quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

G20 traz mistura de celebração e resignação

O Globo

Ainda que declaração final tenha sido tímida, é essencial haver espaço onde líderes globais possam dialogar

Quando foi criado, em 2008, o G20 — grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana — se revelou um fórum crucial para debelar a crise financeira sem precedentes que abalava o mundo. Reunindo 85% do PIB global e 75% do comércio mundial, o grupo tinha legitimidade para pôr em marcha decisões que teriam custo alto demais para cada país individualmente, mas eram necessárias coletivamente. Passada a crise aguda, porém, a diversidade de regimes políticos e interesses econômicos passou a impor dificuldades crescentes às decisões de impacto do grupo. Nem na pandemia o G20 teve papel de destaque. De lá para cá, cada reunião tem produzido um misto de celebração quando se alcança algum consenso e resignação com seu caráter necessariamente limitado e insatisfatório.

Não foi diferente no encontro realizado nesta semana no Rio de Janeiro. No entender do Itamaraty, o documento final foi um sucesso. Incorporou a ideia brasileira da aliança contra a fome e a pobreza, mencionou a necessidade de reforma na governança global, defendeu a taxação sobre grandes fortunas, reconheceu a gravidade da mudança do clima e a necessidade de elevar a participação das mulheres na economia e na vida pública. Certamente a deslumbrante paisagem carioca contribuiu para impressionar os chefes de Estado e suas delegações, e a cooperação da população local com os transtornos inerentes ao encontro resultaram num evento sem sobressaltos. Mas os efeitos práticos serão pequenos.

Enquanto se discutia a presença deste ou daquele líder na fotografia oficial, os analistas geopolíticos e a imprensa internacional estavam de olho em fatos mais relevantes. Primeiro, na maior ausência. Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, ainda não tomou posse. Portanto qualquer acordo firmado por Joe Biden nos dias finais de seu mandato está em xeque diante do que acontecerá com a maior potência global a partir de janeiro.

Segundo, na presença incômoda. O chanceler russo Sergey Lavrov garantiu que a declaração final não mencionasse a Rússia ao falar na invasão da Ucrânia. No mesmo dia, seu chefe Vladimir Putin baixou normas mais permissivas para o uso de armas nucleares, os ucranianos obtiveram autorização para usar mísseis americanos de longo alcance contra os russos — e usaram. Quem esperava do G20 um clima de apaziguamento, capaz de conduzir a negociações rumo ao fim da guerra, mais uma vez ficou frustrado.

Outra frustração foi a dificuldade brasileira para se projetar como líder na pauta ambiental. Ela ocupou papel modesto na declaração final, aquém do esperado para uma reunião realizada num país com as pretensões do Brasil. Os diplomatas preferiram apostar no consenso mais fácil em torno da fome e da pobreza, tema nada controverso, a enfrentar com determinação a agenda espinhosa da transição energética, que já mobilizara outras reuniões do G20. O trabalho brasileiro ficou para a Conferência do Clima da ONU, a COP30, prevista para Belém no ano que vem.

Nada disso deve desmerecer o encontro. É essencial a existência de um espaço onde os principais líderes globais possam manter diálogo civilizado para resolver seus problemas, livres de amarras burocráticas. Que os consensos sejam hoje mais difíceis e menos eficazes é sinal de como o mundo se tornou mais desafiador.

Fraude de beneficiário que diz morar sozinho desvirtua Bolsa Família

O Globo

Quantidade de ‘famílias unipessoais’ entre as inscritas no programa continua acima da proporção real

Em entrevista ao GLOBO, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, revelou que seu ministério já cancelou 3,7 milhões de benefícios do Bolsa Família em razão de suspeitas de desvios e excluiu 1 milhão de famílias por aumento na renda. O combate às fraudes é uma boa notícia, mas há evidências de que ainda há muito a corrigir no maior programa social do país, que quadruplicou de tamanho desde a pandemia.

