sábado, 25 de maio de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarcísio erra na licitação de novas câmeras nas fardas

O Globo

Edital deixa a cargo do próprio policial ligá-las quando quiser, dando margem à sabotagem de um programa eficaz

O governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), já se mostrou capaz de reconsiderar posições equivocadas sobre o uso de câmeras corporais pela polícia. Antes de eleito, chegou a prometer acabar com elas, mas felizmente voltou atrás. Como governador, afirmou que não investiria na expansão, mas depois refletiu e decidiu modernizar e contratar mais equipamentos. Agora ele precisa mais uma vez corrigir rumos. O edital para o uso de 12 mil câmeras prevê que sejam acionadas manualmente, pelo próprio policial, se e quando quiser. É um absurdo que as gravações não sejam ininterruptas.

O registro das intervenções policiais é eficaz por vários motivos. Para o cidadão, funciona como proteção contra abusos das autoridades e a letalidade policial. Para as forças de segurança, serve de prova de agressões de criminosos ou para análises que levem à melhoria nas técnicas de abordagem. O próprio estado de São Paulo comprova as vantagens. Nos batalhões que passaram a usar os equipamentos, os civis mortos pela polícia caíram 76% entre 2019 e 2022 (ante 33% nos demais).

A principal lição da experiência internacional com câmeras corporais é que não basta colocá-las no uniforme. Organismos independentes devem armazenar as imagens, o acesso pela Justiça deve ser ágil, e a decisão de quando começar a gravar não pode ficar na mão dos policiais, pois abre espaço a sabotagem pelos mais violentos, contrários ao uso da ferramenta.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo defende o fim do sistema ininterrupto de gravação para reduzir custos. Armazenar as imagens, diz a pasta, custa caro. Há ainda uma questão técnica. Como as câmeras ficam ligadas por muito tempo, é comum acabar a bateria. A solução, para a Secretaria, é o acionamento manual. Caso policiais esqueçam, uma central poderia ligar os dispositivos remotamente.

Gastar menos é preocupação sempre louvável, ainda mais vinda de órgão público, mas o plano do governo paulista é falho. O acionamento manual provavelmente provocará desperdício. De nada servirá ter um acervo de imagens menor, de manutenção mais barata, sem os registros dos excessos da polícia. O argumento da bateria também é questionável. A solução é ter mais baterias ou mais câmeras. Achar que a opinião pública acreditará num sistema em que o policial liga a câmera quando quer é abusar do bom senso.

Noutros pontos, o edital mostra preocupações mais sensatas. As câmeras deverão oferecer novos recursos, como reconhecimento de rostos e placas de veículos. O contrato de comodato de cerca de 3 mil dos 10 mil aparelhos atualmente em uso vencerá em alguns dias, e de outro lote em pouco mais de um mês. A Secretaria comunicou que os renovará até a licitação, garantindo assim a preservação do serviço.

Como estado mais populoso, mais rico e dos menos violentos, São Paulo é visto como exemplo pelas demais unidades da Federação. Por óbvio, o uso da força é prerrogativa dos agentes da lei, e o confronto faz parte do dia a dia. O preocupante no Brasil é a magnitude dos excessos, muitos fatais. Em 2022, foram registradas 6.429 mortes por intervenção policial, o que faz da polícia brasileira uma das mais letais do mundo. As câmeras provaram ser eficazes contra isso. Tarcísio tem nova oportunidade de se corrigir para que seu estado continue a liderar o debate sereno sobre segurança pública no Brasil.

STF reafirma liberdade de imprensa ao coibir assédio judicial a jornalistas

O Globo

Corte considera inconstitucional estratégia de intimidá-los abrindo processos em várias comarcas

Ao considerar inconstitucional o assédio judicial contra jornalistas e veículos de comunicação, o Supremo Tribunal Federal (STF) contribuiu para preservar a liberdade de imprensa, pilar fundamental de qualquer democracia. Esse assédio acontece quando contrariados por reportagens impetram ações judiciais em série em diferentes locais contra jornalistas ou empresas, com o objetivo de constrangê-los, onerá-los ou impedi-los de exercer a profissão. A decisão foi tomada durante julgamento de ações da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Os ministros decidiram que, quando ficar caracterizado o assédio judicial, o alvo das ações poderá solicitar à Justiça a reunião de todas na cidade onde mora. A pulverização por diferentes comarcas, geralmente orquestrada, é estratégia infelizmente comum para intimidar jornalistas. Eles são obrigados a se deslocar para acompanhar audiências, muitas vezes em cidades distantes. Se não comparecem, as ações podem ser julgadas à revelia.

