terça-feira, 14 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Gestão Pochmann no IBGE desperta os piores temores

O Globo

Economista do PT é criticado pelos traços ideológicos que quer imprimir a sua gestão na presidência do instituto

O quase nonagenário Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é uma instituição fundamental para a formulação de políticas públicas. Saem de lá as informações mais relevantes do país: inflação, desemprego, PIB e produção industrial, além do Censo. Trata-se de uma instituição de Estado, na acepção mais nobre do termo. Por isso seus técnicos, de capacidade reconhecida, precisam trabalhar com transparência, independência e isenção. Essas características estão em risco agora, sob a gestão do economista Marcio Pochmann.

A escolha de Pochmann, quadro histórico do PT, veio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, passando por cima da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Causou desconforto em setores do próprio governo, por despertar temores de gestão ideológica numa instituição que precisa ser eminentemente técnica. Com menos de um ano à frente do IBGE, Pochmann vem infelizmente confirmando tais temores.

A subordinação do instituto aos desígnios do governo é um risco que se esboça diante de seus discursos e práticas recentes. “O dirigente, quando assume um órgão de governo, implanta as diretrizes do programa vencedor das eleições”, escreveu no GLOBO a economista Martha Mayer, ex-diretora do IBGE e integrante da Comissão Consultiva do Censo.“Mas não cabe ao Poder Executivo mudar diretrizes em órgãos de Estado.” No artigo, ela revela preocupação com o rumo do instituto.

Um ponto que tem deixado apreensivos técnicos como ela é a relação com a imprensa. Recentemente, um coordenador criticou a divulgação de pesquisas e estatísticas em entrevistas coletivas. Disse que “o IBGE vai chegar à Dona Maria diretamente”. Para Mayer, isso significa que Pochmann não quer “a vigilância dos jornalistas e as perguntas que fazem nas coletivas”. Tentar cercear a atividade jornalística é atitude que combina mais com regimes autoritários que com um governo eleito empunhando a bandeira da democracia.

Outra preocupação diz respeito à manipulação dos números. No mês passado, Pochmann criticou a produção de estatísticas sob influência dos países ocidentais. Disse ter havido deslocamento global para o Oriente e citou a China como modelo. Ora, a ditadura chinesa não é exemplo de transparência em nada. A China acaba de suspender a divulgação das estatísticas de desemprego entre jovens porque os dados eram desfavoráveis. É isso que ele defende? Querer dirigir estatísticas não dá certo. Na Argentina, em 2012, o governo de Cristina Kirchner interveio no Indec, correspondente ao IBGE brasileiro, para maquiar os índices de inflação. O resultado foi a perda de confiança em qualquer número oficial.

O roteiro que se desenha no IBGE não é propriamente uma surpresa. Quando passou pelo Ipea, em governos anteriores do PT, Pochmann ficou conhecido pela gestão ideológica. Demitiu técnicos competentes que não se alinhavam com seu pensamento, tentou influenciar pesquisas e mudou critérios de aprovação em concursos. Considerado radical até entre radicais, já disse que o Pix era um “processo neocolonial”. O Pix é um óbvio sucesso.

Técnicos do IBGE afirmam ser pouco provável alguém manipular estatísticas no instituto, dada a quantidade de envolvidos nas pesquisas. Mas os movimentos da gestão Pochmann geram apreensão e desconfiança. Não pode haver nada pior para a instituição que baliza a vida dos brasileiros.

Restrição a livros em Santa Catarina evoca tempos sombrios da censura

O Globo

Em vez de vetar acesso a literatura, governo deveria cuidar de estradas, saneamento e falhas reais do ensino

O governador de Santa CatarinaJorginho Mello (PL), tem uma lista de problemas a enfrentar. No ranking do saneamento das cem maiores cidades brasileiras, organizado pelo Instituto Trata Brasil, a cidade catarinense mais bem colocada é Florianópolis, em 59º lugar, atrás de São Paulo, Curitiba, Brasília, Goiânia, Campo Grande, Cuiabá, João Pessoa, Salvador, Belo Horizonte, Rio e Porto Alegre. Santa Catarina também tem problemas nas estradas. Está em primeiro lugar em pontos críticos entre os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No ano passado, 120 pessoas morreram no trecho catarinense da BR-101, sinal de que o governo estadual deveria concluir mais rapidamente obras pensadas para desafogar a estrada federal. A educação também merece atenção. Na lista dos estados com o melhor desempenho no ensino médio, Santa Catarina está longe das primeiras colocações.

