• Presidente da Alerj diz que reserva financeira do órgão não resolve crise
• Com dívida de R$ 1,3 bilhão na saúde, governador também teria saído derrotado em negociação junto ao TJ, que dispõe de R$ 478 milhões provenientes de taxas judiciais. Situação de hospitais melhora, mas ainda falta material
Com a dívida da saúde estacionada em R$ 1,3 bilhão, o governador Luiz Fernando Pezão tentou uma manobra para lançar mão de recursos de um fundo da Assembleia Legislativa, que tem R$ 190 milhões, mas saiu da negociação derrotado. Presidente do PMDB do estado e aliado de Pezão, o presidente da Alerj, Jorge Picciani, criticou o governo por buscar saídas “paliativas” para a crise. “Daqui a três meses, o estado está sem dinheiro de novo”, disse Picciani ao GLOBO. Pedido semelhante também teria sido negado pelo Tribunal de Justiça, que dispõe de R$ 478 milhões em fundo especial. Os hospitais ainda sofrem com falta de insumos.
Crise sem fundo
• Alerj se recusa a emprestar parte de reserva de R$ 190 milhões, e TJ nega verba de taxas judiciais
Carina Bacelar, Lluiz Ernesto Magalhães, Luiz Gustavo Schmitt, Vera Araújo - O Globo
Sem receita para honrar seus compromissos, o governador Luiz Fernando Pezão não apenas está raspando o cofre do estado como tentou, sem sucesso, lançar mão de recursos de fundos especiais do Legislativo e do Judiciário, que juntos somam R$ 668 milhões. Presidente do PMDB do Rio e aliado de Pezão, o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, foi o primeiro a negar o pedido e foi enfático ao criticar a estratégia do governo estadual de tentar controlar a crise com medidas “paliativas”. Em seu caixa, a Alerj tem reservas de R$ 190 milhões. Com R$ 478 milhões depositado em um fundo constituído por taxas judiciais, o Tribunal de Justiça do Rio também teria negado pedido semelhante feito pelo estado.
Segundo Picciani, o Executivo tinha a intenção de usar parte dos recursos da Alerj para fazer caixa e aliviar as dívidas com fornecedores, prestadores de serviços e até ajudar a pagar a segunda parcela do 13º dos servidores. Só na saúde, a dívida do governo é de R$ 1,3 bilhão.
— Eu disse que não é possível (emprestar dinheiro do fundo). Esses recursos não resolvem a situação do estado, e eu não vou contaminar a minha administração. O governo tem é que cortar despesas. O que adianta o Eduardo Paes (prefeito do Rio) dar R$ 100 milhões para pagar a dívida da saúde? É uma solução política para o problema hoje, mas, daqui a três meses, o estado não tem mais dinheiro de novo — disse Picciani.
Ao comentar a crise, o presidente da Alerj, que comanda a base de sustentação do governo na Assembleia, foi mais longe e defendeu o rompimento de todos os contratos com Organizações Sociais (OS) e empresas terceirizadas, com as quais a dívida já chega a R$ 3 bilhões. Para ele, a saída é decretar emergência em todo o estado, e não só na saúde, como fez Pezão. Em tom crítico, ele disse que esse instrumento permitiria ao governo firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público e fazer contratações temporárias por dois anos.
— O decreto permitiria que os funcionários dessas empresas e Organizações Sociais fossem contratados diretamente pelo governo, o que reduziria muito os gastos, já que não seria preciso pagar as taxas de administração e os encargos. Por exemplo, um médico que custa R$ 8 mil a uma OS acaba saindo por R$ 22 mil para o estado. O governo não tem mais capacidade financeira para arcar com isso — disse o presidente da Alerj.
Picciani propôs que a dívida com fornecedores e prestadores de serviços seja parcelada:
— Defendo que o governo peça uma carência de 6 meses para quitar os débitos e parcele dívidas em 30 meses.
O orçamento previsto para o pagamento de pessoal e o custeio da Alerj este ano foi de R$ 929 milhões. As sobras desse recurso são depositadas no fundo. Parte desse dinheiro deverá ser usada, por exemplo, na reforma do prédio do Banerjão, no Centro, para onde a sede do Legislativo será transferida no ano que vem.
Segundo fontes do GLOBO, o TJ alegou que o dinheiro, que é destinado a despesas de custeio da corte, não pode ser usado para pagamento de pessoal. O Fundo Especial do Tribunal de Justiça é constituído por 20% das receitas de taxas e custas de processos. Por ano, o fundo movimenta cerca de R$ 800 milhões, dos quais R$ 478 milhões estão disponíveis hoje, de acordo com levantamento feito pelo deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB). Somente para 2016, ele deve receber R$ 812 milhões. Há pouco mais de um mês, a Alerj aprovou uma medida que pode ajudar ainda mais a reforçar o caixa do TJ, ao autorizar reajustes nos valores de várias taxas judiciais.
A legalidade sobre o uso dos fundos, se podem, por exemplo, ser usados para o pagamento de pessoal, é motivo de controvérsia. O desembargador aposentado Marcus Faver, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio, ressaltou que a lei 2524/1996, de criação do Fundo Especial do Judiciário, veta o emprego dos recursos para honrar salários:
— A existência do fundo é uma garantia de que o Judiciário tem autonomia de gestão em relação ao Legislativo. O empréstimo de recursos ao estado é possível e já ocorreu em diversas situações. Na década passada, por exemplo, isso aconteceu nos governos Rosinha e Benedita da Silva. O Judiciário foi ressarcido com créditos dos royalties do petróleo — contou Faver.
Decreto garantiu R$ 41 milhões
Por sua vez, Luiz Paulo defende a tese de que os recursos dos dois fundos, do Legislativo e do Judiciário, podem ser emprestados para o estado honrar quaisquer compromissos, de salários a pagamento de fornecedores:
— Uma vez que os recursos são emprestados, eles vão para o caixa único do estado. Não há como determinar como esses recursos serão usados. Havendo acordo, o empréstimo pode sair. Em 2014, o Tribunal de Justiça emprestou R$ 400 milhões ao estado.
A assessoria do governo estadual não confirmou os pedidos de empréstimo.
Na busca por recursos, Pezão baixou um decreto na quinta-feira transferindo para o Tesouro R$ 41 milhões de dois fundos especiais do estado. Desse total, R$ 36 milhões são do Fundo de Recuperação Econômica dos Municípios, que financia projetos principalmente em cidades do interior. Os R$ 5 milhões restantes vêm de um fundo reservado para concessão de microcrédito.
A relação entre o governador Pezão e o Judiciário azedou esta semana após decisões desfavoráveis ao governo. Na quarta-feira, Pezão disse que recorrerá das liminares que determinam o pagamento dos salários antecipados da Justiça e do Ministério Público, e a aplicação de 12% do orçamento na Saúde.
— (A Justiça) pode mandar também um carro-forte com recurso (dinheiro) junto. Eu não tenho recursos para pagar — ironizou o governador, em entrevista na quinta-feira.
Por nota, o TJ manifestou “estranheza acerca das declarações” do governador. Disse ainda que seu objetivo foi assegurar o cumprimento da Constituição.
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