- Folha de S. Paulo
Candidato critica barganha no Congresso; dificuldade para aprovar reformas será grande
Um eventual governo de Jair Bolsonaro (PSL) já está em obras. Discutem-se nomes de ministros; empresários e financistas relevantes oferecem préstimos ao candidato que venceu o primeiro turno da eleição, mostra esta Folha.
Há um ânimo de revolução no ar entre bolsonaristas. Resta combinar com o Congresso, que passou por um desmanche na eleição. É um Parlamento ainda informe, entre outros motivos porque deve ocorrer recomposição relevante de bancadas até março e porque os partidos que comandavam o baile sofreram derrotas imensas.
A margem para aprovação de reformas continua apertada, indicam os números. Como se não bastasse, um pilar da campanha de Bolsonaro era a crítica da divisão de poder com os partidos.
Executivos e empresários dizem que não se pode fracassar diante dessa "oportunidade única" de "mudança de paradigmas", que não se pode frustrar "esse voto de confiança em uma mudança profunda". Referem-se à possibilidade de extensa reforma liberal, dada a força da direita nas urnas.
Porém, o que há de mito e realidade nessa ideia de um Congresso mais inclinado a votar reformas liberais? O que já se pode dizer desta Câmara recém-eleita?
1) Os partidos mais à esquerda, em tese uma bancada antirreformas, continuam quase do mesmo tamanho: 136 deputados de PSOL, PC do B, PT, PDT, PSB e Rede (ante 137 eleitos em 2014). Sobram então 337 votos na Câmara. O Solidariedade pode ser incluído nessa coalizão em casos como o da reforma da Previdência. Sobram 364 votos;
2) por falar em Previdência, o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o principal líder de Bolsonaro no Congresso e talvez ministro de peso, disse que a reforma proposta por Temer "é ruim, é uma porcaria";
3) pouco antes do caso Joesley, metade do ano passado, o reformista de passagem Michel Temer tinha fidelidade de uns 75% dos parlamentares de sua coalizão; no seu auge, 90%. Caso Bolsonaro arrebanhe todos os parlamentares fora da esquerda, terá de conseguir uma taxa de fidelidade de Temer no auge para aprovar mudanças na Constituição (pelo menos 308 votos);
4) claro que estamos em outro mundo. Claro que pode haver defecções na bancada dita de esquerda. Quem sabe a fidelidade dos deputados a um presidente Bolsonaro venha a ser militar. Etc. Essa aritmética simples serve apenas para indicar que o caminho das reformas não é suave;
5) repita-se: Bolsonaro afirmou durante a campanha e ainda nesta semana que não vai negociar cargos por apoio parlamentar. Para isso dar certo, teria de haver novidade também revolucionária no nosso sistema de coalizões e de consensos. O governo tende a ser mais estável e efetivo no Parlamento quanto mais a divisão de poder, ministérios e alto escalão, reflete a composição do Congresso;
6) uma bancada bolsonarista homogeneamente conservadora, como parece possível na Câmara, favorece acordos. Mas há mais indícios de que os deputados tendem mais ao conservadorismo de costumes do que ao liberalismo em economia;
7) não houve ainda adesão em massa a Bolsonaro. Partidos do centrão, atacados pelo candidato, liberam o voto de seus integrantes no segundo turno;
8) o Congresso está em desordem. MDB, PSDB e DEM, que coordenavam os trabalhos, foram derrotados e encolhidos. Os bolsonaristas ainda não têm tecnologia de coordenação política e terão de lidar com a fragmentação ainda maior da Câmara. Apenas adesismo não basta.
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