Com tantas urgências, o governo decidiu que sua prioridade era entrar nas famigeradas guerras culturais. Numa atitude que evoca os tempos sombrios da censura, a Secretaria de Educação catarinense tirou nove livros de circulação das bibliotecas de escolas. Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mello tentou assumir a posição — inconstitucional, é fundamental lembrar — de fiscal zeloso das ideias que circulam nas escolas.

Na lista de banidos estão romances já clássicos como “It — A coisa”, do americano Stephen King; “Laranja mecânica”, do britânico Anthony Burgess (transformado em filme por Stanley Kubrick) ou “Coração satânico”, de William Hjortsberg (também objeto de adaptação cinematográfica dirigida por Alan Parker, com Robert De Niro e Mickey Rourke nos papéis principais). Os livros retirados ainda incluem “O diário do diabo: os segredos de Alfred Rosenberg, o maior intelectual do nazismo”, de Robert K. Wittman e David Kinney, e “Exorcismo”, de Thomas B. Allen.

Ofício assinado por autoridades da secretaria determina que as obras “sejam retiradas de circulação e armazenadas em local não acessível à comunidade escolar”. Diante da repercussão negativa, o governo disse que os títulos seriam “redistribuídos, buscando adequar as obras literárias às faixas etárias das diferentes modalidades oferecidas na rede estadual”.

Censura é prática comum em regimes autoritários. Nas democracias, a regra é a livre circulação de ideias. A tentativa de agradar a determinados grupos de eleitores restringindo o acesso e a circulação de livros não passa de populismo barato e precisa ser repudiada com veemência. Bibliotecários e professores têm plena capacidade — e o dever — de indicar obras para cada faixa etária e de ajudar alunos na compreensão dos temas mais espinhosos ou sujeitos a controvérsia. Se está preocupado em proteger os jovens catarinenses, Mello deveria cuidar melhor do saneamento, das estradas, da qualidade do ensino e de todas as outras carências do estado.

Economia tende a perder força no fim do ano

Valor Econômico

Além da esperada queda sazonal do resultado do agronegócio, há preocupante redução dos investimentos

Não será com menos feriados em dias úteis em 2024 que o Produto Interno Bruto (PIB) vai crescer um pouco mais, como insinuou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A expectativa é que a economia cresça menos em 2024 do que em 2023, e que este fim de ano mostre uma desaceleração do nível de atividade.

O primeiro sinal veio da arrecadação federal de impostos, que teve queda real de 0,34% em setembro na comparação com o mesmo período do ano anterior e foi de R$ 174,316 bilhões; e de 0,78% no acumulado do ano, para R$ 1,692 trilhão. Regras fiscais, como os “meteoros” citados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, influenciaram. Mas também uma atividade menor na indústria e, a se confirmar nos próximos dias, em serviços.

O Ministério da Fazenda fala em revisar para baixo as projeções para o crescimento do PIB tanto deste ano, que estima em 3,2%, quanto o de 2024, projetado em 2,3%. O Valor apurou que a frustração ocorreu principalmente no setor de serviços, e que, de modo geral, todos os indicadores mostraram desaceleração no terceiro trimestre. O Monitor do PIB, elaborado pelo FGV Ibre, concorda com a avaliação e projeta PIB estável no terceiro trimestre e crescimento de 2,7% no ano.

Além de uma esperada queda sazonal do resultado do agronegócio, com o fim da época das grandes colheitas de grãos, há uma “preocupante” redução dos investimentos. O resultado negativo foi puxado pelo setor de máquinas e equipamentos e pala construção.

