Brasil precisa denunciar repressão na Venezuela
O Globo
Presença de inspetores internacionais de
direitos humanos é urgente para coibir número escandaloso de abusos
O governo brasileiro tem mantido postura tímida diante de inaceitáveis 25 mortes e 1.229 prisões na Venezuela desde a fraude ocorrida nas eleições presidenciais. Em comunicado conjunto ontem, Brasil, Colômbia e México pediram que as forças de segurança garantam o direito à manifestação e respeitem os direitos humanos. Isso é pouco. Faltam declarações contundentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a onda de violência patrocinada por Nicolás Maduro, seguidas de pressão para que o governo venezuelano abra o país a inspetores de direitos humanos estrangeiros. Em reunião ministerial, Lula preferiu destacar as “celeumas” que tem enfrentado para achar uma solução pacífica. Enquanto se busca uma mediação entre o regime e a oposição, a polícia não pode ter carta branca para massacrar o próprio povo.
Nos últimos 11 dias, as forças de segurança
intensificaram a perseguição a opositores. A novidade desta vez é a opressão
aos segmentos mais pobres da população. Pelas estimativas do Programa
Venezuelano de Educação Ação em Direitos Humanos (Provea), oito em dez detidos
são da base da pirâmide social. Líderes comunitários nas favelas têm sido um
dos alvos. Vencido pela vontade popular, Maduro apela mais uma vez à repressão.
Figuras fortes do regime estão se alternando
em manifestações que deixam claro o pouco-caso com os direitos humanos e as
próprias leis do país. Ao pedir ao Ministério Público que prendesse a principal
voz da oposição, María Corina Machado, o presidente da Assembleia Nacional,
Jorge Rodríguez, disse que não se poderia dar a ela benefícios processuais. O
líder chavista Diosdado Cabello foi mais direto no Parlamento: “Vamos ferrar
com eles”.
A lista de abusos do chavismo é longa. Em
julho de 2023, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Direitos Humanos reclamou do “atraso prolongado” de autoridades na investigação
de mortes. De 2014 a 2019, 101 foram confirmadas. Desse total, apenas oito
tinham resultado em julgamento até a data. Não é sem motivo que a Venezuela
continue sendo investigada no Tribunal Penal Internacional.
Ao GLOBO,
María Corina reconheceu o esforço do Brasil na busca por mediação e agradeceu
ao presidente Lula por ter assumido a custódia da embaixada argentina em
Caracas, onde estão seis de seus colaboradores. Na mesma
entrevista, ela denunciou a violência do governo: “Os países envolvidos na
questão venezuelana devem dizer que esta repressão é inadmissível e deve parar.
Deve parar antes de qualquer negociação”.
Pela relação próxima entre Lula e Maduro, o
Brasil tem grande poder de influência. “Três países têm se destacado pelo apoio
ao regime chavista. Por razões óbvias, China e Rússia não farão nada para
defender os direitos humanos. O Brasil é o único com chances de segurar a
escalada da violência”, diz Matias Spektor, professor de relações
internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV). Em entrevista ao programa
Estúdio i, da GloboNews, o assessor para Assuntos Internacionais da
Presidência, Celso Amorim, disse temer uma guerra civil na Venezuela. A guerra
aos oposicionistas já começou.
Mudança no financiamento do Minha Casa
desperta preocupação
O Globo
Ao diminuir atratividade de imóveis usados,
governo incentiva construção de novos nas periferias
O governo federal decidiu restringir o
financiamento de imóveis usados na faixa 3 do programa Minha Casa, Minha Vida
(MCMV), que contempla famílias com renda entre R$ 4,4 mil e R$ 8 mil.
Atualmente, a parcela do empréstimo varia de 70% a 75% do valor do imóvel no
Sul e no Sudeste. Deve baixar para 50%. O governo também reduziu de R$ 350 mil
para R$ 270 mil o limite para o usado. A ideia é que haja mais recursos para
unidades novas destinadas às faixas de menor renda.
O argumento é que a parcela de imóveis usados
no volume total de recursos do programa cresceu demasiadamente. De 7% em 2022
para 24% em 2024, segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da
Construção. No mês passado, representantes do governo no Conselho Curador do
FGTS já haviam se comprometido a adotar a medida.