Os que tentam cercear a imprensa por meio dessa prática se aproveitam de um instrumento democrático legítimo, os Juizados Especiais Cíveis (JECs), que surgiram para facilitar o acesso do cidadão à Justiça. O problema não está nos JECs, mas no abuso deles para perseguir o jornalismo.

O ministro Edson Fachin afirmou que a decisão trata “de evitar os efeitos nefastos da restauração indireta de um procedimento de censura e autocensura”. A ministra Cármen Lúcia ressaltou o papel da liberdade de informação na democracia: “Assédio judicial contra jornalista tem sim um diferencial, porque a imprensa tem um diferencial no seu desempenho. A democracia é caudatária de uma imprensa livre e independente”.

No mesmo julgamento, o STF decidiu que jornalistas e veículos de imprensa só têm responsabilidade civil “quando houver caso inequívoco de dolo ou culpa grave”, caracterizado por situações em que ocorrer “evidente negligência profissional na apuração dos fatos”. Autor da ação impetrada pela ABI contra o uso abusivo de ações por reparação de danos morais e materiais, o advogado Cláudio Pereira de Souza Neto elogiou o entendimento: “A decisão se inspira na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, estabelecida para evitar que a responsabilização civil de jornalistas produzisse um efeito resfriador do debate público”.

As decisões do STF são importantes para assegurar a liberdade de imprensa. Profissionais e veículos de comunicação acossados por uma infinidade de ações — cujo único objetivo é retaliar reportagens investigativas e seus autores — poderiam se sentir intimidados na hora de apurar e noticiar fatos de interesse público que desagradem a certos grupos. Ao estabelecer que jornalistas só têm responsabilidade civil em “caso inequívoco de dolo ou culpa grave”, a Corte também desestimula ações de reparação destinadas a restringir o trabalho do jornalismo profissional. Uma imprensa sem mordaças é condição inegociável de toda democracia.

Plano de SP prevê o que todos deveriam fazer

Folha de S. Paulo

Diretrizes preliminares do governo Tarcísio para rever gastos ineficientes contrastam com inércia perdulária de Lula

O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) lançou diretrizes de um plano que pretende rever subsídios, controlar despesas, avaliar políticas e melhorar a regulação econômica no estado de São Paulo. Embora ainda incipiente, o conjunto de intenções é meritório.

A mera inspeção dos gastos, da máquina e do patrimônio podem render ganhos relevantes. O dinheiro e a eficiência se perdem por causa de rotinas impensadas, práticas administrativas envelhecidas, descaso, projetos sem sentido e benefícios tributários que não cumprem mais seu objetivo ou que não passam de favores.

Intencionalmente ou não, a iniciativa do estado mais desenvolvido da Federação produz óbvio contraste com a timidez das iniciativas de revisão e avaliação orçamentária do governo federal —e, mais ainda, com a resoluta oposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à contenção de gastos.

De acordo com o plano paulista, órgãos da administração estadual terão entre 60 e 90 dias para apresentar propostas concretas. Entre elas, auditorias de folhas de pagamento, avaliação e reforma de programas, revisão e cancelamento de subsídios, exame de gastos de custeio, venda de patrimônio e extinção de repartições públicas.

Também estão na mira a reorganização das agências reguladoras, a eficácia das parcerias público-privadas e a criação de um sistema de avaliação da qualidade do gasto.

Projetos de implementação não devem estar prontos antes do terço final do ano, na melhor das hipóteses. Se houver capacidade executiva, fariam efeito a partir do terceiro ano da gestão Tarcísio.

De mais ambicioso, o governo paulista pretende reduzir a despesa com benefícios tributários em algo entre R$ 15 bilhões e até R$ 20 bilhões anuais, o equivalente a 6% ou 8% da receita em 2023.

Neste ano, a conta desses subsídios deve ser de R$ 63,9 bilhões. Cortar cerca de um quarto desse montante é meta ousada, que ao menos em tese pode dar enorme impulso ao investimento público. No ano passado, o governo estadual destinou a obras e equipamentos cerca de R$ 20 bilhões.

Outra estimativa é a da possível redução de despesa com o pagamento de juros da dívida estadual com a União. A redução da taxa de juros de 4% ao ano para 2% redundaria na economia anual de R$ 4 bilhões. Nesse caso, entretanto, veste-se um santo para desvestir outro. A poupança paulista se transforma em mais dívida federal.

