- Valor Econômico
Base do governo caminha para fusão com a de Temer
O fulgor do parlatório não completou 24 horas. O primeiro recuo do novo presidente é a convergência em torno da candidatura Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a reeleição na Presidência da Câmara dos Deputados. É o que precisa fazer se não quiser inviabilizar seu governo na Câmara dos Deputados, ainda que o deputado seja um legítimo representante dos costumes políticos que o presidente eleito rechaçou ontem em seu discurso de posse. A bandeira não voltará a ser vermelha, mas o Congresso manterá as cores do Centrão.
A manutenção do cargo do ex-ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, nomeado na reta final pelo ex-presidente Michel Temer para o Conselho de Itaipu é outro freio no ímpeto com o qual Bolsonaro subiu ao parlatório. Não apenas porque sua nomeação fere o veto da lei das estatais à ocupação de cargos por dirigentes partidários, mas porque, ao manter Marun e Maia, o novo presidente caminha a passos largos para manter resguardado o legado político do ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba.
Ao transmitir o cargo para o sucessor, Onyx Lorenzoni, o ministro da Casa Civil do governo Temer, Eliseu Padilha, disse que a sintonia era tamanha na equipe de transição que havia momentos em que não se sabia quem era de um governo e quem era do outro. As primeiras indicações são de que suas bases caminham, de fato, para uma fusão.
Mal subiu a rampa, o presidente da República já começou a recuar da anunciada ofensiva selva adentro porque precisa asfaltar a retomada da economia. Tem a expectativa de fazer andar as reformas econômicas no Congresso e está disposto a terceirizar para a 'pressão da sociedade' a pressão pela agenda dos costumes. O conflito anunciado é o da pauta do ministro Sérgio Moro. O acordo do PSL, partido do presidente, com Rodrigo Maia passa pelo controle da CCJ, a poderosa comissão que serviu de velório ao pacote anticorrupção dos procuradores da Lava-Jato.
Jair Bolsonaro terá que se provar capaz de arbitrar os interesses que se confrontam em seu governo, mas se movimenta com mais fluidez no jogo de ambiguidades da política. No discurso, se disse disposto a por fim à era do politicamente correto para agradar ao núcleo duro de seu eleitorado. Na cerimônia de posse, em contrapartida, abriu espaço para a primeira-dama, de uma só tacada, proclamar, com desenvoltura, o respeito às pessoas com deficiência, e mostrar que não é uma mulher resignada à sombra do marido como destinatária de cheques de um ex-assessor.
No manejo das simbologias de sua gestão, o novo presidente sinalizou que não descuidará da mais poderosa delas, a farda militar. Compareceu à transmissão de cargo do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, única das cerimônias ocorridas fora do Palácio do Planalto em que esteve presente. Disse que hierarquia, respeito, ordem e progresso são os valores das Forças Armadas que sua eleição provou serem comungadas pela maioria do povo.
Um sinal de que a corporação vê-se à vontade no governo foi o breve discurso de transmissão de cargo do ministro do Gabinete de Segurança Institucional. O general Heleno Ribeiro, que nunca escondeu o desagrado com o espaço evangélico na campanha, usou a saudação bolsonarista pela metade - "O Brasil acima de tudo" - para encerrar sua fala.
O manejo das ambiguidades de Bolsonaro foi capaz até mesmo de omitir menções às desigualdades sociais nos seus discursos no mesmo dia em que sancionou o maior reajuste real do salário mínimo dos últimos três anos. Nada mais fez do que cumprir a lei que manda corrigir o valor pela inflação do ano anterior e pelo PIB de dois anos antes, mas qualquer outro presidente o teria faturado.
Bolsonaro não o fez talvez porque não queira correr o risco de provocar o pequeno empresário do núcleo duro de seu eleitorado. Seus discursos foram mais relevantes pelo que não disseram. Com a omissão, manteve, à sua maneira, o discurso nós contra eles do governo petista. É a aposta para manter mobilizada sua tropa no asfalto.
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Os atos da posse confirmaram os piores anseios do pastor Malafaia em relação à mudança da embaixada do Brasil de Israel de Telaviv para Jerusalém. A promessa de transferência selou o apoio da bancada evangélica e da comunidade judaica, além de atrair o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu para a posse.
Nos seus discursos, no entanto, o presidente tergiversou o tema. Limitou-se a fazer uma referência à herança 'judaico-cristã' do país. Além da pressão diplomática e dos exportadores, veio das Forças Armadas a maior carga contrária. Ao longo das últimas semanas, generais da ativa e da reserva têm repassado o histórico das relações do Brasil com o mundo árabe, da visita de d. Pedro II ao Líbano e à Síria com uma comitiva de 200 pessoas às trocas com o Iraque, de quem os governos militares compravam petróleo sem carta de crédito e mandavam carro e frango.
Não faltaram alusões aos atentados na Argentina nos anos 1990, quando o governo Carlos Menem aproximou-se de Israel, e aos riscos de o país importar o terrorismo islâmico. Generais brasileiros da ativa chegaram a garantir a colegas árabes que a transferência não seria efetivada.
O chanceler Ernesto Araújo levantou a expectativa de que trataria do tema ao citar d. Sebastião ("De que cor é o medo") no discurso com o qual assumiu o cargo, mas limitou-se a dizer que Israel nunca deixou de ser uma nação mesmo quando não tido solo.
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Ao encontrar um dos ministros generais na posse do presidente da República, o governador do Rio, Wilson Witzel, confidenciou-lhe que pretende trabalhar para mudar a legislação para poder enquadrar o narcotráfico como terrorismo. O ministro o ouviu impassível.
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