A expectativa é que, com as restrições, o
percentual caia para 19% neste ano e 14% em 2025. O setor da construção civil
tem batido na tecla de que o investimento em imóveis novos gera empregos e
impulsiona a arrecadação do FGTS.
Embora a geração de empregos e o aquecimento
do mercado sejam pontos importantes a serem considerados, há outras questões
que precisam ser levadas em conta, mas infelizmente estão sendo desprezadas
pelo governo. O incentivo à construção de novas unidades para as faixas de
menor renda certamente terá impacto nas políticas urbanas. Construídas em
regiões com infraestrutura precária,
exigem mais investimentos públicos.
A realidade mostra que a ânsia em instalar o
canteiro de obras e as placas que dão visibilidade aos empreendimentos não é
acompanhada do mesmo ímpeto para concluir os projetos. Em março deste ano, o
governo prometeu retomar os trabalhos em cerca de 40 mil unidades na faixa 1 do
MCMV que estavam paralisadas, muitas delas iniciadas em gestões petistas. Em
parte delas, o abandono acabou levando à invasão dos imóveis, outro problema a
ser resolvido.
Em muitas cidades brasileiras, a pandemia de
Covid-19, que estimulou o trabalho remoto, agravou ainda mais um problema que
já vinha se acentuando nas últimas décadas, o esvaziamento dos centros urbanos.
“A pior coisa para o poder público é cuidar de uma área com infraestrutura
ociosa e edifícios degradados, porque o município vai ter de investir sem saber
se terá geração de receita”, disse ao GLOBO o arquiteto e urbanista Washington
Fajardo.
Regiões que dispõem de boa infraestrutura
urbana e opções fartas de transporte ficam às moscas, enquanto as metrópoles se
expandem para periferias desprovidas dos serviços mais básicos e acossadas pela
violência do crime organizado. As mudanças feitas pelo governo no MCMV dão um
empurrão para perpetuar esse contrassenso urbano.
Diminui mais o espaço para despesas livres no
orçamento
Valor Econômico
Além de reduzir os subsídios, que sugam 5,7% do PIB, seria necessário realizar uma reforma do orçamento para reduzir as vinculações de forma ampla
Gastos obrigatórios em crescimento, muitos
deles vinculados a porções das receitas, asfixiam o orçamento da República a um
ponto em que, em futuro próximo, poderá não haver recursos suficientes para
cobri-los. O novo regime fiscal, que estabeleceu crescimento real de despesas,
dará ao Executivo federal mais R$ 138,3 bilhões para gastar no ano que vem.
Deles, apenas R$ 3 bilhões estarão disponíveis para que o Executivo os aloque
segundo suas prioridades. O restante estará comprometido com despesas obrigatórias,
segundo estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara
dos Deputados (Valor,
ontem).
Uma parte do xeque-mate que se avizinha no
jogo de xadrez orçamentário decorre das regras fiscais do governo Lula, que
estabeleceu sua correção pela inflação do exercício anterior acumulada em 12
meses até junho, mais ganho real de 2,5%. A correção real mínima é de 0,6%, mas
o governo tem feito um esforço para aumentar a arrecadação para custear esses
gastos. Essas regras fiscais não conversam com a vinculação de duas rubricas
enormes de despesas, as de saúde (15%) e educação (18% na esfera federal), atreladas
à evolução das receitas correntes líquidas e receitas líquidas de impostos,
respectivamente. Esses dispêndios aumentarão automaticamente com o avanço da
arrecadação, que tem batido recordes nos últimos dois anos.
As principais despesas obrigatórias,
referentes à previdência e a programas sociais, estão aumentando acima da
inflação e dos 2,5% reais do teto permitido. O Brasil começou a envelhecer
rapidamente. As despesas previdenciárias se aproximam do R$ 1 trilhão em 12
meses encerrados em junho, com um déficit de R$ 455,8 bilhões no período,
incluindo os regimes dos servidores públicos e dos militares. Apenas cinco anos
depois da reforma, o rombo previdenciário, mais o do Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e o do abono salarial, disparou porque o governo Lula
reinstituiu a fórmula de correção do salário mínimo vigente em seus mandatos
anteriores e nos de Dilma Rousseff - a inflação do ano anterior mais a variação
do Produto Interno Bruto de dois anos antes. O principal gasto da União, então,
cresce acima da inflação.