O governo passado mudou as regras do Bolsa Família, rebatizado Auxílio Brasil, estipulando um benefício fixo que não considerava o tamanho da família. Isso criou um estímulo para que, ao se inscrever no programa, o candidato declarasse morar sozinho, sem parentes — dessa forma, uma mesma família poderia somar mais benefícios e ganhar mais, desvirtuando o objetivo do programa. As famílias de um só integrante — ou “famílias unipessoais” — inscritas no Bolsa Família saltaram de 2,2 milhões no fim de 2021 para 5,8 milhões um ano depois. No início do atual governo, as regras foram alteradas para coibir os abusos, mesmo assim há indícios abundantes de que as fraudes persistem.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE de 2022, a média de famílias unipessoais no Brasil é 16%. O Censo realizado no mesmo ano constatou que 18,9% dos lares brasileiros têm apenas um morador. Pois o próprio Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) afirma que, no mês passado, das 20,7 milhões de famílias que receberam o Bolsa Família, 4,057 milhões eram unipessoais, ou 19,6%.

Não é o único sinal de alerta. Dos 5.570 municípios brasileiros, em 60,3% a proporção de assistidos pelo Bolsa Família que dizem morar sem parentes é superior à constatada pelo Censo. Entre as 27 capitais, em 14 há mais famílias unipessoais recebendo o benefício do que as registradas no recenseamento. Há cidades em que 40% dos beneficiários do programa declaram morar sozinhos.

O pente-fino em andamento reduziu a proporção de famílias unipessoais de 23,4%, em setembro de 2023, para 19,4%, um ano depois. Em alguns casos, segundo Eliane Aquino, secretária nacional de Renda de Cidadania do Ministério, é necessário fazer visitas aos domicílios para conferir, daí a demora para corrigir todo o cadastro. O MDS prevê que contribuirá com uma economia de R$ 2 bilhões para o ajuste fiscal, coibindo fraudes no Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC). É preciso apressar os dois pentes-finos. Quanto mais perto das eleições, maiores serão as dificuldades. Ao coibir as fraudes, o governo libera mais recursos para atender as famílias de fato necessitadas.

Prisões abrem nova chance de esclarecer preparação de golpe

Valor Econômico

O inquérito da PF mostra que os mentores das ações não estavam brincando em serviço e não hesitariam em fazer correr sangue para alcançar seus intentos

Planos de militares e de um policial para um golpe de Estado, com a intenção do assassinato de Luiz Inácio Lula da Silva, de Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes, então presidente eleito, vice-presidente eleito e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respectivamente, dão um tom de extrema gravidade ao dossiê dos inquéritos sobre as tentativas de Jair Bolsonaro perpetuar-se no poder. A Polícia Federal (PF) indicou antes a intenção de Bolsonaro e seu entorno militar de anular as eleições, expressa em uma minuta do golpe encontrada com o então ministro da Justiça, Anderson Torres - tão conhecida que “tinha na casa de todo mundo”, segundo o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. A delação do tenente-coronel Mauro Cid mostrou a pressão sobre o comando do Exército para que aderisse ao golpe. A descoberta da operação Punhal Verde e Amarelo vai além e apontou indícios de que o general Braga Netto, ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro em 2022, sediou reuniões onde se teria tramado o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes.

Além da minuta de execução de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que daria aos militares o comando militar da capital federal e de uma intervenção no TSE, as investigações avançaram até planos para instalação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, cujo coordenador geral seria Braga Netto e chefe, o general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Aos meios pseudoinstitucionais para decretar o golpe, a PF teria desvendado a estrutura de poder de transição, formada pelos mais íntimos colaboradores militares de Bolsonaro.

O operador mais ativo do golpe, além do ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que esteve praticamente em todas as reuniões de preparação do continuísmo, é o general reformado Mário Fernandes, sub-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. O rastreamento da PF mostra que Fernandes pressionou de todas as formas os generais do Alto-Comando do Exército para que aderissem, e se exasperou porque cinco generais foram totalmente contra a aventura.

Como ex-chefe dos “kids pretos”, Forças Especiais do Exército, Fernandes esteve em reunião com subordinados na casa de Braga Netto em 12 de novembro para preparar a execução da Punhal Verde e Amarelo. Regozijou-se de que Bolsonaro havia enfim aceito “nosso assessoramento” - se convencido a não aceitar o resultado das eleições e manter-se no poder. Fernandes manteve ligação com os acampados em frente ao QG do Exército, a quem reservava o papel de estopim de uma revolta que, pelo seu ímpeto, levaria as Forças Armadas a ceder ao clamor popular e intervir a favor do presidente derrotado nas urnas.

Os detalhes da operação Punhal Verde e Amarelo foram detectados a partir de mensagens recuperadas do celular de Mauro Cid, que, como delator, ao que parece omitiu parte essencial da execução do golpe planejado. A trama é uma operação terrorista com todas as letras. Foram delineados os passos para sua execução, as necessidades logísticas e bélicas para os assassinatos, assim como alternativas caso os planos não saíssem como o previsto. Lula, pela rotina de exames médicos, poderia ser envenenado ou então atingido por “uso de químico/remédio que lhe cause um colapso orgânico”. Abatido Lula, a “neutralização” de Alckmin “extinguiria a chapa vencedora”.

A parte mais comprometedora do relato da PF diz respeito ao plano para matar Moraes, que deixou de ser conjectura para se transformar em ação, felizmente abortada no dia 15 de dezembro. O grupo Copa 2022 teria monitorado o deslocamento cotidiano do ministro e feito avaliação da capacidade de resposta bélica dos agentes de segurança do ministro. Concluiu pela necessidade de portar metralhadoras, granadas e pistolas para emboscar Moraes e tirar sua vida, ainda que isso acarretasse “danos colaterais passíveis e aceitáveis”.

A prisão de um general da reserva, três tenentes-coronéis do Exército e um membro da Polícia Federal que participava da segurança de Lula abre novas possibilidades de esclarecimento da preparação do golpe de Estado. O inquérito confirma que boa parte do núcleo militar do governo Bolsonaro e assessores estariam comprometidos com a trama, e agora descortina em princípio que parte dos golpistas não se intimidaria em ir até as últimas consequências - a eliminação física dos eleitos.

Até a semana passada, a tentativa de golpe de Bolsonaro parecia uma operação desconexa, amadora, mal-planejada, que não deveria ser levada a sério. O inquérito da PF mostra que os mentores das ações não estavam brincando em serviço e não hesitariam em fazer correr sangue para alcançar seus intentos. Foram detidos pela cúpula das Forças Armadas, que não apoiou a aventura e se manteve fiel à Constituição.

Bolsonaro tem certeza de que poderá participar das eleições de 2026. Os novos indícios sugerem que ele pode estar cada vez mais longe disso. Militares e civis envolvidos têm direito a um julgamento isento e ao mais amplo direito de defesa legal. Se culpados, terão de pagar um alto preço por tentar destruir a democracia brasileira.

Com emendas, Congresso dobra aposta em abuso do poder

Folha de S. Paulo

Até consultoria do Senado constata que projeto aprovado não moraliza minimamente a intervenção de parlamentares no Orçamento

Em votações apressadas, o Congresso não promoveu mais do que mudanças cosméticas no rito das emendas parlamentares ao Orçamento da União, de modo a dar uma aparente resposta a ilegalidades apontadas pelo Supremo Tribunal Federal e objeto de entendimento entre os três Poderes. Quem o diz não são só especialistas e entidades da sociedade civil.

Nota técnica da própria Consultoria de Orçamentos do Senado conclui que o projeto de lei complementar em tese destinado a dar transparência às emendas, aprovado em caráter definitivo na terça-feira (19), "não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas pelas decisões cautelares do STF e pelo acordo interinstitucional celebrado entre os Poderes".

Segundo o documento, de 14 providências recomendadas, somente 3 são substancialmente atendidas pelo projeto; destas, 2 já constam de normas vigentes. As duas preocupações mais importantes, na prática, foram ignoradas pelos parlamentares.

As assim chamadas emendas Pix —uma esdrúxula modalidade pela qual um deputado ou senador determina a transferência direta de recursos para um governo local, sem nem mesmo a assinatura de um convênio— terão de vir acompanhadas da finalidade do gasto, mas não há mecanismo de controle sobre a devida aplicação do dinheiro.

Já no caso das emendas coletivas (apresentadas por comissões temáticas ou bancadas estaduais), continuam abertas as brechas para que elas disfarcem interesses meramente individuais, sem que o verdadeiro autor possa ser identificado.

Não foi objeto do estudo da consultoria, ademais, o volume aberrante que atingiu a intervenção direta dos congressistas brasileiros no Orçamento.

Os pesquisadores Hélio Tollini e Marcos Mendes, colunista da Folha, constataram que ela não encontra paralelo em 11 países da OCDE analisados, entre eles presidencialistas, como EUA, México e Chile, e parlamentaristas, como Alemanha e Itália, além da França semipresidencialista.

Os números impressionam. Em valores corrigidos, a execução de emendas parlamentares não passava de R$ 3,9 bilhões em 2015. No ano passado, foram R$ 35,9 bilhões. Neste 2024, a cifra pode chegar aos R$ 48,3 bilhões.

Nesse período, o Congresso aproveitou a passagem de presidentes da República politicamente inábeis, como Dilma Rousseff (PT) e Jair Bolsonaro (PL), para se apossar de fatias crescentes do dinheiro do contribuinte.

Esse processo seria mais defensável se respeitasse princípios como impessoalidade e publicidade, ou se a destinação das emendas seguisse critérios de prioridade de política pública. Em vez disso, parlamentares alimentam suas bases eleitorais com o propósito de se perpetuarem nos respectivos postos.

Com o projeto farsesco recém-aprovado, apenas dobram sua aposta no abuso de poder.

Salto de grandeza pelo clima parece mais distante

Folha de S. Paulo

Somada à eleição de Trump, declaração do G20 sem sinalizar financiamento para mitigação esfria expectativas com a COP29

Não são animadoras as perspectivas de resultado significativo na COP29, o encontro de cúpula sobre mudança climática que se realiza em Baku, no Azerbaijão. Dois baques recentes podem descarrilar a negociação diplomática para mitigar o aquecimento global e seus impactos sobre a saúde do planeta e da população.

A reeleição de Donald Trump nos EUA ameaça alijar das tratativas o maior emissor de gases do efeito estufa no planeta depois da China. O republicano prometeu desobrigar seu país do Acordo de Paris (2015), cujas metas de redução deveriam tornar-se agora mais ambiciosas.

Já a reunião do G20 no Rio de Janeiro não trouxe a aguardada sinalização de que haverá financiamento para a transição energética e a adaptação aos eventos extremos. O recrudescimento da disputa entre Rússia e EUA travada na Ucrânia e o empenho político da Presidência brasileira por uma aliança contra a fome e a pobreza, ademais, eclipsaram a questão do clima.

O tema ambiental até comparece no comunicado final, mas a declaração do G20, que poderia deslanchar a COP29, apoia maior ambição para uma nova meta global de financiamento climático sem especificar metas ou caminhos concretos para alcançá-la.

Em 2009, países ricos assumiram o compromisso de destinar US$ 100 bilhões anuais, até 2020, para nações em desenvolvimento. Tal objetivo nunca foi alcançado, e sua ampliação está no epicentro dos impasses em Baku.

O próprio G20 reconhece a "necessidade urgente de aumentar rápida e substancialmente o financiamento climático, passando de bilhões para trilhões". Como efetuar esse salto, contudo, permanece uma incógnita.