Os resultados mais fracos vêm da indústria. A produção da indústria brasileira cresceu apenas 0,1% em setembro em comparação com agosto, que ainda teve seu resultado revisto para baixo pelo IBGE, de expansão de 0,4% para 0,2%. No acumulado até setembro, houve recuo de 0,2%; e, em 12 meses, a indústria está estagnada. Com esses resultados, o setor industrial está 1,6% abaixo do patamar pré-pandemia, em fevereiro de 2020; e nada menos do que 18,1% abaixo do nível recorde de maio de 2011.

Olhando os grandes grupos do setor, a constatação é que a indústria de transformação, que representa 85% do total, teve recuo de 0,3% em setembro, na comparação com agosto, quando teve alta de 1,1%. No acumulado em 12 meses, registra queda, de 0,8%. Resultado bem diverso apresentou a indústria extrativa, que representa 15% da produção do setor e saltou 5,6% em setembro, acumulando 6% no ano e 4,6% em 12 meses. Na avaliação do IBGE, a indústria extrativa foi beneficiada pelo dinamismo do minério de ferro e do petróleo, enquanto a indústria de transformação sofre mais o efeito dos juros.

Já o varejo surpreendeu com um desempenho acima do esperado em setembro. As vendas no varejo restrito aumentaram 0,6% em comparação com agosto, de acordo com o IBGE, e 3,3% em relação ao mesmo mês de 2022. Os dois resultados vieram acima do esperado. No acumulado do ano a alta é de 1,8%. No varejo ampliado, que inclui veículos e motos, partes e peças, material de construção e atacarejo, o volume de vendas subiu 0,2% em setembro sobre agosto, mês que teve o resultado revisto de queda de 1,3% para alta de 0,6%. Na comparação com setembro de 2022, o volume de vendas do varejo ampliado subiu 2,9%.

Para os analistas, a recuperação do mercado de trabalho e a inflação mais baixa, especialmente no setor de alimentos, favorecem o varejo. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), a taxa de desocupação caiu para 7,7% no terceiro trimestre, ante 8% no segundo trimestre, o nível mais baixo desde 2014, quando foi de 6,9%, a menor da série histórica da pesquisa. O número de trabalhadores ocupados atingiu 99,838 milhões, recorde para toda a série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. O aumento da ocupação veio ainda acompanhado da ampliação da renda média dos trabalhadores. A massa de rendimentos real habitualmente recebida por pessoas ocupadas (em todos os trabalhos) atingiu recorde de R$ 292,952 bilhões.

Também favoreceu o varejo o comportamento mais benigno da inflação, que ficou em 0,24% em outubro, acumulando 4,82% no ano, perto do teto da meta de inflação. Um destaque foram os alimentos, que voltaram a subir em outubro, vindo de quatro meses seguidos de queda, de junho a agosto, propiciada pela safra recorde, favorecendo as vendas do terceiro trimestre.

A expectativa é que o nível de atividade seja beneficiado neste mês e no próximo pela injeção de recursos do 13º salário, estimada em R$ 291 bilhões pelo Dieese, dos quais R$ 201,6 bilhões recebidos pelos trabalhadores formais.

O bom desempenho do varejo não altera o cenário pouco promissor para a economia no curto prazo. Em parte, porque a expectativa é que a indústria siga fraca e o agronegócio perca o ímpeto por fatores sazonais. Há ainda o cenário macroeconômico desfavorável, com os efeitos defasados da política de juros altos. A redução da Selic passou a ter seu ritmo posto em dúvida em consequência da elevação das taxas nos EUA, sem falar na preocupação geopolítica causada pelo conflito entre Israel e o Hamas.

Atração eleitoral

Folha de S. Paulo

Máquinas do PT e do PSD paulista conquistam prefeitos em busca de chance em 2024

A política passa longe de se explicar por regras previsíveis como as leis da física, mas, tão certo quanto são os efeitos da gravitação universal, sabe-se que as máquinas públicas no Brasil exercem uma força de atração diretamente proporcional ao tamanho de seus cofres e inversamente proporcional ao tempo que falta para uma eleição.