O resultado do Tesouro de junho mostra o
dilema da gestão dos gastos discricionários, que podem (em tese) ser feitos por
deliberação do Executivo e nos quais estão incluídos os investimentos públicos.
Em 12 meses, as despesas totais aumentaram para 20,4% do PIB, enquanto as
obrigatórias foram a 18,5% do PIB e as discricionárias, a apenas 1,8% do PIB.
Os investimentos públicos, que estão sendo
empurrados há tempos para fora do orçamento pelos gastos obrigatórios, chegaram
a seu menor valor em 2022, último ano do governo Bolsonaro. O governo de Lula,
na discussão do novo regime fiscal, criou outro tipo de vinculação, reservando
um piso de 0,6% do PIB para os gastos de capital da União. O resultado, com
esse acréscimo, é que 98% do orçamento são de gastos obrigatórios, cabendo ao
governo, transformado cada vez mais em um mero administrador de repasses de verbas,
gerir 2% das despesas.
No entanto, nem esses 2% estão “livres” de
fato. As emendas parlamentares foram elevadas em 2019 de 1,2% da receita
corrente líquida para 2%. No orçamento de 2024, a dotação das emendas orçadas é
de R$ 49 bilhões, ou 25% dos gastos discricionários.
O presidente Lula vetou dois fatores de
correção importantes para abrir algum espaço orçamentário para gastos livres.
Desvincular as aposentadorias, pensões, BPC e abono salarial do salário mínimo
é uma delas. A outra seria eliminar os ganhos reais na correção do salário
mínimo. Uma terceira, seria encontrar uma outra forma, que não a vinculação à
receita líquida, para atrelar as despesas com saúde e educação.
Os técnicos da equipe econômica avaliaram que
uma nova fórmula de correção para saúde e educação - teto de 2,5% real, como
para os gastos em geral - abriria um espaço de R$ 190 bilhões em dez anos para
as despesas discricionárias. Se isso não ocorrer, já em 2028 as despesas
discricionárias, que incluem todo o custeio do aparato público da União,
ficarão restritas a R$ 11,8 bilhões, ou seja, o máquina pública será paralisada
(O Globo, 20 de maio).
O orçamento para 2025 dará um pálido exemplo
do que pode ocorrer no futuro. Dos R$ 138,3 bilhões de espaço adicional de
gastos para o exercício, R$ 60 bilhões deverão ser consumidos pelos benefícios
previdenciários, R$ 32 bilhões pelos gastos com pessoal e R$ 27 bilhões com
precatórios, Fundeb e BPC, e R$ 16 bilhões de despesas com controle de fluxo
(como Bolsa Família).
Além de reduzir os subsídios, que sugam 5,7% do PIB, seria necessário realizar uma reforma do orçamento para reduzir as vinculações de forma ampla, dando de volta ao governo e aos parlamentares a prerrogativa de estabelecer prioridades atuais, e não as herdadas de gastos que se perenizam sem que se avaliem seus resultados e sua eficácia. Uma avaliação ágil dos gastos orçamentários é parte importante desse conjunto renovador. Do contrário, o Estado brasileiro terá então de se endividar para pagar gastos correntes, uma regressão enorme, indesejável e que pode ser evitada.
Lula adulou ditador e agora colhe vexame
Folha de S. Paulo
Inerte ante fraude eleitoral, governo deve
tratar regime de Maduro como ditadura e atuar por transição para a democracia
A camaradagem do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e do PT com
o ditador venezuelano Nicolás
Maduro produziu mais um vexame para o Brasil. O Planalto,
o Itamaraty e
seu chefe de fato, Celso Amorim, prostram-se
diante da fraude eleitoral escancarada cometida pelo regime
chavista e da repressão implacável a políticos opositores.