Para efeito de comparação, estudo encabeçado pelo economista britânico Nicholas Stern prevê que o investimento global para mitigação e adaptação exigiria a fabulosa cifra de US$ 6,3 trilhões a US$ 6,7 trilhões anuais até 2030.

A negociação em Baku não tropeça só no quantitativo. Um dos entraves se anuncia no emprego pelo G20 da expressão "recursos provenientes de todas as fontes". Países desenvolvidos pressionam para que outras nações também contribuam, inclusive com o reforço de investimentos privados.

Para coroar as dificuldades, nações petroleiras como a Arábia Saudita pressionam pela exclusão na COP29 de referências até à transição energética —em última análise, ao compromisso com o fim da queima de combustíveis fósseis. Será surpresa se em Baku houver progresso, não retrocesso, nesses pontos cruciais.

O suspiro do multilateralismo

O Estado de S. Paulo

Último encontro do G-20 antes da posse de Trump, inimigo do multilateralismo, concerta medidas emergenciais contra a fome, como queria Lula, mas tom genérico expõe falta de foco

Sob a esplêndida paisagem do Rio de Janeiro, onde 55 chefes de Estado se reuniram para a cúpula do G-20, pairavam grossas nuvens: duas guerras, a nova “guerra fria” entre China e EUA, a eleição de um presidente americano hostil ao multilateralismo. Nessas condições, qualquer cúpula, fosse onde fosse, presidida por quem fosse, dificilmente seria um sucesso. Que o Brasil tenha evitado que fosse um fracasso, pode ser contado como uma conquista.

Comece-se pelo fato nada óbvio de que os países concertaram uma declaração final bastante abrangente. Mas esse documento inflado de intenções genéricas e promessas piedosas tem um quê de exasperação, que expõe a crise de instituições multilaterais como o G-20.

A aliança foi gestada como um grupo de cooperação econômica após a crise financeira asiática de 1999 e veio à luz em 2008 para evitar – como evitou – que o sistema financeiro global fosse precipitado numa queda livre. O comunicado de 2009 continha 3 mil palavras focadas na estabilização do sistema financeiro e no resgate da economia mundial; o atual, mais de 10 mil sobre um pouco de tudo: de guerras e ações climáticas a reformas da governança global e inteligência artificial.

Desde 2008, acumularam-se desafios globais – como a saúde do planeta ou a pandemia –, que, por definição, exigem cooperação internacional. Mas o paradoxo é que na mesma proporção em que o G-20 crescia em tamanho e visibilidade, perdia em foco e efetividade. As crescentes divisões entre países contribuem para essa inoperância. Mas essas divisões, longe de deslegitimar o G-20, o justificam. A questão não é se o mundo precisa ou não de um G-20, mas como utilizá-lo de maneira eficaz.

Na cúpula anterior houve frustração em relação à dificuldade de ir além de declarações anódinas sobre desafios graves, como as guerras, mas talvez essas dificuldades sejam um alerta de que o grupo deveria voltar às origens, deixar divergências geopolíticas para instâncias como a ONU e se concentrar nas questões econômicas, com planos de ação concretos, objetivos mensuráveis e responsabilização pelos resultados.

O Brasil deu sua contribuição. A Aliança Global Contra a Fome, idealizada pelo governo Lula e integrada por dezenas de países e organizações internacionais, propõe uma cesta de políticas assistenciais. O BID se comprometeu com US$ 25 bilhões para apoiá-las. São recursos limitados, que não chegam a ser exatamente novos: o BID já os empregaria para iniciativas como essas. De todo modo, há a oportunidade de estruturá-los sobre um arcabouço comum. Ainda será preciso deliberar a parte difícil: quem financiará o resto, quais serão as quantias e quais as condições de governança dos beneficiados. Tudo está em estágio embrionário, e não será surpresa se essa iniciativa morrer de inanição, como tantas outras. Mas ao menos os países do G-20 têm uma plataforma concreta para enfrentar um problema consensual.