Tome-se como ilustração o caso dos prefeitos, que, ao contrário de deputados e vereadores, não precisam esperar a janela que antecede cada pleito para mudar de sigla. Para eles, a corrida municipal de 2024 já é realidade presente, não um cenário distante no futuro.

Não são poucos os que, na tentativa de melhorar suas possibilidades no pleito vindouro, decidem abandonar o partido em que estavam para se acomodar em outro —não outro qualquer, mas um que disponha de mais recursos dos fundos partidário e eleitoral, ou que comande um governo capaz de impressionar o eleitor.

O PT, por exemplo, que agora está à frente da Presidência da República, atraiu 51 novos alcaides para seus quadros, um salto de quase 30% em relação aos 183 que a sigla obteve nas urnas em 2020.

Um avanço digno de nota, mas nada que se compare ao do PSD. Dirigido por Gilberto Kassab, atual secretário de Governo da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, o partido multiplicou por sete o número de prefeitos no estado desde dezembro de 2022, passando de 46 para 329.

Participantes envolvidos nesse tipo de processo costumam descrevê-lo como natural e vinculado apenas às movimentações recentes da política brasileira, embora seja difícil aceitar o argumento pelo valor de face quando existem até prefeitos migrando da agremiação de Jair Bolsonaro (PL) para a de Lula.

Seja como for, que não se extraiam daí lições sobre a disputa nacional de 2026. Lembre-se que, dois anos anos antes de ser vitorioso pela terceira vez com uma candidatura presidencial, Lula viu seu partido amargar o pior desempenho desde 1996 em pleitos municipais.

Não se trata de negar alguma influência do âmbito local no federal. Mas a desconexão entre essas eleições é tão grande que siglas como DEM e MDB chegaram a ostentar mais de mil prefeituras cada uma, mas jamais encabeçaram uma chapa que conquistou no voto o direito de subir a rampa do Planalto.

Eleições municipais, afinal, não são uma espécie de terceiro turno da disputa presidencial. Contam-se aos punhados os problemas das cidades. É para eles —mobilidade, educação, saúde, moradia— que todos devem buscar soluções.

Ranking universitário

Folha de S. Paulo

RUF confirma liderança das públicas e nichos em particulares; EAD merece atenção

A edição 2023 do Ranking Universitário Folha (RUF) confirma a superioridade das universidades públicas em relação às privadas no país. As dez instituições no topo da lista são federais ou estaduais, com USP, Unicamp e UFRGS no pódio, e a particular mais bem colocada (PUC-RS) aparece só na 19ª posição.

No entanto faculdades pagas aparecem bem colocadas quando se consideram quesitos de avaliação isolados. Para compor a nota geral, são analisados cinco critérios: pesquisa, ensino, internacionalização, inovação e mercado.

Das 20 instituições mais bem posicionadas nos dois primeiros quesitos, só há uma privada em pesquisa e nenhuma em ensino. Já em internacionalização, aparecem 5 particulares, em inovação há 4, e em mercado, 7.

A produção cientifica brasileira, portanto, está concentrada em instituições públicas e em centros das regiões Sul e Sudeste. O que, em si, não representa necessariamente um problema. Países como China, Canadá e Austrália direcionam mais da metade do financiamento em pesquisa para um grupo seleto de universidades, que gira em torno de 10 a 15.

Já a lei brasileira exige homogeneidade entre as mais de 200 universidades —pesquisa e extensão na mesma proporção e número mínimo de cursos de graduação e pós-graduação, por exemplo.

Ainda em relação às particulares, o poder público deve dar atenção à explosão do ensino à distância, principal fenômeno recente da educação superior nacional.

Dos 9,4 milhões de matriculados na graduação no ano passado, mais de 2,5 milhões (27%) estudavam em somente cinco universidades privadas, sendo cerca de 2,3 milhões em EAD.

Quantidade que não raro é acompanhada de deficiências de qualidade, como indicam o RUF e o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) —que, mesmo com problemas metodológicos, sinaliza precariedades.

