Valor Econômico
Duas certezas e uma dúvida a um ano das eleições
Em 2018, Bolsonaro subverteu a lógica das
campanhas políticas brasileiras. Sua coligação era composta apenas pelos
nanicos PSL e PRTB, e ele não firmou alianças nos Estados. Na distribuição do
tempo de propaganda no rádio e na TV, ficou com apenas 8 segundos por bloco,
mais 11 inserções diárias de 30 segundos cada - em comparação, Geraldo Alckmin
(PSDB) tinha 5 minutos e 32 segundos por bloco, mais 434 comerciais de meio minuto
ao dia.
O diretório bolsonarista declarou gastos de
R$ 2.456.215,03, vindos essencialmente de financiamento coletivo. Os valores
eram muito inferiores aos de seu rival no segundo turno, Fernando Haddad (PT),
cujas despesas ficaram em R$ 37.503.104,50, sendo que 95,12% tiveram origem nos
fundos eleitoral e partidário.
O trunfo de Bolsonaro não estava na arrecadação, na propaganda gratuita ou nas coligações partidárias, sequer em dobradinhas com lideranças regionais. Em janeiro de 2018, o então candidato já contava com uma rede de 5 milhões de seguidores no Facebook, 800 mil no Instagram e 850 mil no Twitter, além de 400 mil inscritos em seu canal no Youtube - sem falar num contingente incalculável de grupos de WhatsApp e outros aplicativos de mensagens.
O sistema judicial ainda investiga o quanto
do sucesso da chapa Bolsonaro-Mourão nas mídias sociais foi impulsionado
ilegalmente, mas o fato é que sua mensagem se alastrou de uma forma nunca vista
no país, num nível muitas vezes superior ao de seus adversários, que ainda
apostavam no modelo tradicional de se fazer campanha.
Na esteira de Bolsonaro, centenas de
candidatos com o mesmo perfil se elegeram senadores, governadores, deputados
federais e estaduais. Naquele ano, apenas 12 dos 27 governadores eleitos haviam
sido os candidatos que possuíam mais dinheiro para gastar nos seus Estados.
Esse índice (44,4%) foi o menor desde 2002. A taxa de reeleição (50%) também
foi uma das mais baixas da série histórica, conforme gráfico abaixo.
No pleito seguinte, porém, a expectativa de
campanhas disruptivas não se confirmou. Nas capitais, 16 das 26 prefeituras
foram ganhas pelo candidato de maior arrecadação (61,5%, um dos mais altos
percentuais de nosso passado recente) e a taxa de reeleição foi de 76,9%,
inferior apenas à de 2008. Quando computado o país como um todo, a máquina dos
grandes partidos fez a diferença: MDB, PP, PSD, PSDB e DEM, juntos, passaram a
governar 55% dos municípios brasileiros.
No sábado passado iniciamos a contagem
regressiva para o primeiro turno das eleições, marcado para 2 de outubro de
2022. O cenário está aberto, mas já temos duas certezas e uma dúvida.
Ao ter falhado em controlar o PSL e bater
de frente com os governadores, Bolsonaro abriu mão do fundo eleitoral e das
alianças regionais para dobrar a aposta na sua estratégia de redes sociais -
turbinada pela exposição midiática e pelo uso da máquina governamental
proporcionados por ser o incumbente da vez.
Lula contará com o segundo maior volume de
fundo eleitoral, forte apoio regional nos Estados do Nordeste, um partido com
uma ampla base de apoiadores e o recall de ser um ex-presidente em busca do
terceiro mandato - por tudo isso, dificilmente ficará fora do segundo turno.
Contra adversários tão polarizantes quanto
Bolsonaro e Lula, uma alternativa não conseguirá se impor na base da novidade
ou das redes sociais - Luciano Huck que o diga. Nesse caso, a viabilidade de
qualquer terceira via passa pela política tradicional: a construção de uma
articulação ampla que garanta bastante recurso de campanha, muito tempo de TV e
parcerias nos Estados. Mas há um problema.
Com a proibição das coligações, os partidos
precisam ter uma votação elevada no Legislativo para, assim, garantir mais recursos
do fundo partidário e eleitoral nos próximos quatro anos. Essa circunstância
estimula os partidos tradicionais a lançarem seus próprios aspirantes ao
Palácio do Planalto, mesmo com poucas chances de vitória - apenas para puxar
votos para deputados federais e senadores e marcar terreno para uma futura
negociação no segundo turno.
Segundo essa lógica, partidos como DEM/PSL,
PSD e MDB somente cogitarão desistir de suas candidaturas próprias em favor de
uma aliança mais sólida de centro-direita se surgir, daqui até o início do
próximo ano, um nome com chances de tirar Bolsonaro do segundo turno. Do
contrário, teremos uma pulverização de candidaturas como em 2018.
Bolsonaro e Lula agradecerão.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário