Encerrado o período eleitoral, a reforma política emerge como tema inquestionavelmente prioritário na agenda política. Mas o sólido consenso a respeito da urgência dessa discussão se esgota nele mesmo. Em torno de praticamente todas as questões pontuais que compõem o amplo espectro dessa reforma impera o dissenso. E existe um grande divisor de águas: de um lado, a tentativa populista do PT de conformar a reforma a seu projeto de poder; de outro, a resistência a esse golpe para incluir o Brasil no seleto grupo das repúblicas "populares" da América Latina. Flutuando entre as duas tendências, as velhas raposas, poderosas e nanicas, tentam preservar o grande balcão de negócios.
O elenco das medidas reformistas é amplo. Uma delas é a proibição do financiamento dos partidos por pessoas jurídicas, que caminha para uma solução satisfatória: está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), onde a maioria dos ministros, 6 em 11, já votou pela proibição. Sua homologação acabará com uma das maiores distorções do sistema eleitoral, a que contraria o princípio de "um cidadão, um voto" ao permitir que quem não vota, as pessoas jurídicas, especialmente empreiteiras interessadas em negócios com o governo, influa com muito mais do que "um voto" no processo eleitoral.
Aqui o problema está naquilo com que o PT sonha: o financiamento público, como se já não existisse com o Fundo Partidário e o chamado horário gratuito.
Mas há outras distorções importantes que reclamam atenção, como as que comprometem a legitimidade da representação popular pelos partidos políticos. Em qualquer país democrático, a existência de um grande número de partidos é a regra, protegida pelos fundamentos democráticos da liberdade de opinião e de associação. Mas o casuísmo que sempre determinou as reformas pontuais do sistema eleitoral e partidário no Brasil acabou criando uma aberração: nada menos do que 28 legendas partidárias ocupam hoje as 513 cadeiras da Câmara dos Deputados.
Essa é uma das consequências das coligações nas eleições proporcionais. Em reportagem do jornal O Globo, o cientista político Jairo Nicolau, da UFRJ, explica: "Há dois problemas nisso. O primeiro é que a coligação transfere voto sem que o eleitor tenha informação disso. Então, a pessoa pode ter votado em um partido da situação para deputado federal, mas, pela composição da coligação estadual, acaba elegendo um deputado de oposição. O segundo é que o modelo favorece a dispersão dos partidos. (...) Essa fragmentação dificulta a aprovação de leis e favorece chantagens e achaques".
Além da proibição das coligações, a maneira mais efetiva de reduzir os efeitos nocivos da grande fragmentação partidária no Parlamento é o estabelecimento da chamada cláusula de barreira. Esse mecanismo criado pelos alemães permite que qualquer partido legalmente existente apresente candidatos, mas estabelece um mínimo de votos para que a legenda conquiste uma cadeira no Parlamento. Hoje, no Brasil, na eleição para a Câmara dos Deputados, por exemplo, qualquer partido que alcance o coeficiente eleitoral na soma dos votos dados a todos os seus candidatos num Estado tem direito a uma cadeira. Mesmo que não tenha obtido 1 voto sequer nos demais Estados.
A cláusula de barreira estabelece que, para fazer jus a uma cadeira, o partido terá de conquistar uma porcentagem mínima de votos num número mínimo de Estados.
A reportagem de O Globo mostrou que, se nas eleições deste ano as coligações não fossem permitidas, 5 dos 28 partidos não teriam assento na Câmara. E, se houvesse cláusula de barreira (por exemplo, 5% dos votos válidos em pelo menos 9 Estados), 182 cadeiras não seriam ocupadas pelos atuais eleitos e apenas 7 partidos permaneceriam representados na Câmara: PT, PMDB, PSDB, PSD, PP, PSB e PR.
Isso tudo demonstra que a reforma política de que o País precisa pode se tornar refém não apenas das manipulações do lulopetismo obcecado por se perpetuar no poder, mas também do fisiologismo de partidos e políticos nanicos pouco dispostos a largar o osso.
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