No curso de administração, por exemplo, 31% daqueles em faculdades privadas tiraram notas 1 e 2 (menos de 3, numa escala até 5, é considerado inadequado); já nas públicas, o índice foi de 11%. Considerando instituições públicas e privadas, 27,4% dos cursos presenciais alcançaram 4 e 5 (notas máximas); no ensino à distância, 17,9%.

Não se trata de estigmatizar a tecnologia e as instituições particulares. Mas é preciso fiscalizar o uso das ferramentas, implementar avaliações mais precisas e também estimular a diversidade no ensino superior, que não se presta somente à produção acadêmica.

A rebeldia da Justiça do Trabalho

O Estado de S. Paulo

Inconformados com a reforma trabalhista, magistrados contrariam a lei estabelecida pelo Congresso e a jurisprudência do STF, sobrepondo sua concepção de ‘justiça social’ ao Direito

Conforme levantamento do Estadão, mais da metade das reclamações no Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano trata de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou um balcão de recursos para impor limites ou corrigir decisões da Justiça do Trabalho.

O fenômeno não é novo. A litigiosidade em geral no Brasil já é comparativamente aberrante: são mais de 100 milhões de ações, ou seja, uma para cada dois cidadãos. Os cerca de 2,5 milhões de processos tramitando na Justiça do Trabalho fazem do Brasil campeão mundial de passivos trabalhistas.

Historicamente, na legislação trabalhista e, sobretudo, na Justiça vicejou uma concepção ideológica segundo a qual toda relação entre empregador e empregado envolve algum tipo de injustiça constitutiva. Entre os juízes trabalhistas prevaleceu a ideia de que sua missão seria corrigir essas injustiças. O ônus quase nulo para litigâncias infundadas, combinado à generosidade dos juízes, generalizou a percepção de que sempre vale a pena para o trabalhador entrar com alguma reclamação. O custo da indústria de litigâncias não está apenas no congestionamento da Justiça, mas no desestímulo às empresas, sobretudo pequenas e médias, a empregar mais pessoas. No afã de fazer “justiça social” a cada trabalhador, os juízes ativistas prejudicam coletivamente os trabalhadores, impondo barreiras à criação de empregos, estimulando a perpetuação do mercado informal e, com isso, afastando investimentos e freando o crescimento.

A fim de reduzir o “custo Brasil”, a reforma trabalhista de 2017 eliminou entraves de uma legislação esclerosada. Os legisladores definiram, por exemplo, que acordos coletivos concretos prevalecem sobre leis genéricas, normatizou o trabalho intermitente e remoto e impôs custos às litigâncias infundadas.

Mesmo após o STF ter decidido pela constitucionalidade de medidas como essas, os justiceiros sociais togados continuam a decidir contrariamente à lei. “O órgão máximo da Justiça especializada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem colocado alguns entraves em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo”, constatou o ministro do STF Gilmar Mendes.

“A ideia desse grupo (de juízes) é, através da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é legislador”, avaliou o professor de direito trabalhista da Fundação Getulio Vargas Paulo Renato Fernandes da Silva. “Então, eles começam a declarar tudo inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai parar onde? Para o Supremo.”

Em 2018, um ano após a reforma, as reclamações contra decisões do TST somavam 41% das ações no STF. Hoje são 54%.

As principais controvérsias se dão em torno das regras que liberam a terceirização, com a possibilidade de transformação de colaboradores em pessoas jurídicas. O STF já validou essa modalidade de contratos, mas, baseada em antigas súmulas, a Justiça do Trabalho insiste em defini-los como vínculos de emprego.

A insegurança jurídica, com todas as suas consequências para a credibilidade da Justiça e o ambiente de negócios, se prolifera. A reforma deveria reduzir o mercado dos litigantes profissionais, mas a Justiça do Trabalho insiste em mantê-lo lucrativo, contribuindo para perpetuar um dos maiores, mais caros e mais lentos Judiciários do mundo. E também um dos mais irracionais.

Os juízes trabalhistas têm todo o direito a cultivar sua concepção de justiça social e desejar que ela seja consolidada em lei. Para isso têm, como todo cidadão, o seu voto. Se quiserem ir além, podem abandonar a toga e partir para o ativismo ou disputar cargos no Legislativo e no Executivo. Mas valerse de chicanas para reverter à força de seus martelos as decisões dos representantes eleitos é coisa que atenta profundamente contra o Estado Democrático de Direito. Assim como todo cidadão, inclusive legisladores e governantes, tem a obrigação de cumprir decisões judiciais das quais discorda, os juízes têm a obrigação, mesmo a contragosto, de aplicar as leis decididas pelos representantes eleitos.

Professor, profissão de segunda classe no Brasil

O Estado de S. Paulo

Entidades de educação cobram melhor formação de docentes; pesquisa indica que Brasil é um dos países que menos prestigiam esses educadores, em geral recrutados entre os piores alunos

A receita para uma educação de qualidade envolve múltiplos fatores: currículo, material didático, infraestrutura, carga horária, avaliação, gestão, integração entre as escolas e as famílias. Mas – tal como na cozinha um chef grosseiro pode arruinar especiarias requintadas e um chef talentoso pode fazer maravilhas com matériasprimas rudimentares – quaisquer que sejam as potencialidades destes ingredientes, elas só são atualizadas por bons professores.

Se a educação brasileira é sofrível, um dos principais fatores, se não o principal, é a má formação docente. Por ocasião da instauração pelo Ministério da Educação (MEC) de um grupo de trabalho sobre o tema, entidades públicas e privadas envolvidas com educação assinaram uma carta aberta solicitando o avanço de medidas estruturais para a melhoria da formação.

O grupo destaca três grandes preocupações: a expansão da educação a distância (EaD), a baixa qualidade dos cursos e a alta evasão de alunos.

A EaD é uma ferramenta relevante para o acesso e inclusão, mas sua proliferação foi indiscriminada. Segundo o MEC, em 10 anos a quantidade de cursos acadêmicos de EaD cresceu 700%. Na formação dos professores, sobretudo, são necessários cuidados especiais para compensar habilidades relacionais que são mais bem assimiladas presencialmente. Mas justamente na formação docente o crescimento da EaD foi desproporcional. Hoje, 31% dos formandos de ensino superior são de EaD. Na licenciatura e pedagogia são 65%. Na rede particular, 93% dos ingressantes são em EaD, onde a média de alunos por professor é de 171.

Esse problema novo e agudo veio agravar a crônica defasagem dos cursos de formação docente. Em 17 cursos avaliados pelo Enade, a nota média, numa escala de 0 a 100, ficou abaixo de 50. A evasão é alta. Nas licenciaturas em exatas chega a 70%, bem acima da média do ensino superior.

Num círculo vicioso, o desprestígio da carreira docente é causa e consequência desse desempenho medíocre. Entre 35 países avaliados pelo relatório Global Teacher Status, o Brasil é o que menos prestigia seus professores. Segundo João Batista Araújo, presidente do Instituto Alfa e Beto, em países com altos indicadores educacionais os professores são recrutados entre os 30% melhores de sua geração. No Brasil, a esmagadora maioria está entre os 10% de alunos com pior desempenho no Enem. A média salarial dos professores está mais de 20% abaixo da média de outros profissionais com a mesma escolaridade.

Buscar a equiparação da remuneração é importante para atrair talentos. Mas para formá-los é preciso uma série de outras medidas. Cotejando a literatura especializada, o Instituto Todos pela Educação elencou cinco prioridades para o governo federal.

Primeiro, há as relacionadas à regulação, que implicam aprimorar a avaliação in loco e os procedimentos de supervisão, ponderar os fatores mais relevantes para a qualidade da formação docente e utilizar esses dados de forma mais estratégica no cenário da ampliação de cursos, em especial de EaD.

Depois, há propostas relacionadas à inovação e permanência. A formação docente é heterogênea e há diversos casos de excelência. “Há muito que o Brasil pode aprender com o Brasil e o governo federal é preponderante no papel de estimular trocas e cooperação entre instituições de ensino superior.” A evasão e a escassez de licenciaturas em algumas regiões podem ser remediadas com mais bolsas, com valores atrativos.

