O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), avalia que a solução encontrada pelo colega Luís Roberto Barroso para suspender a decisão da Câmara que manteve o mandato do deputado presidiário Natan Donadon (sem partido-RO) abre espaço para distorções. Na avaliação de Mendes, a brecha estabelecida por Barroso, que permite a permanência de políticos condenados ao regime semiaberto na função de parlamentar, cria uma espécie de "mandato salame", no qual o exercício do cargo eletivo fica "fatiado" em partes, com o congressista ora na prisão ora no parlamento. O entendimento fixado na decisão que anula a votação da Câmara tem potencial para beneficiar três dos quatro deputados condenados no julgamento do mensalão. José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), que vão cumprir o regime semiaberto, poderão continuar com o mandato caso prevaleça no plenário do STF a interpretação de Barroso.
Segundo a liminar do ministro, congressistas condenados ao regime fechado que não tenham perspectiva de passar para o semiaberto antes do término do mandato devem perder o cargo imediatamente, por deliberação da Mesa Diretora. Já nos casos em que o parlamentar esteja cumprindo pena em regime no qual possa trabalhar, caberia ao plenário da Casa Legislativa deliberar sobre a cassação, com a possibilidade de manutenção do mandato.
Gilmar Mendes avalia que a questão relativa aos mandatos de políticos condenados está "mal resolvida" pelo Supremo. Para o magistrado, a decisão de Barroso "não passa na prova dos nove". Ele observou que não faz sentido condicionar a perda de um mandato parlamentar ao regime de prisão ao qual o político foi condenado. Mendes exemplificou que o critério é injusto, uma vez que, segundo ele, um senador condenado a 20 anos de cadeia em regime fechado sairia beneficiado, pois o mandato de senador é de oito anos.
"Eu já tinha falado que o deputado preso é uma contradição. E não é só o deputado preso no regime fechado, porque em regime semiaberto ele também está preso", alertou. "Para trabalhar, ele precisa de licença (...) O aberto aí é metáfora. A gente vai criar sabe o quê? Um tipo de mandato salame. Eu fatio aqui o mandato, ora bolas", criticou Mendes.
Já o ministro Barroso evitou polemizar as declarações de Gilmar Mendes. "Não considero próprio debater pela imprensa decisão judicial", afirmou, por meio de assessoria. Mais cedo, em entrevista, ele defendeu uma mudança na Constituição para que não ocorram distorções. "Essa transferência de competência do Judiciário para o Legislativo não é boa, pois você politiza uma coisa que é predominantemente técnica."
Dano político
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), foi ontem à tarde ao STF, onde se reuniu com o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, para cobrar uma decisão célere do plenário do tribunal sobre a situação de Natan Donadon. O peemedebista disse ter ouvido de Barbosa que o julgamento poderá ocorrer já na semana que vem. Condenado por peculato e formação de quadrilha, Donadon cumpre pena de 13 anos no Complexo Penitenciário da Papuda.
Em entrevista após a reunião, Alves afirmou que a decisão do plenário da Câmara de manter o mandato de Donadon causou o maior dano que a Casa já sofreu nas mais de quatro décadas em que ele exerce o cargo de deputado. "Estou na Câmara há 42 anos e acho que foi o maior dano que aquela Casa sofreu nesse tempo todo. Olha que enfrentamos ditadura, passamos por momentos difíceis."
De acordo com Alves, a Mesa Diretora da Casa não pode cassar o mandato de Donadon, sob o risco de ter que voltar atrás diante de uma eventual derrubada da decisão de Barroso. "Se eu fosse atender a liminar, por exemplo, a Mesa, hoje, cassaria o mandato do deputado. E se, na semana que vem, o Supremo contrariar o princípio da liminar? Aí o que eu faço, descasso? Essa incongruência não é permitida no texto constitucional", disse.
Questionado se um preso em regime semiaberto tem condições de exercer a função de deputado, Henrique Alves foi enfático: "Não vejo como, porque criaria um absurdo constrangimento para a Casa legislativa. Mas essa questão está em aberto com esse conflito constitucional", afirmou, ressaltando que é contra a preservação do mandato dos deputados condenados no julgamento do mensalão.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), alertou que colocará em votação a proposta de emenda à Constituição que, segundo ele, elimina o "absurdo constitucional de rever no Legislativo uma decisão do STF". "Enquanto eu for presidente, qualquer decisão do Supremo que transitar em julgado (quando o processo é encerrado) e que cassar mandato e prender pessoas não será submetida a uma revisão do Legislativo", avisou.
» Colaborou Juliana Braga
Fonte: Correio Braziliense
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