Com quase duas semanas passadas do
escrutínio, Caracas foi incapaz de publicar os boletins de urna que
demonstrariam a declarada reeleição de Maduro. Trata-se de prova impossível em
ambiente democrático regular, mas uma ditadura como
a venezuelana costuma fabricar realidades alternativas.
Maduro controla por meio de cupinchas todo o
aparato burocrático, inclusive a cúpula do Judiciário e o comitê eleitoral. O
fato de ainda assim ter dificuldade para forjar documentos ou fabular chicanas
a seu favor evidencia a surra que seu regime levou nas urnas.
Essa evidência se soma a estudos de diversas
origens —e à
manifestação da reputada organização Carter, dos Estados Unidos—
mostrando que a oposição venceu a eleição com larga vantagem.
Lula, Amorim e o PT ficaram de mãos atadas
porque nunca deixaram de adular ditadores de estimação. O apelo da campanha de
2022 para salvar a democracia das ameaças de um autoritário convicto,
como Jair
Bolsonaro (PL), só valeu para o
Brasil. Barbaridades em países vizinhos ganham dos petistas respostas
idiossincráticas, baseadas em conveniências ideológicas.
Em 2012, Dilma
Rousseff brandiu a cláusula democrática para suspender o Paraguai do Mercosul após
o Congresso daquele país ter deposto por impeachment um presidente esquerdista.
A artimanha ideologicamente viesada se completou com a entrada, patrocinada
pela administração petista, da Venezuela chavista
no bloco.
Um dos primeiros atos da política externa do
terceiro mandato de Lula foi receber
Nicolás Maduro para uma visita pomposa. Brasília mal havia se
recuperado do ataque de vândalos que teriam se regozijado caso Bolsonaro
detivesse, no Brasil, o poder ilimitado para permanecer à força no governo que
Maduro possui na Venezuela.
A esquerda no Uruguai,
no Chile e
até na Colômbia já
entendeu que o jogo do chavismo não deveria ser estimulado pelas forças
democráticas na América do
Sul. O eleitorado nessas nações cobra coerência entre o que se prega
internamente e o que se faz na política externa. Há prejuízo para a
popularidade dos recalcitrantes.
Não tem sido diferente no Brasil, e o remédio
para Lula evitar esse desgaste é tratar pelo nome, ditadura, o regime de
Nicolás Maduro e trabalhar pela transição pacífica para a democracia no país
vizinho.
Era Putin, 25
Folha de S. Paulo
Rússia do século 21 é inseparável do
autocrata, que incita embate geopolítico
Vladimir
Putin, 71, completa nesta sexta-feira (9) um quarto de século à
frente da Rússia.
O país mais vasto do mundo tem uma história antes e outra depois da ascensão
desse ex-espião definido como medíocre por seus superiores na KGB.
Surgiu como mais um premiê do moribundo
governo de Boris Ielstin —que, de herói do fim do comunismo, passou a líder
bêbado de uma cleptocracia em crise. Logo assumiria o Kremlin, com a renúncia
do chefe e a unção das urnas.
Até seu segundo mandato, iniciado em 2004 com
a primeira de quatro reeleições, era visto como boa notícia para o Ocidente.
O sistema de corrupção da era Ieltsin fora
desmontado, ainda que em seu lugar a tecnocracia apresentada por Putin
embutisse uma nova classe dominante acusada de parasitar vastos recursos.
O presidente é pouco afeito à democracia
liberal. Estudante obcecado pela história russa, buscou na tradição autoritária
do país a justificativa para sua transformação em autocrata admirado por Donald Trump,
Viktor Orbán, Jair
Bolsonaro (PL) e quetais.
Solapou a oposição e o dissenso, enquanto
diversos adversários morreram de forma suspeita.
Com o boom das commodities dos anos 2000, conseguiu elevar o padrão de vida
russo e modernizar as Forças Armadas. Uma classe média urbana ascendeu e a
elite bilionária ganhou fama extravagante.
Em 2007, um discurso delineou tudo o que se
vê hoje nos campos da Ucrânia:
a disposição de Putin de enfrentar o Ocidente em nome de uma multipolaridade
que, na verdade, repete a lógica de blocos da Guerra Fria de forma ampliada,
com Moscou aliada a Pequim.