Finalmente, para apoiar a profissionalização da carreira docente, a qualidade dos concursos subnacionais e o regime de colaboração, o Todos pela Educação recomenda retomar o instrumento nacional de avaliação de candidatos para ingresso na docência, a ser utilizado voluntariamente pelas redes subnacionais para compor seus concursos e processos seletivos.

Formar nossas crianças e adolescentes é condição sine qua non para o progresso cívico e material da Nação. Para isso, é condição sine qua non formar seus formadores. Negligenciar essas condições é a receita certa para perpetuar as deformações sociais brasileiras.

O valor da boa diplomacia

O Estado de S. Paulo

Resgate de 32 brasileiros da Faixa de Gaza atesta a resiliência e a habilidade do Itamaraty

Há sempre alívio quando a diplomacia profissional conduz missões de extrema importância para o bem da cidadania. O embarque ao Brasil de 32 brasileiros e palestinos que estavam enclausurados pelo conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza integra a lista de êxitos do Itamaraty em arriscadas operações de repatriação – que, além do desafio logístico, envolvem persistentes negociações diplomáticas e a assistência possível aos nossos nacionais e a seus parentes em zona de guerra.

Tudo fica ainda mais difícil quando o próprio presidente da República resolve antagonizar Israel, de maneira desarrazoada, ou quando o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível e responde a inúmeros processos, resolve capitalizar politicamente uma operação na qual não teve nenhuma participação.

Há razões de sobra para prezar o desempenho do Itamaraty e da Força Aérea Brasileira (FAB), que já haviam conseguido retirar de Israel 1.410 brasileiros nas semanas que se seguiram aos ataques terroristas e ao sequestro de israelenses e estrangeiros promovidos pelo Hamas no início de outubro. Na Faixa de Gaza, destroçada nas últimas semanas pelos bombardeios de Israel, que deixaram milhares de mortos, a operação envolveu a cada minuto riscos iminentes à integridade física do grupo a ser resgatado.

Os 22 brasileiros e 10 palestinos aguardavam desde 1.º de novembro a saída do enclave nas cidades de Rafah e Khan Yunes, alvos de recentes bombardeios. Trata-se de sobreviventes de explosões e doenças que proliferam na Faixa de Gaza, além da falta de alimentos, água, energia elétrica e assistência médica. As 32 pessoas reclamadas pelo Brasil, entre as quais 17 crianças, haviam sido ignoradas nas 6 listas anteriores de estrangeiros autorizados a ingressar em território egípcio e rumar para seus destinos finais. Cada leva de repatriação foi aprovada por Israel e pelo Hamas, sob influência do Catar e dos EUA, e dependeu da inconstante abertura da fronteira pelo Egito. Com os brasileiros, não foi diferente.

Resultado de um sem-número de triangulações diplomáticas e de uma conversa decisiva do chanceler Mauro Vieira com o ministro israelense das Relações Exteriores, Eli Cohen, o resgate demonstrou a resiliência do Itamaraty. Tal habilidade negociadora, reconhecida historicamente, se mostrou tão fundamental como sua experiência nas repatriações de brasileiros do Vale do Bekaa, no Líbano, em 2006, e da Ucrânia, no ano passado.

Lamenta-se, entretanto, que um esforço tão complexo para salvar as vidas de brasileiros em zona de guerra tenha sido exposto a risco de fracasso por declarações intempestivas de Lula da Silva e de seu assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim. Quando um objetivo maior se sobrepunha, ambos dispararam críticas de cunho ideológico contra a conduta de Israel no conflito, em detrimento da prioridade de Vieira.

Agora, o Itamaraty atua para repatriar uma segunda leva de cerca de 50 brasileiros e seus parentes palestinos, e por esse motivo se espera que o presidente se contenha. Lula da Silva não deveria hesitar entre o aplauso da militância petista anti-Israel e a proteção de cidadãos expostos ao terrível sofrimento da guerra no exterior.

