Finalmente a corrupção chega às mesas de debate do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesta semana, quando o FMI realizar em Washington sua tradicional reunião da primavera (no Hemisfério Norte), um capítulo do respeitado estudo Monitor Fiscal, apresentado em todo encontro, é dedicado ao tema. Os efeitos fiscais da corrupção e seu impacto nas políticas públicas e na infraestrutura são alguns dos enfoques do estudo, que tem o mérito de dimensionar prejuízos que todos percebem que são causados, mas não sabem quantificar.
Um dos efeitos perniciosos da corrupção é a queda da arrecadação. A perda atinge cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) global, o equivalente a US$ 1,5 trilhão, calcula o Fundo. Governos menos corruptos chegam a arrecadar o equivalente a 4% do PIB a mais. Quando a corrupção prolifera, há desperdícios do dinheiro dos contribuintes e do próprio governo em projetos de investimento superfaturados, com gastos que chegam ao dobro por conta das propinas e fraudes em licitações. As pessoas pagam suborno para escapar dos impostos.
Há distorções também nas prioridades do governo e a parcela dos investimentos destinada à educação e saúde é um terço menor, com implicações na eficiência dos gastos sociais. O FMI constata que, em países mais corruptos, os estudantes em idade escolar tiram notas piores nas provas. Quando o nível de corrupção é elevado, as notas são 10% inferiores à média global; quando a corrupção é reduzida, podem ser quase 15% superiores.
O FMI analisou com pragmatismo o impacto da corrupção na infraestrutura (Valor, 5/4). Para o Fundo, é preciso desincentivar a corrupção, mas também reduzir o prejuízo à economia. Em alguns casos, os projetos foram interrompidos depois de investimentos elevados terem sido feitos, com impacto macroeconômico, aponta o FMI, mencionando os casos do Brasil e do Peru. Para o Fundo, seria possível levar adiante os projetos, caso sejam de interesse público, enquanto se adotam salvaguardas adicionais e se continua a processar e a impor sanções a quem tiver praticado corrupção. Não é a primeira vez que o FMI menciona a corrupção no Brasil. Ao analisar a crise econômica de 2015, ele destacou as suspeitas de irregularidades na campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff, a crise política, decisões erradas do governo federal com as pedaladas fiscais e o escândalo da Petrobras.
Desde 2018, o Fundo resolveu passar a incluir a análise da corrupção nos relatórios periódicos de países que elabora, avaliando suas consequências sobre a economia e usando indicadores de governança e transparência. Não foi fácil para o FMI dar esse passo. A diretora-gerente Christine Lagarde foi condenada em 2016 por negligência no caso Tapie, escândalo envolvendo o desvio de dinheiro público quando era ministra das Finanças da França, embora sem responsabilidade criminal. Seu antecessor na entidade, Dominique Strauss-Kahn, renunciou após ser preso por estupro. E o anterior, Rodrigo Rato, é acusado na Espanha em vários casos de fraude fiscal depois que foi trabalhar no Bankia.
Lagarde disse na semana passada a empresários que a corrupção é um dos problemas globais que precisa ser atacado em conjunto pelos países, como a migração, os riscos cibernéticos e a mudanças climáticas. Ela comentou que a corrupção drena recursos que poderiam ser canalizados para a educação, saúde e redução da desigualdade, como bem sabem os brasileiros. O estudo do FMI confirmou o que se suspeitava há tempos: a corrupção reduz o crescimento e aumenta a desigualdade. "Para ser verdadeiramente eficaz as estratégias de combate à corrupção devem ir além de simplesmente jogar as pessoas na cadeia. São necessárias reformas regulatórias e institucionais mais amplas", disse. Na análise de Lagarde, a melhor maneira de combater a corrupção envolve a criação de "instituições fortes, transparentes e responsáveis".
Os levantamentos da Transparência Internacional mostram a grande correspondência entre corrupção e pobreza. Pelos dados de 2018, dois terços dos 180 países acompanhados estão abaixo de 50 no Índice de Percepção da Corrupção, uma escala em que só as nações "muito limpas" conseguem a nota 100. Com 88 pontos, a Dinamarca é que se mais aproxima desse conceito. Entre os dez países mais corruptos, seis estão na África. O Brasil está em 105º lugar, o pior resultado desde 2012.
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