Superpotência nuclear, a Rússia passou uma
década em desespero após o fim da URSS e viu a Otan
expandir-se até suas fronteiras. A assertividade de Putin o torna
uma ameaça, não menos
pela carta da Terceira Guerra Mundial na manga.
Com o atual
conflito na Europa, ele arrisca seu destino e o da Rússia. O cenário
lhe é mais favorável do que já foi. O que fará com isso é incógnito, e há
dúvidas sobre a solvência de seu país. Mas o fato é que, no século 21, a
história russa é indistinguível da figura de Putin.
A lei e a vergonha na cara
O Estado de S. Paulo
O TCU decide que não há lei que impeça um
presidente da República de embolsar presentes caríssimos recebidos de governos
e empresas. Ora, para isso não é preciso lei. Basta ser decente
Por maioria, o Tribunal de Contas da União
(TCU) mudou radicalmente a posição que tinha até o ano passado a respeito do
recebimento de presentes de alto valor por presidentes da República. Em sessão
realizada na quarta-feira passada, prevaleceu no plenário do TCU o voto
divergente do ministro Jorge Oliveira, segundo o qual, “por falta de
fundamentação jurídica”, o presidente Lula da Silva não tem de devolver um
relógio de luxo, avaliado em R$ 60 mil, que o petista ganhou da joalheria
Cartier numa viagem à França durante o primeiro mandato.
O voto do ministro Jorge Oliveira,
acompanhado por quatro de seus pares – Jhonatan de Jesus, Augusto Nardes,
Aroldo Cedraz e Vital do Rêgo –, abre caminho para que o ex-presidente Jair
Bolsonaro também fique desobrigado de restituir ao patrimônio da União as joias
avaliadas em quase R$ 7 milhões que ele recebeu de presente de países do
Oriente Médio entre 2019 e 2022.
Na superfície, esse novo entendimento do TCU
pode parecer uma decisão salomônica. Na realidade, é só uma lambança – a
começar pelo fato de igualar situações fáticas e jurídico-normativas muito
distintas entre si.
Especula-se sobre os interesses pessoais ou
políticos que, eventualmente, possam ter sido atendidos pelo voto do ministro
bolsonarista Jorge Oliveira. A defesa de Bolsonaro, aliás, já afirmou a este
jornal que a decisão do TCU foi “acertada” e servirá de base para um pedido de
anulação do inquérito que corre contra o ex-presidente no Supremo Tribunal
Federal pelos crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro no
caso das tais joias das arábias.
Fato é que, à luz dos argumentos vitoriosos,
o TCU consagrou a indecência na mais alta esfera da administração pública
federal. Em seu voto, Jorge Oliveira recorreu a uma platitude ao dizer que “não
há crime sem lei anterior que o defina”, princípio basilar do Direito Penal,
para sustentar que, “até o presente momento, não existe no País uma norma clara
que trata sobre o recebimento de presentes por presidentes da República”. Ora,
não apenas há lei que dispõe sobre essa questão – Lei n.º 8.394/1991, regulamentada
pelo Decreto n.º 4.344/2002 –, como até pouco tempo atrás havia a normatização
do próprio TCU, fixada em 2016.
Ademais, como muito bem sublinhou o ministro
Walton Alencar, ao final derrotado, o impedimento para que um presidente da
República receba bens de luxo no exercício do cargo é “uma questão tão óbvia
que o legislador entendeu desnecessária a menção na lei”. A seu jeito, Alencar
rememorou o célebre e lacônico projeto de Constituição proposto pelo
historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927): “Art. 1.º – Todo
brasileiro deve ter vergonha na cara. Art. 2.º – Revogam-se as disposições em
contrário”.
É disso que se trata: de vergonha na cara, de
moralidade na administração pública e de espírito republicano. Na prática, o
TCU decidiu que, se não há lei expressa que o proíba, é dado a um presidente da
República embolsar, como se fossem seus, presentes caríssimos dados por
governantes e empresas. Parece óbvio que não há necessidade de leis quando
basta ter a decência de tratar esse tipo de mimo de forma impessoal,
destinando-o ao patrimônio do Estado. Do contrário, pode ficar parecendo que o
presidente talvez tenha interesses inconfessáveis ao ficar com esses presentes
para si mesmo. A não ser que se trate de um presidente indiferente à
moralidade, esse tipo de conduta deveria ser evitado por princípio.