Um grande mérito do plano é recusar o imobilismo e demonstrar insatisfação com estruturas e práticas administrativas que por vezes datam de décadas. São tarefas que deveriam fazer parte da rotina de todos os níveis de governo.

Sombras bolsonaristas

Folha de S. Paulo

Gestão paulista insiste em medidas de educação e segurança que negam evidências

Eleito com apoio de Jair Bolsonaro (PL) e sua base em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) acerta quando busca mais moderação política e pragmatismo na administração. Nas áreas cruciais de educação e segurança, porém, permite que pressões ideológicas superem evidências.

Foi o que se viu na terça (21), quando um equivocado projeto do Bandeirantes para a criação de escolas cívico-militares foi aprovado pela Assembleia Legislativa.

Pelo texto, policiais militares da reserva cuidarão da segurança escolar e de "atividades extracurriculares de natureza cívico-militar". Para isso, poderão receber um adicional no soldo que excede o piso salarial de professores.

Nenhum estudo foi apresentado para atestar os eventuais benefícios de tal política para a educação. A razão para essa lacuna é que não há vantagens comprovadas.

O bom desempenho das instituições de ensino que têm o componente militar se deve a fatores alheios à disciplina da caserna, como mais recursos e processos criteriosos para a seleção do alunado.

Outras medidas poderiam aumentar a segurança nas escolas, uma questão de fato preocupante. Ensino integral com atividades extracurriculares, envolvimento da comunidade e da família no processo educacional, introduzir a cultura de paz como componente pedagógico e engajamento com policiamento comunitário fora da escola são algumas delas.

Já na área de segurança pública, o negacionismo revela-se na tibieza com que o governador trata as câmeras corporais da PM, uma política de eficácia já demonstrada pela queda da letalidade policial nos batalhões em que foi implantada.

Em janeiro, ele disse que não investiria mais no programa. Nesta semana, foi publicado um edital que altera o sistema e permite que o aparelho seja acionado diretamente pelo policial ou de forma remota, o que pode impactar a produção de provas em casos de abusos das forças de segurança.

Esses são retrocessos que comprometem a eficácia de serviços públicos fundamentais. Tarcísio paga um pedágio elevado a aliados e apoiadores bolsonaristas.

A política ignora a mudança climática

O Estado de S. Paulo

Com a tragédia gaúcha e a previsão de mais desastres, ou o País segue a politização inconsequente ou opta por reconhecer que a política tratou a agenda climática e ambiental com descaso

Há politização demais e política de menos na forma como o Brasil está lidando com as mudanças climáticas e seus efeitos nos desastres naturais cada vez mais intensos e frequentes – como é o caso da tragédia no Rio Grande do Sul, a mais grave do gênero enfrentada pelo País nos últimos anos e possivelmente o prenúncio de muitas outras que virão no futuro próximo. Da esquerda à direita, do governo federal aos governadores e prefeitos, do Congresso Nacional aos legisladores estaduais e municipais, o fato é que a agenda climática e ambiental sempre foi, e segue sendo, um tema lateral na política brasileira. A constatação se torna ainda mais relevante quando se assiste tanto à descoordenação entre as diferentes lideranças que deveriam agir de maneira concertada quanto ao tiroteio, explícito ou velado, em que cada grupo, partido ou – vá lá – ideologia busca transferir culpas pela tragédia.

Enquanto isso, a boiada tenta passar. No Congresso, apesar da recente aprovação do projeto de lei que cria diretrizes para a formulação de planos de adaptação às mudanças climáticas, tramitam 25 projetos que agridem normas ambientais. Um deles regulamenta um termo autodeclaratório de que o empreendimento está de acordo com as regras exigidas, além de estipular prazos máximos para o andamento do processo de licenciamento ambiental. Se é fato que a desburocratização dos procedimentos é uma necessidade para destravar projetos econômicos, também é verdade que o projeto de lei pode criar uma espécie de “autolicenciamento” e inibir a análise de casos mais complexos. Há mais: um projeto propõe reduzir a reserva legal na Amazônia, enquanto outro elimina a proteção de campos nativos; mais um admite a exploração mineral em unidades de conservação, enquanto outro anistia desmatadores; um esvazia o poder de fiscalização do Ibama, enquanto outro flexibiliza normas de regularização fundiária.

O problema vai além da Câmara e do Senado. Vozes lulopetistas e bolsonaristas se apressaram a colocar o dedo em riste contra o governador Eduardo Leite (PSDB), acusando-o de favorecer a alteração de 450 pontos do Código Florestal gaúcho. Não faltou oportunismo na crítica, afinal decerto tais mudanças não provocaram as enchentes. Mas convém não ignorar o fato de que as alterações não apenas são questionáveis quando se pensa nos efeitos ambientais de longo prazo, como nem sequer seriam notadas não fosse a tragédia trazida pelas chuvas. Por outro lado, enquanto as gralhas bolsonaristas gritam, resta lembrar a sucessão de retrocessos promovidos pelo governo Bolsonaro – aquele que enxergava na floresta em pé um inimigo e o aquecimento do planeta um delírio esquerdista.

O desenvolvimentismo lulopetista não fica atrás. Apesar do verniz ambientalista do terceiro mandato, o presidente Lula da Silva, o PT e a esquerda jamais deram grande atenção à pauta do clima e do meio ambiente. Essa pauta foi historicamente deixada em segundo plano, ora como uma agenda restrita a “ongueiros” amazônicos e ambientalistas radicais, ora como se fosse uma preocupação típica de liberais. Nos governos petistas, houve fartos exemplos de projetos grandiosos que não levaram em conta os impactos climáticos já previstos àquele tempo – esta semana, por exemplo, uma pesquisadora lembrou o desmonte, por Dilma Rousseff, de um programa de adaptação climática, em nome do cartão postal que grandes empreendimentos desenvolvimentistas simbolizavam para sua errática gestão.

O Brasil bateu recorde de desastres naturais em 2023, resultado da conjugação de fatores climáticos, da intervenção humana e da tibieza das lideranças políticas em todos os níveis ante o problema. Diante das evidências e da tragédia gaúcha, há dois caminhos a escolher: ou segue a politização inconsequente ou opta por reconhecer que até aqui relegamos a agenda climática e ambiental ora ao descaso, ora ao negacionismo – e sempre ao segundo plano. Tratá-la com o devido peso ajudará, primeiro, a separar o que é o catastrofismo que imobiliza do que é informação capaz de mobilizar o País à ação; e, segundo, a incluir o clima na equação dos projetos de desenvolvimento econômico. Sem isso, seguiremos sacrificando o futuro em nome do presente.

PM como bedel de crianças e adolescentes

O Estado de S. Paulo

Governo paulista acha que a militarização das escolas, recém-aprovada, cultivará valores como honestidade e civismo, como se escolas civis fossem, por contraste, antros de degeneração

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou no dia 21 passado o Projeto de Lei Complementar 9/2024, proposto pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que institui as escolas cívico-militares na rede estadual de educação. O projeto autoriza que os municípios paulistas que assim desejarem poderão adotar o “modelo”, chamemos assim, em suas próprias redes.

Foram 54 votos favoráveis e apenas 21 contrários, um placar que demonstra, inequivocamente, que Tarcísio conta com uma confortável base de apoio ao governo na Alesp. Ao mesmo tempo, porém, a votação revela quão associados estão os Poderes Executivo e Legislativo de São Paulo no patrocínio de uma política educacional irremediavelmente errada, pois as escolas cívico-militares padecem de um vício de origem.

Essa ideia de política pública na área de educação, que ganhou força durante o governo de Jair Bolsonaro, ignora um princípio basilar da democracia moderna – sem falar as melhores práticas em gestão escolar, tanto do ponto de vista administrativo como pedagógico. No Estado Democrático de Direito, a educação pública deve ser, necessariamente, civil e laica. Com razão, o deputado Eduardo Suplicy (PT), contrário ao projeto, alertou que “a introdução de elementos militares nas escolas pode criar uma atmosfera mais autoritária e hierárquica, onde o foco na disciplina e na obediência pode se sobrepor aos princípios da liberdade de expressão e (ao estímulo do) pensamento crítico” dos estudantes.

Além desse ponto sublinhado por Suplicy, o trabalho em escolas públicas não pode ser confundido com cabide de emprego nem muito menos com um “bico” para que policiais militares (PMs) da reserva possam complementar a renda dando pito em jovens arteiros. De acordo com o projeto, além da manutenção da ordem e da disciplina no ambiente escolar, atuando como “monitores”, os policiais militares da reserva poderão desenvolver “atividades extracurriculares” – quais, ainda não se sabe. A educação formal, vale dizer, o ensino das disciplinas tradicionais, seguirá a cargo de professores civis.

