Valor Econômico
A um ambiente já repleto de incertezas
domésticas, soma-se um quadro internacional mais adverso
A expectativa de um crescimento anêmico da
economia brasileira em 2022 se baseia especialmente num conjunto de problemas
domésticos, como as elevadas incertezas fiscais e políticas, o agravamento da
crise hídrica e uma inflação persistente e disseminada, que requer juros cada
vez mais altos. A novidade das últimas semanas é que o cenário internacional se
tornou mais complicado, uma evidente má notícia para países emergentes como o
Brasil.
A principal fonte de indefinição externa
agora é a China, que enfrenta as consequências das dificuldades da Evergrande,
a gigante do setor imobiliário, e passa por uma crise energética local - aliás,
o risco de uma crise de energia de proporções globais aumentou, como se vê na
alta dos preços do gás e do petróleo. Além disso, aproxima-se o momento em que
o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vai começar a retirada dos
estímulos monetários, provavelmente já em novembro.
Há, obviamente, muita indefinição sobre as projeções de crescimento para 2022. No setor privado, há desde estimativas muito baixas, como o 0,4% da MB Associados e o 0,5% do Itaú Unibanco, até previsões entre 1,5% e 2%, como o 1,6% do Bradesco e o 1,8% da Tendências Consultoria Integrada. Mesmo essas projeções um pouco mais elevadas não são animadoras, além de serem consideravelmente menores do que os 2,5% do Ministério da Economia, uma previsão baseada na visão invariavelmente otimista do ministro Paulo Guedes e do secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida. O consenso do mercado para 2022 está em 1,57%, segundo o Boletim Focus do Banco Central (BC). Em 2021, o crescimento deve ficar por volta de 5%, estimam os analistas.
O que está claro é que há muitos fatores de
incerteza perturbando o ambiente econômico, elevando as chances de uma expansão
mais fraca no ano que vem. A inflação tem surpreendido para cima mês após mês,
rodando na casa de dois dígitos no acumulado em 12 meses, o que leva o BC a
promover um ciclo de alta de juros bem mais intenso do que se projetava há
alguns meses. Até março, a Selic estava em 2% ao ano. A taxa já está em 6,25% e
pode atingir mais de 9% no começo do ano que vem. O aumento mais forte dos
juros vai impactar a atividade, ao encarecer o custo do crédito e contribuir
para a deterioração das condições financeiras, além de piorar a dinâmica da
dívida pública.
O quadro fiscal, por sua vez, voltou a se
nublar nos últimos meses. Há dúvidas sobre como será resolvido o pagamento de
R$ 89 bilhões de precatórios do ano que vem. A solução acertada pelo governo e
pela cúpula do Senado e da Câmara dos Deputados para a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) sobre o assunto aponta para a quitação de R$ 40 bilhões em
2022. Parte dos outros R$ 50 bilhões também pode ser paga no ano que vem, a
depender de medidas como encontro de contas entre a União e Estados, por
exemplo, e eventuais negociações entre as partes (a PEC, vale reforçar, ainda
precisa tramitar e ser aprovada nas duas casas). A ideia é criticada por
diversos especialistas em contas públicas, por apenas empurrar o problema com a
barriga, como escreve o analista Fabio Klein, da Tendências. Para ele, o
resultado da proposta é a transformação dessas sentenças judiciais numa “grande
bola de neve capaz de produzir uma avalanche fiscal no futuro, num grande ‘devo
não nego, pago quando puder’”.
Em nota, Klein diz que “o acúmulo de saldos
a pagar no futuro pode ser uma contínua fonte de pressão sobre as contas
públicas”. Há ainda a incerteza sobre como financiar dentro do teto de gastos a
ampliação do Bolsa Família, que será substituído pelo Auxílio Brasil. Também
atrapalham as tensões políticas causadas pelo presidente Jair Bolsonaro, ainda
que ele tenha refreado as críticas ao Judiciário e ao sistema eleitoral nas
últimas semanas, depois da péssima repercussão dos discursos nos atos de 7 de
setembro. O histórico de Bolsonaro, porém, sugere que o recuo terá vida curta.
Para complicar, há também a crise hídrica,
que tem pressionado fortemente as tarifas de energia elétrica. Se o problema
perdurar, o risco de racionamento vai crescer, com efeitos negativos sobre a
atividade econômica.
A esse cenário repleto de incertezas
domésticas, soma-se o quadro externo mais adverso. Segundo o economista Silvio
Campos Neto, da Tendências, “preocupações com a inflação e a atividade global,
que têm contribuído para o aumento da aversão ao risco nos mercados
internacionais, ganharam novos elementos nos últimos dias, resultando em uma
nova rodada de deterioração no sentimento dos investidores e nos preços de
ativos de risco”. Na China, o temor com o colapso da Evergrande e relatos de
escassez de energia exacerbaram os temores de uma desaceleração mais forte nos
próximos meses, escreve ele. Nos EUA, o Fed avançou na sinalização de que vai
começar a reduzir estímulos ainda neste ano, trazendo também uma visão de que
metade dos dirigentes espera alta dos juros já em 2022, observa Campos Neto. É
essa combinação adversa que o mundo, em especial os emergentes, vai enfrentar
nos próximos meses, diz ele: condições financeiras mais apertadas, perda de
força da recuperação global e maiores riscos provenientes da China, o que traz
um peso adicional a países exportadores de commodities como o Brasil.
Esse ambiente internacional pior vai afetar
a retomada econômica por aqui, por causa da desaceleração global, da piora dos
termos de troca (a relação entre os preços de exportação e de importação) e do
aperto das condições financeiras. A tendência é que haja impactos relevantes sobre
as ações das empresas brasileiras e sobre a taxa de câmbio, “altamente
influenciada por esse quadro que combina dólar mais forte no mundo, commodities
em queda e maiores preocupações com a China”. O câmbio mais próximo de R$ 5,40
já representa uma correção parcial dos preços ao panorama externo mais difícil,
num cenário em que o real já vinha pressionado por problemas internos, afirma
Campos Neto.
Reduzir os ruídos fiscais e políticos seria
fundamental, num momento em que o quadro internacional se torna mais hostil aos
emergentes. Isso ajudaria a aliviar em alguma medida as pressões sobre o
câmbio, colaborando para atenuar o efeito sobre a inflação. Como Bolsonaro
pensa apenas na reeleição em 2022, contudo, é improvável que o seu governo tome
medidas para diminuir essas incertezas. O resultado tende a ser um crescimento
baixo no ano que vem, prejudicando a recuperação do mercado de trabalho.
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