Nem Lula nem Bolsonaro foram presenteados por
Estados estrangeiros por seu magnetismo pessoal, carisma ou simpatia. Por
óbvio, ambos foram agraciados a seu tempo única e exclusivamente pela condição
de chefes de Estado e de governo. Logo, todo e qualquer presente que receberam
pertence à União, salvo, é claro, aqueles bens de pequena monta tidos pela
norma como “personalíssimos”.
Numa monarquia, o Estado se confunde com a
pessoa do monarca. Numa República, a ordem constitucional impõe a moralidade e
a impessoalidade ao administrador público. O presidente da República é um
servidor temporário da sociedade brasileira. Esta condição torna toda a
discussão havida no TCU ociosa, para não dizer ridícula, se acaso ao menos a
Constituição de Capistrano fosse cumprida neste país.
PGR desperta de um sono profundo
O Estado de S. Paulo
Quase quatro anos após o Congresso criar as
‘emendas Pix’ e direcionar bilhões em recursos para Estados e municípios sem
transparência, PGR enfim percebeu que isso é inconstitucional
O procurador-geral da República (PGR), Paulo
Gonet, ajuizou nesta semana uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
contra as “emendas Pix”, nome pelo qual ficaram conhecidas as transferências
especiais de recursos federais para Estados e municípios sem finalidade
específica. Na ação, Gonet pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare a
inconstitucionalidade da modalidade e suspenda, de imediato, o pagamento desses
recursos até que a Corte julgue o mérito da questão.
Também chamadas de “emendas cheque em
branco”, as “emendas Pix” configuram uma verdadeira afronta à Constituição.
Trata-se de simples transferência de recursos da União diretamente para Estados
e municípios, sem finalidade específica, vinculação com programas federais ou
celebração de convênio que identifique o projeto ou a atividade em que a verba
será aplicada.
Por óbvio, uma vez que o dinheiro federal
chega aos cofres regionais torna-se impossível rastreá-lo. E essa confusão
sobre a natureza e o uso da verba não foi acidental, mas uma escolha do
Congresso para dificultar sua fiscalização pelos órgãos de controle.
Governadores e prefeitos, por sua vez, podem gastá-lo a seu bel-prazer, o que
inclui despesas correntes com servidores e shows e festas populares, além de
obras de prioridade questionável.
Para ter uma ideia, o orçamento reservado às
“emendas Pix” neste ano somou R$ 8,2 bilhões. Desse total, o governo Lula da
Silva autorizou o pagamento de R$ 7,7 bilhões, dos quais R$ 4,25 bilhões já
foram transferidos, segundo reportagem publicada pelo Estadão. Não há como
ignorar que esses recursos farão toda a diferença para o caixa dos municípios e
proporcionarão enorme vantagem aos prefeitos que disputarão a reeleição em
outubro.
Para Gonet, as “emendas Pix” não garantem
transparência, publicidade e rastreabilidade aos recursos e ferem princípios
constitucionais, como o pacto federativo, a separação dos Poderes e os limites
que a Constituição estabeleceu para ser reformada. “A deturpação do sistema
republicano de acompanhamento dos gastos públicos mostra-se patente”, afirmou.
Chama a atenção, no entanto, o momento em que
a ADI foi apresentada. Tudo ocorreu em meio a um debate liderado pelo ministro
Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que tenta colocar alguma ordem nas
emendas de comissão, sucessoras do chamado orçamento secreto, e devolver ao
Executivo as prerrogativas sobre a peça orçamentária, tomadas pelo Legislativo
nos últimos anos.
Gonet, aparentemente, estava em sono profundo
desde que assumiu o cargo de PGR, em 18 de dezembro do ano passado. E a PGR,
antes comandada por Augusto Aras, hibernou desde 12 de dezembro de 2019, data
em que a emenda constitucional que criou as “emendas Pix” (EC 105/2019) foi
promulgada.
