O incêndio que destruiu a estação Comandante Ferraz na Antártida serviu para jogar luz sobre os programas de pesquisa desenvolvidos pelo Brasil no continente gelado. Nossos cientistas têm tido de conviver não só com a inospitalidade do clima polar, mas principalmente com a falta de apoio do governo petista.
O fogo destruiu 70% da estação, matou duas pessoas - o suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e o sargento Roberto Lopes dos Santos - e comprometeu 40% do programa antártico brasileiro. O acidente aconteceu no sábado, quando 60 pessoas estavam no local. Um ferido ainda está hospitalizado: o primeiro-sargento Luciano Gomes Medeiros.
O Programa Antártico Brasileiro (Proantar) tem convivido com dificuldades nos últimos anos. As verbas orçamentárias vêm sendo cortadas, os pesquisadores enfrentam atrasos nos repasses e a estrutura instalada na região polar é inadequada: a concepção da Comandante Ferraz é antiga e os sistemas de energia e de hidráulica são ruins, atestam pesquisadores.
Tudo isso dá margem para acidentes - e não apenas para o que ocorreu neste fim de semana. Em dezembro, uma embarcação rebocada pela Marinha brasileira afundou no mar antártico. Carregava 10 mil litros de óleo combustível. Estacionada a 40 metros de profundidade e a 900 metros da praia onde fica a estação incendiada no sábado, até hoje não foi resgatada. O governo brasileiro tentou manter tudo em sigilo, mas o caso acabou vindo à tona justamente no dia do incêndio, revelado por O Estado de S.Paulo.
Mas não é só: outra embarcação brasileira, o navio de apoio oceanográfico Ary Rongel, está parada desde dezembro num estaleiro em Punta Arenas, no Chile, refazendo seu motor principal. O incêndio, o naufrágio e o estrago no navio dão ideia da penúria que assola o Proantar.
Os recursos destinados para as pesquisas na Antártida vêm caindo ano a ano. A previsão para este ano é a menor desde 2006, mostra a Folha de S.Paulo. "O valor para 2012 é 42% abaixo do orçamento do ano passado, caindo de R$ 18,3 milhões para R$ 10,7 milhões. O valor desse ano é praticamente o mesmo de 2005 corrigido."
A União não vinha investindo nem mesmo na manutenção da base de pesquisa. Segundo O Globo, apenas metade do orçamento da Comandante Ferraz foi efetivamente gasto na consecução de pesquisas e no funcionamento da estação polar em 2011. Dos R$ 18,3 milhões, apenas R$ 9,2 milhões foram pagos no ano passado, "o menor montante desde 2005".
Parece haver um problema estrutural mais agudo no programa antártico. O Proantar é mantido, principalmente, pelos ministérios da Defesa e da Ciência e Tecnologia. Este tem de administrar um corte de R$ 1,5 bilhão em seu orçamento para este ano. Aquele convive com o sobrepeso de gastos com pessoal, em detrimento de investimentos em pesquisa.
Segundo o Valor Econômico, cerca de 80% dos recursos do orçamento da Defesa destinam-se ao pagamento da folha de pessoal, e 63% desse total vão para funcionários aposentados. Apenas 13,7% da verba é usada em custeio, e menos ainda - 6,7% de R$ 60 bilhões - é transformado em investimentos.
Os problemas na estação Comandante Ferraz estão longe de ser os únicos enfrentados pela comunidade científica brasileira. Hoje a Folha também revela que bolsistas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), vinculada ao Ministério da Educação, estão com seus pagamentos atrasados desde janeiro. O problema tem sido recorrente.
É lamentável observar como a produção de saber e conhecimento tem sido maltratada no país. A tragédia na Antártida pode ajudar a mudar o rumo desta situação. Infelizmente, algumas vidas e muito trabalho terão sido perdidos.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
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