O presidente eleito Jair Bolsonaro concluiu a formação de seu ministério e a partir dele é possível vislumbrar tendências. A coordenação política é fraca e está sob a vigília de ex-generais que têm alguma expertise na área, embora nunca tenham sido testados para valer na linha de frente do trabalho parlamentar. Da mesma forma, há ex-militares na infraestrutura, área decisiva, em que a excelência é atribuída por derivação dos cursos de alto nível do Instituto Militar de Engenharia, por exemplo. A economia foi entregue a Paulo Guedes, que não têm passagem pelo setor público.
A inexperiência não os desabilita, mas a junção de ex-militares, burocratas e liberais que não gostam do Estado, mas estão lá para fazê-lo funcionar, deixa um enorme ponto de interrogação sobre o futuro. Os resultados seriam até certo ponto previsíveis se houvesse um programa de governo claro.
A demora da escolha do titular do Meio Ambiente e do locus administrativo da Funai, últimos lugares da fila de prioridades, é eloquente. Não há sentido em colocar sob a batuta de Sergio Moro o registro de sindicatos (caso de polícia?) e retirar o órgão encarregado de relacionamento com as tribos indígenas, e as difíceis questões que em torno dele gravitam, do Ministério da Justiça. A Funai foi empurrada de lado a lado, sem que ninguém quisesse assumir a função, até cair nas mãos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, da pastora Damares Alves.
Era uma batata quente, depois que Jair Bolsonaro disse que preferia que os índios arrendassem suas terras a quem as quisesse explorar e que não demarcaria mais terras. As reservas seriam, assim, territórios disponíveis para a exploração mineral e vegetal, que contribuem para a devastação da Amazônia.
Ocupar a pasta do Meio Ambiente depois de Bolsonaro ter dito que iria anexá-la ao Ministério da Agricultura, sob a batuta da bancada ruralista, da ministra Tereza Cristina, tornou-se derrisório. Mais ainda depois de Bolsonaro murmurar que o Brasil deveria se retirar do Acordo de Paris. Em uma de suas derradeiras decisões a respeito, Bolsonaro escolheu para o cargo o Ricardo Salles, que já foi advogado da Sociedade Rural Brasileira e titular da área no governo paulista do tucano Geraldo Alckmin. Ele etá sendo investigado sob a suspeita de favorecer empresas em uma clandestina e ilegal mudança de áreas de proteção ambiental, segundo a acusação.
O amálgama do ministério deveria ser o programa de governo, mas não há clareza de rumos. Pouco se sabe além das indicações de campanha, como a necessidade de privatizações, combate ao déficit público e simplificação do sistema tributário - objetivos importantes, urgentes e aglutinadores de políticas de longo prazo.
Há ainda um problemático ministério paralelo, que pode se superpor a outros e que ninguém controla, composto pelos filhos de Jair Bolsonaro. Dois deles foram eleitos para o Legislativo, mas agem como se fossem porta-vozes do presidente eleito e provocam curto-circuito em um esquema de poder ainda confuso. Eduardo Bolsonaro, que indicou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, parece ter se apossado da diplomacia brasileira sem ter mandato para isso. Flávio Bolsonaro, mais discreto, trouxe problemas por procuração. Seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, está envolvido ña movimentação de dinheiro suspeito, parte dele depositado na conta da futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O próprio Bolsonaro assumiu a paternidade do dinheiro, que seria fruto de um pagamento de dívidas que pousou na conta de sua mulher. É um embaraço antes do previsto para outro superministro, Sergio Moro, da Justiça.
Bolsonaro colocou ex-militares à sombra dos responsáveis pela coordenação política sem que se vislumbre o que ele pretende ganhar com isso na área na qual mostra a maior fragilidade - as relações com o Congresso. Pode ser uma tentativa de blindar-se contra o nefasto "toma lá, dá cá", mas os efeitos dessa inovação só serão conhecidos no futuro.
Pela feição do time que montou, Bolsonaro talvez nem tente fazer tantas mudanças quanto deu a entender na campanha eleitoral. Sua maior agenda ainda parece ser a de costumes. As reformas econômicas podem não ter o alcance e a radicalidade que os investidores esperavam. Acima de tudo, resta a dúvida sobre o que quer Jair Bolsonaro. Suas hesitações sobre questões decisivas, como reforma da previdência e privatizações, sugerem que a urgência poderá não dar o ritmo à agenda do futuro governo, ao contrário do que seria de se esperar diante da crise fiscal em que o país vive.
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