A PGR não pode alegar desatenção. Em primeiro
lugar, pelo volume das emendas, que somaram R$ 20,7 bilhões desde 2020. E em
segundo lugar, porque a Consultoria Legislativa do Senado já havia apontado
todas as afrontas constitucionais associadas às “emendas Pix” em um didático
texto para discussão publicado em junho de 2020.
Na prática, o sistema segregou uma parcela do
Orçamento para ser proposta e aprovada pelo Legislativo com execução
obrigatória, sem que o Executivo pudesse dizer nada, em ofensa à autonomia da
União e ao princípio de separação dos Poderes.
Em uma relação tão destemperada quanto
reveladora após a apresentação da ação pela PGR, o presidente da Comissão Mista
do Orçamento, Julio Arcoverde (PP-PI), suspendeu a votação da Lei de Diretrizes
Orçamentárias de 2025. “Não se pode perder nenhum direito adquirido”, afirmou o
deputado, que, em uma única frase, sintetizou perfeitamente a visão
patrimonialista do Congresso sobre o Orçamento público.
Este jornal espera que o STF restabeleça as
prerrogativas de cada um dos Poderes sobre o Orçamento, e que os parlamentares
acatem a decisão. Espera, também, que a Procuradoria-Geral da República volte a
exercer suas funções de maneira diligente, sem aguardar anos para cumprir sua
obrigação de defender a Constituição.
Unidos no populismo assistencial
O Estado de S. Paulo
Proposta de 13.º do Bolsa Família mostra como demagogos à esquerda e à direita ajudam a perpetuar a pobreza
Tramita no Congresso Nacional uma proposta
que torna permanente um “abono natalino” para o Bolsa Família, uma espécie de
13.º salário. Apresentado há dois anos pelo senador Jader Barbalho (MDB-PA), o
PL 5.061 foi recebido recentemente com euforia pela senadora Damares Alves
(Republicanos-DF), relatora do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos. Em
seu relatório, a senadora escreveu: “Os programas de transferência de renda
condicionada visam a encorajar a acumulação de capital humano e quebrar o ciclo
de reprodução intergeracional da pobreza. Num contexto como o brasileiro, de
níveis elevados de pobreza e desigualdade, os programas se mostram extremamente
necessários e relevantes”.
Nem parece um texto da lavra de uma
bolsonarista de quatro costados. O ex-presidente Jair Bolsonaro, recorde-se, é
aquele que passou boa parte de sua carreira política a vituperar contra o Bolsa
Família, qualificando-o como “esmola” e “farelo”. O programa, disse Bolsonaro,
apenas servia a quem “não produz nada” e a “meninas no Nordeste que batem a mão
na barriga”, porque, grávidas, ali viam “uma geladeira”. Mas longe vai o tempo
em que o bolsonarismo criticava o caráter eleitoreiro e demagógico do Bolsa Família.
Uma vez no poder, Bolsonaro descobriu o poder multiplicador de votos de
programas desse tipo, e não só manteve o Bolsa Família, como, sob o nome
fantasia de “Auxílio Brasil”, aumentou exponencialmente o valor do benefício.
Tem-se então que um programa que deveria ser
provisório ganhou caráter permanente, o que deveria envergonhar todos e cada um
dos brasileiros, pois significa que o País foi incapaz de reduzir a pobreza de
forma sustentável. Mas não é só isso: além de perene, o Bolsa Família tem uma
clientela cada vez mais numerosa, e hoje é o esteio econômico de muitos
municípios pobres Brasil afora.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar. A
ideia de conferir um 13.º para os beneficiários do Bolsa Família trata a
transferência de renda como se fosse salário. Para muitos brasileiros,
infelizmente, já é: não é raro encontrar quem prefira não procurar emprego
porque aufere mais com o Bolsa Família do que ganharia em alguma ocupação
precária e mal remunerada. É o Estado assalariando miseráveis, sem lhes dar
condições efetivas para que saiam da miséria.
A julgar pelas iniciativas que turbinaram o
Bolsa Família mesmo sob governos ideologicamente tão díspares, essas
circunstâncias estão sendo úteis para demagogos à esquerda e à direita. O
próprio Lula da Silva, é bom recordar, fazia feroz oposição à concessão de
auxílios diversos para os pobres no governo FHC, dizendo que o povo deixava de
trabalhar porque preferia receber o benefício. Já como presidente, fez do Bolsa
Família a marca do lulopetismo, a ponto de tornar Lula praticamente imbatível
justamente nas regiões mais pobres do País.