O próprio Lula, no entanto, dá um exemplo de dissonância entre as expectativas e a realidade no G-20. Em seu discurso, disse que a “globalização neoliberal fracassou”, como se os anos de integração comercial pós-guerra fria não tivessem promovido a mais espetacular redução da pobreza da história. O desenvolvimento sustentável depende de regras internacionais estáveis e boa governança doméstica para garantir competitividade e produtividade no mercado e alocação eficaz de recursos públicos. Países que atingiram padrões razoáveis nesses quesitos, como as democracias que integram a OCDE, têm os melhores índices de produção e distribuição de riqueza. Mas Lula fez questão de não convidar a OCDE para a cúpula nem se empenhou em qualquer discussão sobre questões estruturais.

Medidas assistencialistas podem ter seu papel para mitigar crises emergenciais – como o aumento da fome após a pandemia –, mas são só paliativos, não uma solução para erradicar a pobreza. A solução está na produtividade econômica e instituições políticas inclusivas. Mas, sobre isso, o presidente brasileiro faz muito pouco no Brasil e tem muito pouco a dizer ao mundo.

Combate ao crime caro e ineficaz

O Estado de S. Paulo

Países latino-americanos gastam muito com segurança, mas níveis de violência na região, sobretudo número de homicídios, deixam claro que tais investimentos não têm sido bem-sucedidos

Duas importantes instituições multilaterais, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgaram recentemente relatórios sobre o impacto econômico do crime nos países latino-americanos. De acordo com a publicação Os custos do crime e da violência: Ampliação e atualização de estimativas para a América Latina e o Caribe, do BID, o custo direto dos delitos respondeu por 3,44% do PIB da região em 2022, ou 12 vezes mais que o orçamento para pesquisa e desenvolvimento. E a região, apesar de concentrar apenas 8% da população mundial, representa um terço dos homicídios cometidos no mundo, segundo o relatório Crime Violento e Insegurança na América Latina e Caribe, do FMI.

Ao estimar a fatia do PIB regional relacionada ao crime, o BID considerou fatores como perda de capital humano por homicídios, gastos de empresas com segurança e o gasto público com a prevenção de delitos, entre outros. De um modo geral, os dados são agregados para a região como um todo, mas, nas poucas vezes em que há dados específicos por país, a tragédia brasileira aparece escancarada.

Ao lado de Bahamas, Honduras, Jamaica e Trinidad e Tobago, o Brasil figura entre os países com maior custo de capital humano em 2022; as perdas de capital humano por homicídios em nosso país equivaleram a 1% do PIB naquele ano. Não é exatamente surpreendente, já que o Brasil é um dos países com taxas de homicídios entre as mais elevadas do mundo, mortes essas que, na maioria das vezes, acabam sem esclarecimento. Como revelou um levantamento do Instituto Sou da Paz, apenas quatro de cada dez homicídios no País são solucionados, uma taxa de resolução inferior à média mundial.

O presidente do BID, Ilan Goldfajn, destacou que o estudo mostra o quanto o crime “limita o crescimento, leva à desigualdade e desvia investimentos públicos e privados” para outras áreas. Se não tivessem de gastar tanto no combate à violência e à criminalidade – o dobro do orçamento com assistência social –, os países da região poderiam investir mais em educação, cada vez mais necessária em uma era de grandes transformações tecnológicas. Mas o pior é que os elevados níveis de violência na região deixam claro que tais investimentos não têm sido bem-sucedidos.

Países que convivem com a alta da inflação, com o Brasil, também precisam redobrar os esforços para debelá-la, não apenas porque o avanço dos preços corrói o poder de compra dos cidadãos, mas porque, segundo o FMI, quando a inflação supera os 10% em um ano, há um crescimento de 10% nas taxas de homicídios, em média, no ano seguinte. Eventos macroeconômicos adversos, como recessões, elevam os índices de homicídios em 6%, em média.