Aparentemente, há aqui uma confusão nessa estrutura organizacional proposta pelo governo para as escolas cívico-militares. Afinal, na exposição de motivos encaminhada à Alesp, o secretário estadual da Educação, Renato Feder, afirmou que “é inquestionável o fato de que os resultados (pedagógicos, infere-se do texto) alcançados pelas escolas militares ao longo dos anos são exemplares”. O que isso tem a ver com o projeto aprovado, se a condução pedagógica das escolas cívico-militares, como destacou o governador em pessoa, seguirá sob responsabilidade de civis? Ou se está diante de um erro de comunicação que precisa ser prontamente corrigido, no melhor cenário, ou se trata de desinformação pura e simples, no pior. Ora, é iludir pais, mães e responsáveis que se sintam estimulados a matricular suas crianças numa escola cívico-militar fazê-los acreditar que essas unidades serão similares às que são administradas pelas Forças Armadas para educar filhos de militares.

Ademais, nesse programa subjaz uma concepção muitíssimo equivocada, para dizer o mínimo, de ordem, segurança e disciplina nas escolas. Os rigores inerentes ao ambiente castrense, por óbvio, não podem ser transpostos, minimamente que seja, para o ambiente escolar como forma de conter ou reprimir comportamentos indesejáveis de crianças e adolescentes.

Para piorar, os defensores das escolas cívico-militares argumentam que essas escolas permitem que os alunos tomem contato desde cedo com valores como “civismo” e “honestidade”, além de estarem expostos a uma “cultura de paz”, como se escolas civis, por contraste, fossem antros de degeneração, desonestidade e indisciplina. Chega a ser uma ofensa aos professores e diretores das escolas, públicas e privadas, que não têm policiais aposentados como bedéis.

Mais uma vítima da infâmia

O Estado de S. Paulo

Os terroristas que Lula da Silva não reconhece como terroristas assassinaram mais um brasileiro

Num sábado de outubro, Michel Nisenbaum, brasileiro que vivia em Israel desde os 12 anos, pai de duas filhas, dirigia seu carro para pegar um de seus seis netos quando foi assaltado por selvagens com balaclavas e metralhadoras. Desde então, desapareceu. Nisenbaum foi uma das 252 pessoas sequestradas pelo Hamas. Anteontem o Brasil soube, horrorizado, que Nisenbaum foi também, como outros três brasileiros, uma das mais de 1.200 pessoas massacradas pelos terroristas.

Nada disso parece ter comovido o presidente Lula da Silva, que se limitou a lamentar “a morte” – não o assassinato – de Nisenbaum, e não reservou uma só palavra de reprovação ao Hamas. A nota anódina coroa a indiferença de Lula e de seu governo para com a tragédia de Nisenbaum e sua família. O embaixador do Brasil em Israel só se encontrou com os familiares quase dois meses após o sequestro. O presidente fez uma videoconferência, depois tirou fotos num encontro presencial. Isso há cinco meses. Desde então a família tentou contato várias vezes com o governo, sem resposta. Num depoimento para um documentário, a sobrinha de Nisenbaum repetiu sete vezes: “Nada”.

Não que falte eloquência a Lula nem interesse no conflito, sobre o qual o petista fala sempre e fala muito. Quando fala de Israel, é sempre verboso e hiperbólico. Ele já acusou mais de uma vez Israel de matar “milhões”, de combater “mulheres e crianças” e não só de praticar “terrorismo” e “genocídio”, mas um novo “Holocausto”. Nunca se retratou. Já para o Hamas o tratamento é obsequioso. No 7 de Outubro, Lula lamentou os “ataques terroristas”, mas não nomeou seus autores. O PT tampouco. Só externou “preocupação” com uma abstrata “escalada de violência envolvendo palestinos e israelenses”. Logo depois, passou a torpedear Israel com acusações de “genocídio”.

Nunca se ouviu o PT nem seu chefe chamando os terroristas de terroristas. Antes da guerra, locuções como “movimento” ou “combatentes” abundavam. Depois, só mencionam as ações do Hamas como consequência das ações de Israel, em falsas e cínicas equivalências. Em 2021, um time de parlamentares petistas divulgou uma carta indignada com a classificação do Hamas como “organização terrorista”: “Resistência não é terrorismo!”, bradaram.

Ninguém precisa ser simpático a Israel. É legítimo repudiar o modo como o governo israelense conduz a questão palestina no atual conflito. Para quem tem especial amor à causa palestina, é até compreensível odiar Israel. Mas o teste de sinceridade desse amor é se essas pessoas odeiam ainda mais o Hamas.

