Em meio à atual turbulência política, o governo sancionou, na semana passada, a nova Lei de Migração, após cerca de 30 anos de discussões intermitentes sobre o tema. A legislação foi elogiada, especialmente no contexto global de crescente xenofobia, por estabelecer os direitos e deveres dos imigrantes, que chegam perto de 2 milhões de pessoas, equiparando suas oportunidades às dos brasileiros.
Deverá entrar em vigor em novembro e exigirá ainda algum detalhamento. A Lei de Migração substitui o Estatuto do Estrangeiro, considerado arcaico e influenciado pelos conceitos e clima vigentes na época em foi criado, em 1980, sob o viés das preocupações com a segurança nacional típica do período da ditadura militar. O Estatuto do Estrangeiro é criticado por discriminar o imigrante, encarado principalmente como uma ameaça.
Desde o início dos anos 1990 discutia-se a necessidade de modernizar a legislação. Somente nesta década a proposta ganhou forma, com o Projeto de Lei do Senado (PLS) 288, de 2013, de autoria do atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). O texto foi aprovado em plenário em 2015 e encaminhado para a Câmara, onde recebeu diversas emendas e voltou ao Senado, onde o relator Tasso Jereissati finalizou o projeto, aprovado em 18 de abril deste ano.
Antes mesmo da aprovação no Senado, a Lei de Migração foi alvo de ataques nas redes sociais e de pelo menos três manifestações contrárias na cidade de São Paulo, que concentra metade dos imigrantes no Brasil. Pela nova regra, poderá ter residência no país o imigrante, residente fronteiriço ou visitante que tenha oferta de trabalho, já tenha possuído nacionalidade brasileira no passado, ganhe asilo, seja menor de 18 anos desacompanhado ou abandonado, vítima de tráfico de pessoas ou trabalho escravo, ou esteja em liberdade provisória ou em cumprimento de pena local. O imigrante terá acesso aos serviços de educação, saúde, assistência jurídica e seguridade social. O estrangeiro não deve ser deportado ou repatriado se houver razões no país de origem que coloquem sua vida e integridade pessoal em risco. A residência poderá ser negada se a pessoa tiver sido expulsa do Brasil anteriormente, praticou ato de terrorismo ou responde a crime passível de extradição, entre outros. Em complemento, os vistos humanitários, antes limitado a cidadãos sírios e haitianos, podem agora beneficiar todas as nacionalidades.
O presidente Michel Temer vetou 18 trechos do texto. Um dos principais vetos foi à anistia que havia sido concedida pelo Congresso aos imigrantes que entraram no Brasil sem documentos até 6 de julho de 2016, independente da situação migratória anterior. Outro dispositivo barrado pelo Executivo foi a livre circulação de indígenas e populações tradicionais entre fronteiras, em terras tradicionalmente ocupadas. O imigrante também não poderá exercer cargo, emprego e função pública. Teve destaque ainda o veto à concessão de visto ou autorização de residência para fins de reunião familiar, que poderia ser estendida para outras hipóteses de parentesco e dependência afetiva.
Originalmente o Brasil foi formado por ondas de imigrantes europeus, desde a colonização até a primeira metade do século passado. O movimento recrudesceu em menor escala neste século, com fluxos de bolivianos, empregados em pequenas indústrias têxteis geralmente criadas por imigrantes coreanos; e de outros países vizinhos como colombianos, venezuelanos e, ainda, de haitianos e africanos.
Os elogios superam as críticas à nova Lei de Migração. O texto, muito amplo em alguns pontos, certamente vai exigir uma regulamentação e uma política efetiva de segurança e fiscalização nas fronteiras, portos e aeroportos. Restam alguns reparos de difícil resposta, como a oferta ao estrangeiro de garantias e serviços que os próprios brasileiros têm dificuldade de ter, como acesso à saúde e educação, sem falar no próprio trabalho. Recentemente o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, citou a Lei de Migração como exemplo de iniciativa que reduz a burocracia, aumenta a produtividade, impulsiona a economia e vai atrair profissionais estrangeiros de alta qualificação necessários para melhorar o nível de produção. Em um momento em que o desemprego aflige mais de 14 milhões de brasileiros, esse é um argumento dispensável.
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