quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Assis Moreira - Mudança climática e insegurança global

Valor Econômico

Alteração do clima é um multiplicador global de riscos

Representantes de 197 países são esperados na Conferência do Clima em Glasgow, que começa no dia 31 em meio à constatação crescente de que a crise climática é uma ameaça para a segurança coletiva - alimentar, energética ou física. Certos analistas preveem que as tensões vão aumentar em todos os continentes à medida, por exemplo, que alguns países ampliarem movimentos para controlar terras aráveis, estoques de pescado e recursos em água doce, que vão diminuir com o aquecimento climático num contexto marcado pelo crescimento demográfico.

Discussões sobre a relação entre mudança climática, paz e segurança internacional entraram na agenda do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Certos analistas militares falam de “novo inimigo”, sem bandeira, sem dirigente, sem combatente, mas que desestabiliza sociedades inteiras e pode ser uma catástrofe para a segurança mundial.

Antecedendo Glasgow, o governo dos EUA tomou a iniciativa de liberar na semana passada vários relatórios sobre o tema elaborados por suas agências da área de informação. O documento mais amplo é o do Conselho de Segurança Nacional, projetando tendências para 2040 que diz serem baseadas em consenso de estudos científicos, modelos e projeções do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), do US National Climate Assessment e do conjunto de agências oficiais americanas.

A avaliação é de que as cobranças crescem para reduções mais ambiciosas das emissões de gases de efeito estufa, mas que as políticas e promessas atuais são insuficientes para cumprir as metas do Acordo de Paris, e a temperatura global poderá superar a meta de 1,5ºC. Os EUA acreditam que o debate vai se centrar sobre quem tem mais responsabilidade de agir e de pagar, e com que rapidez, ao mesmo tempo em que competem para controlar os recursos e dominar as novas tecnologias necessárias para a transição para energia limpa. A sinalização é de piora de conflitos entre nações, grande deslocamento de populações fugindo dos efeitos físicos do aquecimento, batalhas sobre quem pagará pelos custos da mudança climática, mais tensões militares.

China e Índia, primeiro e quarto maiores emissores mundiais de gases-estufa, terão papel crítico na determinação da trajetória do aumento da temperatura global. Segundo os EUA, ambos estão aumentando as emissões per capita, enquanto EUA e União Europeia, segundo e terceiro maiores emissores, estão declinando. China e Índia estão incorporando mais energia de fonte renovável e baixo carbono, mas vários fatores limitam a eliminação do uso de carvão.

A competição vai aumentar pela aquisição e processamento de minerais e recursos usados em tecnologias-chave de energia renovável. A China está em forte posição para competir e controla hoje mais da metade da capacidade de processamento de várias commodities importantes, como terra rara para turbinas eólicas, polisilício para painéis solares, além de cobalto, lítio, manganês e grafite para baterias de carros elétricos. Para os EUA, os chineses têm a vantagem de processar com custo reduzido justamente em razão de baixos padrões ambientais, por exemplo.

Os EUA preveem também maior competição no desenvolvimento de tecnologias de energia renovável pela liderança nas exportações e ganhar fatias de mercado quando a transição energética se acelerar. Notam que companhias e governos na China, UE, Japão, Rússia e EUA estão turbinando gastos em pesquisa e desenvolvimento nessa área.

Os relatórios americanos apontam 11 países como particularmente vulneráveis às mudanças climáticas e incapazes de enfrentar seus efeitos. Cinco estão na Ásia - Índia, Paquistão, Coreia do Norte (os três com armas nucleares), Afeganistão e Mianmar-; quatro na América Central e Caribe - Guatemala, Haiti, Honduras e Nicarágua. Colômbia e Iraque completam a lista.

Na avaliação americana, Brasil e México têm maior capacidade para adaptar aos efeitos da mudança climática. Um relatório do Departamento de Defesa, ao analisar potencial impacto de missões militares americanas, menciona que seu U.S. Southern Command, ou comando sul, que fica na Flórida, poderá ter crescente demanda na América do Sul para assistência humanitária e instabilidade em outros países, por causa de calor e seca na região.

As agências americanas consideram que os EUA e alguns países desenvolvidos têm maior capacidade tecnológica e evidentes recursos financeiros para se adaptar às mudanças climáticas e é provável que tenham alguns benefícios em termos de competitividade tecnológica e agricultura. Com temperaturas mais quentes, alguns ganhadores estarão nas altas latitudes, como o Canadá e os países escandinavos.

Mais de 20 países dependem de combustíveis fósseis em mais de 50% de suas receitas de exportações e vão ter dificuldades para diversificar suas vendas por causa de interesses políticos, corrupção endêmica e falta de instituições. Para os EUA, a Argélia, Chade, Iraque e Nigéria são os que correm mais risco com uma queda de preço do petróleo.

A maioria dos países enfrentará escolhas econômicas difíceis. O Pentágono estima que escassez de alimentos pode levar a tumultos e conflitos entre países sobre água. Outro relatório menciona que milhões de pessoas poderão ser deslocados até 2050 por causa da mudança climática, incluindo até 143 milhões de pessoas na Ásia do Sul, África subsaariana e América Latina.

Os EUA projetam também crescente competição estratégica no Ártico, à medida que a região se torne mais acessível em razão do aquecimento das temperaturas e da redução do gelo. Isso aumentará o acesso para rotas de navegação que podem reduzir o tempo de transporte entre Europa e Ásia em cerca de 40% para alguns navios. Além disso, depósitos de gás e óleo natural, e metais e minerais preciosos estimados em US$ 1 trilhão se tornarão mais disponíveis. Além dos EUA e da Rússia, a China, França, Índia, Japão, Coreia do Sul e Reino Unido definiram estratégias focadas em oportunidades econômicas no Ártico. Para os americanos, atividades militares e econômicas contestadas vão aumentar os riscos de “erros de cálculo” na região.

Ou seja, a mudança climática é um multiplicador de riscos.

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