Que o Hamas é um inimigo da humanidade e o maior inimigo dos palestinos é incontroverso para qualquer um com um mínimo de clareza moral. Mas, ante as repetidas manifestações de torpeza moral do presidente e seu partido, não custa lembrar o porquê. O Hamas é uma milícia assumidamente genocida, que oprime seu povo sob o mais brutal totalitarismo, atenta contra todas as possibilidades de negociação de um Estado palestino com a participação dos países árabes e sacrifica os palestinos como escudos humanos. Quem quer que apoie este tipo de “resistência” tem as mãos sujas de sangue, incluindo o de quatro brasileiros.

Mais prevenção e menos improvisos nas cidades

Correio Braziliense

Não basta preservar a floresta da Amazônia e outros biomas, como os pampas. É preciso repensar todo o planejamento urbano, os sistemas de macrodrenagem e de saneamento

Caiu a ficha no governo federal de que nada será como antes na vida das cidades brasileiras, a maioria construída no litoral ou nos vales dos rios. Com a urbanização acelerada que se seguiu à industrialização do país na segunda metade do século passado e a consolidação de ocupações urbanas em áreas de risco, mangues, várzeas e encostas, as cidades brasileiras não estão preparadas para as mudanças climáticas.

A prova mais eloquente é a tragédia de proporções bíblicas que ocorre no Rio Grande Sul, cuja capital continua debaixo d'água. O ministro das Cidades, Jader Filho, pôs o dedo na ferida ao afirmar que investir em prevenção e preparação dos municípios brasileiros exige a compreensão de uma nova realidade, a das mudanças climáticas: "Eu tenho dito que esse é o novo normal. A gente tem discutido isso nos fóruns globais. Seja na ONU- Habitat ou na COP28, essa discussão tem sido feita em todos os países. Todo mundo tem discutido essa nova realidade."

Entretanto, apesar das declarações do ministro, existe uma espécie de "negacionismo estrutural" em relação às mudanças climáticas. Todo mundo fala nisso, admite que é preciso conter o aquecimento global, mas joga a responsabilidade sobre os ombros dos outros. Na questão da redução das emissões de carbono, por exemplo, os mesmos países que mais defendem e financiam o combate ao desmatamento não fazem o dever de casa em relação à adoção de energia limpa e continuam explorando e/ou utilizando petróleo e gás em larga escala, inclusive, para aquecimento das casas.

Também aqui no Brasil, em meio aos desastres, esse negacionismo se apresenta quando um prefeito foge à responsabilidade, por exemplo, ao afirmar que uma tragédia ocorreu porque houve omissão nos governos anteriores. "A gente precisa deixar as cidades preparadas para terem estrutura para poder enfrentar essa nova realidade. Nós precisamos entender que a política de prevenção não pode ser a política do vai e vem. Constrói, destrói e constrói", argumenta o ministro Jader Filho.

O governo anunciou mais de R$ 56 bilhões de ajuda ao Rio Grande do Sul, mas esses recursos precisam chegar na ponta. E não basta restabelecer o que existia antes. As mudanças climáticas são um fato comprovado cientificamente e, com o aquecimento das águas do Atlântico, em 1,5º nos últimos 20 anos, todo o regime de chuvas e seca no país está sendo alterado, como de resto nos hemisférios Norte e Sul, em razão do derretimento da calota polar. Não basta preservar a Floresta da Amazônia e outros biomas, como os pampas. É preciso repensar todo o planejamento urbano, os sistemas de macrodrenagem e de saneamento.

Por exemplo, o governo já havia anunciado o recurso extraordinário de R$ 195 milhões do Ministério das Cidades para o Vale do Taquari em razão das enchentes de 2023. Pretende construir 1.086 unidades habitacionais em 13 municípios nas áreas urbanas e 600 moradias em 39 municípios para áreas rurais. Todos esses recursos estão empenhados, mas é preciso que as prefeituras apresentem projetos de acordo com as novas condições climáticas. Não basta reconstruir o que foi destruído pelas águas nos mesmos locais e/ou da mesma forma.

A realidade impõe novas concepções urbanísticas, que reduzam a impermeabilização do solo e a ocupação das várzeas dos rios e das encostas, e construções mais preparadas para resistir aos "eventos extremos". Planos de macrodrenagem e contenção de encostas, que contam com recursos de R$ 6,4 bilhões no Orçamento Geral da União em 2024, destinados a 200 municípios com antecedentes de tragédias ambientais, precisam ser elaborados com a consistência técnica adequada. Os Planos Municipais de Redução de Risco, em muitos casos, continuam no papel ou sequer foram elaborados..

 

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