Todos esses números deveriam guiar a elaboração de políticas públicas efetivas, que passam ainda pela necessidade de cooperação mais estreita entre os governos dos países da região – cooperação esta que já existe entre as organizações criminosas latino-americanas.

Nos últimos anos, esses grupos passaram a racionalizar suas operações, atuando de forma cada vez mais “profissional”. Antes concorrentes, organizações criminosas agora são parceiras. Algumas fornecem as mercadorias, de drogas a minérios e madeira extraídos de forma ilegal da Amazônia, enquanto outras se encarregam da logística, fazendo com que as “encomendas” cheguem aos destinatários na Europa e nos Estados Unidos.

Sem cooperação efetiva dos departamentos de segurança dos países da região, troca de informações e reforço da vigilância em áreas fronteiriças, entre outras ações, o crime seguirá prosperando, enquanto os governos patinam e a população perece.

No estágio atual, a prevalência do crime na América Latina faz com que habitantes de regiões dominadas pela criminalidade ou mudem-se para áreas mais seguras, mesmo que isso signifique perda de renda, ou tornem-se presas fáceis das organizações criminosas. Em ambos os casos, perde-se capital humano, o que diz muito sobre o ciclo de desenvolvimento incompleto da região.

Liberdade para a gestão pública

O Estado de S. Paulo

Após décadas de procrastinação do Judiciário, servidores poderão ser contratados pelo regime CLT

A reforma administrativa é uma questão de cidadania. Como já dissemos neste espaço, as arbitrariedades e disfuncionalidades da administração pública a tornam uma máquina de gerar desigualdades, pobreza, injustiça social e conflito civil.

Desigualdade, porque em média os trabalhadores do setor público ganham acima de seus pares na iniciativa privada e a disparidade entre as carreiras do topo e da base é maior que no setor privado. Pobreza, porque uma máquina custosa e ineficiente pressiona as contas públicas, contraindo os investimentos estatais e afugentando os privados. Injustiça social, porque os mais pobres sofrem mais com a carência de serviços básicos. E conflito, porque estas distorções e perversões incitam a descrença do cidadão em relação ao Estado Democrático de Direito e desencadeiam um ciclo vicioso de vilanização dos servidores públicos retroalimentada por sua vitimização.

Um dos vícios de origem mais deletérios desse sistema é o Regime Jurídico Único estabelecido pela Constituição, que impõe, tanto à administração direta quanto indireta, um formato uniforme, rígido e centralista de contratação de funcionários, independentemente da função.

Qualquer democracia prevê, por exemplo, estabilidade de carreira para garantir a continuidade dos serviços e a proteção de políticas de Estado e dos servidores contra pressões dos governos de turno. Mas em geral a estabilidade é restrita a carreiras típicas de Estado, como juízes, diplomatas, policiais e fiscais. No resto, há diferentes categorias de servidores e regimes, garantindo à gestão pública flexibilidade para se adaptar a uma realidade em constante transformação. O modelo brasileiro é uma aberração sem paralelo no mundo.

Para corrigi-la, o Congresso aprovou uma Emenda à Constituição permitindo a contratação de parte dos servidores pelo regime da CLT. Isso foi no século passado, em 1998. E, no entanto, só agora a norma passará a valer.

Isso porque em 2000, os suspeitos de sempre – PT, PDT e outras legendas de esquerda – entraram com uma ação na Suprema Corte, que, em 2007, suspendeu liminarmente os efeitos da emenda. O julgamento foi iniciado apenas em 2020 e concluído somente agora, pasme o leitor.

O mais estupefaciente é que nem sequer se tratava de questão de mérito. Os autores da ação alegavam inconstitucionalidade na alteração de um dispositivo que não havia sido aprovado em votação de dois turnos. Mas, como entendeu o voto vencedor na Corte, tratava-se apenas de uma mudança de local no texto, que não justificaria nova votação.