Cerrado, berço das águas esquecido

Correio Braziliense

Seres humanos e animais não podem ser privados do acesso à água. O desmatamento no cerrado e na Amazônia, com eliminação de nascentes, poderá comprometer gravemente a oferta do líquido da vida.

A onda de calor das últimas semanas tem assustado os brasileiros. A seca dos grandes rios da Amazônia vem se repetindo, ano após ano, com maior gravidade, deixando comunidades inteiras desamparadas, sem alimentos e água potável para o consumo humano e dessedentação animal. Uma calamidade, atribuída às mudanças climáticas, que afetam a vida de milhares de pessoas espalhadas em várias comunidades abrigadas na maior floresta tropical do planeta. As tragédias não são restritas ao Brasil. Elas vêm ocorrendo no mundo, resultado de uma relação hostil dos humanos com a natureza. Os eventos climáticos extremos têm se tornado mais agressivos, letais e desorganizadores da economia e das sociedades.

Os negacionistas da ciência insistem em contradizer cientistas e climatologistas, que há décadas — desde o século passado — têm alertado governos e populações, sobre a necessidade de revisão das relações com o meio ambiente. O aquecimento do planeta está ocorrendo e avança em rapidez contrária ao da revisão dos modelos econômicos, das indústrias, da mineração, do fornecimento de energia, entre outras atividades que impactam o patrimônio natural.

No início deste ano, após constatar o drama enfrentado pelos povos indígenas da Amazônia, em especial na Terra Yanomami, o governo federal investiu contra os garimpeiros e desmatadores ilegais que, há muito, afrontam as leis ambientais e os direitos dos povos originários. Hoje, os índices de desmatamento têm caído a cada mês, devido às intervenções da fiscalização dos órgãos de Estado, bem como por iniciativa dos povos tradicionais e originários.

Países desenvolvidos e comprometidos com políticas de mitigação do efeito estufa se engajaram para conter os avanços das atividades predatórias na Amazônia, reconhecendo a importância da preservação do bioma para o planeta. Doações de milhões de dólares garantiram ao governo federal recompor a composição dos órgãos ambientais, desmontados nos últimos quatro anos, e recuperar os instrumentos necessários ao combate dos agressores. De agosto de 2022 a julho deste ano, o desmatamento diminuiu 22,3% na comparação com igual período anterior. Pela primeira vez, a derrubada da vegetação ficou abaixo de 10 mil km², segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

As mesmas iniciativas não alcançaram o cerrado, berço das águas. Responsável pelo abastecimento de nove das 12 grandes bacias hidrográficas, inclusive uma transnacional, o bioma está sendo dizimado. O estado de Tocantins perdeu 198,6km² de vegetação nativa, o correspondente a 29% da área do cerrado em outubro. Na sequência, Maranhão, com perda de 129,3km², Bahia (74,5km²) e Piauí (68,8km²) — unidades que, juntas, formam a região Matopiba, a nova fronteira do agronegócio, onde 71% da perda de vegetação nativa ocorreram no ano passado, inclusive em áreas suscetíveis à desertificação.

Repetidas vezes, a professora Mercedes Bustamante, presidente da Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tem alertado para os danos que a falência do cerrado poderá causar ao país. Um dos alertas se refere à crise de abastecimento de água numa região que se destaca pela produção agropecuária. Mas as advertências tanto da bióloga e pesquisadora, quanto especialistas em clima não parecem suficientes para uma ação mais incisiva no cerrado, voltado à preservação da flora e da fauna. Alega-se que o desmatamento se dá em propriedades privadas e, portanto, não há como o Estado intervir.

Seres humanos e animais não podem ser privados do acesso à água. O desmatamento no cerrado e na Amazônia, com a eliminação de nascentes, poderá comprometer gravemente a oferta do líquido da vida. A solução desse impasse desafia não só o governo, mas toda a sociedade. Todos ficarão de braços cruzados ante a degradação do berço das águas? — é a questão que exige rápida resposta. 

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