segunda-feira, 25 de julho de 2022

Lygia Maria - Bolsonaro é vexame mundial

Folha de S. Paulo

Com quebras de protocolos e crimes de responsabilidade, só é possível sentir vergonha de ser brasileiro

Não entendo como alguém sente orgulho de ser paulista, baiano, brasileiro etc. Como é possível sentir orgulho de algo para o qual não contribuí? Afinal, apenas por uma aleatoriedade nasci nesta terra em que tudo cresce e floresce. Adoro futebol, samba e feijoada, mas sentir orgulho já é demais. Curioso é que o mesmo não se passa com a vergonha: semana passada, senti uma vergonha danada de ser brasileira.

O presidente convocou uma reunião com embaixadores para dizer que a nossa democracia é mequetrefe. Escancarou-se, para o mundo, sua loucura e burrice. Só alguém desconectado da realidade divulga teorias da conspiração, e é preciso ter déficit cognitivo acentuado para não perceber que apontar fraudes nas eleições deslegitima o processo em que ele mesmo foi eleito. Um vexame mundial.

Mas a vergonha não surge agora. Quem não se lembra do chefe de Estado dando entrevista com microfones sobre uma prancha de surfe? Depois, vieram fotos tomando Nescau com camiseta de time, comendo churrasquinho derrubando farofa no chão, xingamentos à imprensa, falas criminosas na pandemia.

A base dessas quebras de protocolo e de decoro é típica do populismo: o aliciamento das massas a partir da exaltação de um estereótipo de povo. Dessa forma, qualquer disparate do político é justificado pelo eleitorado: "É um homem do povo!", "É gente como a gente!"

Assim é o culto paradoxal à personalidade populista: aproximação simbólica e imagética com o povo que gera admiração quase religiosa.

Esse mecanismo não é exclusividade da direita. Na América Latina, abundam políticos com imagens míticas ou paternais, e é quase impossível ser eleito sem chafurdar na lama populista.


O Brasil está atolado nela há décadas, mas parece agora que nos superamos. Bolsonaro é o epítome do "homem-massa", do filósofo Ortega y Gasset: "Não é que o vulgo pense que é excepcional e não vulgar, mas sim que o vulgar proclama e impõe o direito à vulgaridade".

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Não conheço ninguém que tenha orgulho de ser paulista e fluminense,deve ser porque o ''Brasil oficial''parece,erroneamente,claro,que é só São Paulo e Rio de Janeiro.