É esse precioso capital eleitoral que, de Lula a Bolsonaro, de Damares a Jader Barbalho, ninguém é besta de ignorar.
Cuide do colesterol antes que seja tarde
Correio Braziliense
O colesterol alto é considerado um dos
fatores que mais contribuem para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares,
como o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC)
De cada 10 adultos brasileiros, quatro têm
níveis alterados de colesterol, de acordo com o Ministério da Saúde. O assunto
voltou à tona esta semana, com o Dia Nacional de Combate ao Colesterol, nesta
quinta-feira. O colesterol alto é considerado um dos fatores que mais
contribuem para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como o infarto e
o acidente vascular cerebral (AVC).
Cada vez mais, especialistas reforçam a
importância do acompanhamento de um cardiologista capaz de personalizar o
atendimento, baseado em fatores de risco associados e em questões como idade,
comorbidades (como diabetes) e outros hábitos, a exemplo de tabagismo e
sedentarismo.
Sabe-se que, no corpo humano, são três os
tipos de colesterol: LDL, HDL e VLDL, sendo o primeiro, também chamado de mau
colesterol, motivo de maior preocupação por parte dos profissionais de saúde,
já que, em altos níveis, está diretamente relacionado a uma série de doenças
graves e de alto risco de mortalidade.
Acontece que cada um deles tem funções
específicas, seja na formação de hormônios, no metabolismo de vitaminas seja na
estrutura de várias células do corpo. Ao medir esses níveis, o médico leva em
conta não somente os índices de lipídeos, mas também o risco cardiovascular do
paciente.
O problema é que só costumamos nos preocupar
com o colesterol quando o problema já existe. Na maioria das vezes, a
hipercolesterolemia (colesterol alto) é uma doença assintomática, dando algum
sinal muitos anos depois de instalada. Outro fator que contribui para essa
"displicência" é que os adultos, além de negligenciarem esse tipo de
exame, estendem o mau hábito a seus filhos — ou seja, raramente crianças e
jovens têm esse teste como rotina nos checapes.
Com isso, a combinação de alimentação não
saudável e rica em gorduras (tendência forte atualmente) e sedentarismo acaba
sendo o caminho mais comum para quadros de obesidade, o que aumenta o risco da
elevação dos níveis de colesterol LDL no sangue. Além disso, há o aumento dos
triglicerídeos — o colesterol que vem do açúcar —, relacionado ao risco de
outra doença: o diabetes, especialmente em crianças obesas.
O Atlas Mundial de Obesidade 2024 alerta que
o Brasil corre sério risco de ter até 50% das crianças e adolescentes entre 5 e
19 anos com obesidade ou sobrepeso em 2035. Nesses casos, embora o colesterol
vá aumentando aos poucos, ao longo dos anos, caso não haja uma mudança de
estilo de vida, na fase adulta, ele passa a se fixar nas paredes dos vasos
sanguíneos, principalmente nos de menor calibre. Resultado: aumenta-se o risco
cardiovascular para doenças coronarianas no coração, o que pode levar ao infarto
do miocárdio. Esse acúmulo pode atingir vasos da circulação cerebral, com o
risco de AVC.
Fato é que, se as famílias não reconhecerem a importância da tríade alimentação de qualidade, exercícios físicos e acompanhamento médico, crianças e jovens podem desenvolver, precocemente, doenças cardiovasculares crônicas. A boa notícia é que é possível controlar o avanço do problema para garantir um futuro saudável às crianças e adolescentes, evitando, inclusive, uma morte relacionada a doenças cardiovasculares crônicas de forma precoce. Para isso, é necessário que a sociedade reconheça a importância do tema e invista na qualidade de vida desse recorte da população, proporcionando uma alimentação saudável, a prática de exercícios físicos, o combate ao sedentarismo, o acompanhamento de saúde geral e o incentivo para que possam crescer com hábitos de vida saudáveis.
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