaminhar a questão da forte divergência de produtividade e competitividade entre os diversos países, pois é pouco provável que apenas uma forte recessão possa produzir os resultados necessários, como esperam os alemães. Em consequência teremos ainda muita volatilidade pela frente.
O impacto nos Estados Unidos deverá ser modesto, dado que os bancos americanos estão fora deste risco, e que o consumo interno está crescendo (junto com o emprego, especialmente quando se observam os dados do Household Survey). Exportações não agrícolas sentirão mais, afetando várias empresas. Estima-se que mais de 25% dos lucros das companhias do S&P venham de exportações, com a Europa formando o maior componente.
Na Ásia também imaginamos que o impacto provavelmente será modesto. O comércio intrarregional e as exportações para novos mercados, como América Latina, seguirão muito fortes. O problema da China é o superaquecimento.
Finalmente, cabe perguntar quais serão os impactos no Brasil: o mais imediato é uma pressão para desvalorizar o real, enquanto a saída de capital de curto prazo continuar como resultado de uma aversão ao risco. Esse movimento poderá se reverter mais adiante, dependendo da evolução da situação externa e pela atração de capital visando aproveitar o diferencial de juros domésticos. O comércio vai sentir um pouco, com a redução do crescimento europeu, pois o País destina para a região 22% das nossas vendas externas. Sofreremos também com a queda das cotações de commodities, embora estejamos imaginando um movimento modesto, o que ajuda a dar no curto prazo algum suporte a um real mais fraco no segundo semestre do ano.
Não acredito que esses efeitos vindos de fora alterem de maneira relevante a trajetória de crescimento muito acelerado que estamos vivendo (alteramos recentemente nossa previsão de crescimento do PIB para 6,6%). Como consequência, a inflação deverá seguir em aceleração e o Banco Central deverá continuar a apertar a política monetária.
A situação europeia mostra de forma clara a temeridade da rota de crescimento acelerado dos gastos públicos, acentuada nos últimos dois anos. Preocupa mais que tudo a deterioração do nosso regime fiscal, como a farta utilização de truques para melhorar os números (definição de depósitos judiciais como receita, securitização de dividendos via BNDES para melhorar a posição do Tesouro, emissão de dívida para capitalizar estatais, etc.) e a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Tudo isto faz com que eu veja com algum ceticismo o anunciado corte do Orçamento, especialmente quando lembro que o ministro do Planejamento anunciou no ano passado, com pompa e circunstância, que o governo iria suspender certos reajustes salariais do funcionalismo e rigorosamente nada aconteceu. Ao contrário, noticia-se que continua firme o processo de criação de novas vagas no serviço público
Para as empresas, sugiro incluir em seu planejamento de operações a ideia que teremos um cenário muito mais comedido em 2011, tendo em vista os efeitos da subida de juros de pelo menos 350 pontos neste ano e de um provável aperto fiscal de verdade no próximo governo.
Queria também mencionar que aumenta a importância das subsidiárias brasileiras de empresas europeias, dado o crescimento do mercado brasileiro. Por exemplo, em março (antes da piora da crise grega), um determinado produtor de caminhões vendeu no Brasil o dobro de veículos que sua matriz alemã.
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