Se uma questiúncula procedimental, que poderia ter sido apreciada em poucos dias, só o foi após 24 anos, não é, evidentemente, em razão de intrincadas divergências doutrinais, mas por pressão de lobbies corporativistas. Na prática, o Judiciário protelou por 26 anos a entrada em vigor de uma norma perfeitamente legítima aprovada pelo Legislativo, com prejuízos incalculáveis para os cidadãos.

Toda essa miserável e dispensável saga é ela mesma um exemplo da disfuncionalidade, ineficiência e onerosidade da máquina estatal e serve de alerta à urgência de reformas.

Brasileiros admitem que a sociedade é racista

Correio Braziliense

Agravar as punições aos racistas pode ser um caminho para inibir esse tipo de crime. Mas a solução para modificar a relação entre negros e brancos, ou com quaisquer outras etnias, passa pela educação em todos os seus níveis, tanto nas escolas quanto na família

Para 59% dos brasileiros, a maioria da população do Brasil é racista. Na opinião de 45%, o crime de racismo — inafiançável e imprescritível — vem aumentando, e no entendimento de 56%, ele é cometido por meio das atitudes das pessoas. Essa é uma compreensão tanto de brancos (55%) quanto dos pretos (64%) e dos pardos (60%). Os dados são da pesquisa do DataFolha, com 2.004 pessoas em todos os estados do país, e foram divulgados neste 20 de novembro, na primeira vez em que o Dia de Zumbi e da Consciência Negra foi feriado nacional.

Ainda conforme a pesquisa, 74% das mulheres acham que a maioria ou todos os brasileiros são racistas. No entendimento de 27% dos consultados, o racismo está nas estruturas institucionais (governos e empresas). Para 13%, essa violência ocorre pela ação das pessoas e também nas instituições, sejam públicas, sejam privadas.

A percepção dos brasileiros entrevistados soa estranha ante uma população em que 56,7% (mais de 122 milhões) dos indivíduos são negros, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no segundo trimestre deste ano. Mas os consultados pelo DataFolha têm uma visão correta da realidade do povo negro. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado em julho último, revelou que as denúncias de racismo, registradas em 2023, aumentaram 123% na comparação com o ano anterior — 11.616 ocorrências contra 5.100 em 2022.

Neste cenário de atraso e violência, o Rio Grande do Sul foi o estado com o maior número de ocorrências no ano passado: 2.857 casos. Embora o estado tenha uma hegemonia branca, foram os jovens negros gaúchos, do Grupo Palmares, que lançaram, 53 anos atrás (1971), o Dia da Consciência Negra. A proposta dos jovens conquistou o restante do país, até que a data se tornou oficial por meio da Lei nº 10.639/2003, e incorporou como obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas e escolas.

Expressiva parcela do povo negro é movida pela coragem e pela resiliência de Zumbi dos Palmares. O racismo dominante, que envergonha o Brasil, não é uma barreira intransponível. A luta incansável de pretos e pardos tem alcançado várias conquistas. Uma delas é a cota racial para acesso ao ensino superior. A Lei nº 12.711 estabeleceu que 50% das vagas fossem reservadas para alunos do ensino médio das escolas públicas.

Essa vitória beneficiou não só pretos e pardos, mas também indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência. Em 2014, as cotas raciais foram inseridas nas regras dos concursos públicos. A mudança tornou-se exemplar para vários segmentos do setor produtivo. Empresas passaram a contratar pessoas negras. Ainda que o preconceito hediondo persista, vários setores estão entendendo que o Brasil é um país etnicamente plural e com enorme diversidade cultural.

Agravar as punições aos racistas pode ser um caminho para inibir esse tipo de crime. Mas a solução para modificar a relação entre negros e brancos, ou com quaisquer outras etnias, passa pela educação em todos os seus níveis, tanto nas escolas quanto na família. As políticas de Estado têm de ser mais vigorosas e educativas para que a cor da pele não seja motivadora de violência ou de injustiças pelo poder público.


 

 

 

Um comentário:

Mais um amador disse...

" Esse negócio de gópi é tudo narrativas. "

😏😏😏