segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Sergio Lamucci - O cenário externo se complica para o Brasil

Valor Econômico

A um ambiente já repleto de incertezas domésticas, soma-se um quadro internacional mais adverso

A expectativa de um crescimento anêmico da economia brasileira em 2022 se baseia especialmente num conjunto de problemas domésticos, como as elevadas incertezas fiscais e políticas, o agravamento da crise hídrica e uma inflação persistente e disseminada, que requer juros cada vez mais altos. A novidade das últimas semanas é que o cenário internacional se tornou mais complicado, uma evidente má notícia para países emergentes como o Brasil.

A principal fonte de indefinição externa agora é a China, que enfrenta as consequências das dificuldades da Evergrande, a gigante do setor imobiliário, e passa por uma crise energética local - aliás, o risco de uma crise de energia de proporções globais aumentou, como se vê na alta dos preços do gás e do petróleo. Além disso, aproxima-se o momento em que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vai começar a retirada dos estímulos monetários, provavelmente já em novembro.

Há, obviamente, muita indefinição sobre as projeções de crescimento para 2022. No setor privado, há desde estimativas muito baixas, como o 0,4% da MB Associados e o 0,5% do Itaú Unibanco, até previsões entre 1,5% e 2%, como o 1,6% do Bradesco e o 1,8% da Tendências Consultoria Integrada. Mesmo essas projeções um pouco mais elevadas não são animadoras, além de serem consideravelmente menores do que os 2,5% do Ministério da Economia, uma previsão baseada na visão invariavelmente otimista do ministro Paulo Guedes e do secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida. O consenso do mercado para 2022 está em 1,57%, segundo o Boletim Focus do Banco Central (BC). Em 2021, o crescimento deve ficar por volta de 5%, estimam os analistas.

O que está claro é que há muitos fatores de incerteza perturbando o ambiente econômico, elevando as chances de uma expansão mais fraca no ano que vem. A inflação tem surpreendido para cima mês após mês, rodando na casa de dois dígitos no acumulado em 12 meses, o que leva o BC a promover um ciclo de alta de juros bem mais intenso do que se projetava há alguns meses. Até março, a Selic estava em 2% ao ano. A taxa já está em 6,25% e pode atingir mais de 9% no começo do ano que vem. O aumento mais forte dos juros vai impactar a atividade, ao encarecer o custo do crédito e contribuir para a deterioração das condições financeiras, além de piorar a dinâmica da dívida pública.

O quadro fiscal, por sua vez, voltou a se nublar nos últimos meses. Há dúvidas sobre como será resolvido o pagamento de R$ 89 bilhões de precatórios do ano que vem. A solução acertada pelo governo e pela cúpula do Senado e da Câmara dos Deputados para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o assunto aponta para a quitação de R$ 40 bilhões em 2022. Parte dos outros R$ 50 bilhões também pode ser paga no ano que vem, a depender de medidas como encontro de contas entre a União e Estados, por exemplo, e eventuais negociações entre as partes (a PEC, vale reforçar, ainda precisa tramitar e ser aprovada nas duas casas). A ideia é criticada por diversos especialistas em contas públicas, por apenas empurrar o problema com a barriga, como escreve o analista Fabio Klein, da Tendências. Para ele, o resultado da proposta é a transformação dessas sentenças judiciais numa “grande bola de neve capaz de produzir uma avalanche fiscal no futuro, num grande ‘devo não nego, pago quando puder’”.

Em nota, Klein diz que “o acúmulo de saldos a pagar no futuro pode ser uma contínua fonte de pressão sobre as contas públicas”. Há ainda a incerteza sobre como financiar dentro do teto de gastos a ampliação do Bolsa Família, que será substituído pelo Auxílio Brasil. Também atrapalham as tensões políticas causadas pelo presidente Jair Bolsonaro, ainda que ele tenha refreado as críticas ao Judiciário e ao sistema eleitoral nas últimas semanas, depois da péssima repercussão dos discursos nos atos de 7 de setembro. O histórico de Bolsonaro, porém, sugere que o recuo terá vida curta.

Para complicar, há também a crise hídrica, que tem pressionado fortemente as tarifas de energia elétrica. Se o problema perdurar, o risco de racionamento vai crescer, com efeitos negativos sobre a atividade econômica.

A esse cenário repleto de incertezas domésticas, soma-se o quadro externo mais adverso. Segundo o economista Silvio Campos Neto, da Tendências, “preocupações com a inflação e a atividade global, que têm contribuído para o aumento da aversão ao risco nos mercados internacionais, ganharam novos elementos nos últimos dias, resultando em uma nova rodada de deterioração no sentimento dos investidores e nos preços de ativos de risco”. Na China, o temor com o colapso da Evergrande e relatos de escassez de energia exacerbaram os temores de uma desaceleração mais forte nos próximos meses, escreve ele. Nos EUA, o Fed avançou na sinalização de que vai começar a reduzir estímulos ainda neste ano, trazendo também uma visão de que metade dos dirigentes espera alta dos juros já em 2022, observa Campos Neto. É essa combinação adversa que o mundo, em especial os emergentes, vai enfrentar nos próximos meses, diz ele: condições financeiras mais apertadas, perda de força da recuperação global e maiores riscos provenientes da China, o que traz um peso adicional a países exportadores de commodities como o Brasil.

Esse ambiente internacional pior vai afetar a retomada econômica por aqui, por causa da desaceleração global, da piora dos termos de troca (a relação entre os preços de exportação e de importação) e do aperto das condições financeiras. A tendência é que haja impactos relevantes sobre as ações das empresas brasileiras e sobre a taxa de câmbio, “altamente influenciada por esse quadro que combina dólar mais forte no mundo, commodities em queda e maiores preocupações com a China”. O câmbio mais próximo de R$ 5,40 já representa uma correção parcial dos preços ao panorama externo mais difícil, num cenário em que o real já vinha pressionado por problemas internos, afirma Campos Neto.

Reduzir os ruídos fiscais e políticos seria fundamental, num momento em que o quadro internacional se torna mais hostil aos emergentes. Isso ajudaria a aliviar em alguma medida as pressões sobre o câmbio, colaborando para atenuar o efeito sobre a inflação. Como Bolsonaro pensa apenas na reeleição em 2022, contudo, é improvável que o seu governo tome medidas para diminuir essas incertezas. O resultado tende a ser um crescimento baixo no ano que vem, prejudicando a recuperação do mercado de trabalho.

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