O Globo
No palanque, Lula rechaça cobiça: 'Este país
é do povo brasileiro'
A uma semana do prazo de aplicação, por Donald Trump, de inéditas sanções comerciais ao Brasil, os Estados Unidos sinalizaram com uma hipótese de negociação. Gabriel Escobar, encarregado de negócios da embaixada em Brasília, representação sem titular desde o início de 2025, manifestou a representantes do setor privado o interesse do governo americano nos minerais críticos e estratégicos. O Brasil, junto com a China, tem as maiores reservas globais das chamadas terras-raras, insumos essenciais para tecnologia de ponta e transição energética. Muito dessa riqueza jaz em territórios indígenas.
O representante dos Estados Unidos deu o
recado a Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa, hoje presidente do Instituto
Brasileiro de Mineração (Ibram), em reunião convocada pelo próprio Escobar. Foi
a segunda referência ao tema com o mesmo interlocutor, num intervalo de três
meses. Jungmann teria informado que propriedade e gestão dos recursos minerais
no Brasil são atribuição da União, mas levou o pleito ao vice-presidente, Geraldo
Alckmin, encarregado das negociações com os Estados Unidos. De um palanque
em Minas Gerais, o presidente Lula rechaçou a cobiça:
— Nós temos todos os minerais ricos que vocês querem para proteger. E aqui ninguém põe a mão. Este país é do povo brasileiro.
Nenhum governo americano esconde o interesse
em terras-raras, grupo de 17 elementos químicos de altíssimo valor comercial e
imensa dificuldade de extração. Donald Trump cobiça reservas da Ucrânia e
negocia com a China, mas nunca havia mencionado o Brasil. O antecessor Joe Biden,
sim. Em novembro passado, quando veio ao Rio de Janeiro para a reunião do G20,
o então presidente americano assinou com Lula uma “parceria industrial de
energia limpa com vigor climático”. A ideia era fortalecer a cooperação
bilateral em três pilares: energia limpa, desenvolvimento da cadeia de
suprimentos e industrialização verde.
É o segundo tema que se relaciona aos
minerais críticos e estratégicos. Diz o texto, publicado nos arquivos do
Departamento de Estado:
— Aumentar a cooperação em inovação,
capacitação da força de trabalho e desenvolvimento de projetos para tecnologias
limpas, incluindo esforços a fim de fabricar componentes solares e eólicos,
baterias de armazenamento de longa duração e veículos e componentes de emissão
zero e baixa; produzir hidrogênio limpo; aumentar a produção, o processamento e
a reciclagem de minerais essenciais; e ajustar tecnologias de gerenciamento de
carbono.
Alckmin, vice-presidente e ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, reportou, ontem, um telefonema de 50
minutos com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, no
último sábado. Não informou, no entanto, se a conversa tratou de terras-raras.
A ligação entre Alckmin e Lutnick despertou esperança tímida de alguma
negociação objetiva entre Brasil e Estados Unidos. Há meses, os canais de
diálogo estavam totalmente obstruídos.
Trump tomou posse em janeiro e, até hoje, não
indicou embaixador no país. Desde meados de maio, o governo brasileiro espera
resposta a uma proposta sigilosa de negociação acerca do ajuste tarifário de
10%, anunciado em abril. Neste julho, dois séculos de relações diplomáticas
desmoronaram, após carta do presidente americano a Lula, condicionando sanções
comerciais à anistia ao ex-presidente Jair
Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado, entre outras acusações, e
a interesses (des)regulatórios das big techs.
Afora a tarifa adicional de 50% sobre
importações de produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, por razões
políticas e corporativas, os Estados Unidos abriram investigação contra
supostas práticas comerciais desleais pelo Brasil em nada menos que seis
frentes, incluindo desmatamento ilegal. Tudo isso tendo acumulado superávit em
mercadorias e serviços de US$ 410 bilhões desde 2019.
A diplomacia brasileira apostou no diálogo
com o empresariado, nacional e americano, para levar Trump a recuar da
retaliação. Importadores dos Estados Unidos apelaram à Justiça, e há módica
esperança de suspensão do tarifaço pela via do Direito. O presidente Lula
acenou com a recém-aprovada Lei da Reciprocidade Econômica para dar o troco.
Mas há temor de mais prejuízo para empresas que compram dos Estados Unidos.
Sem espaço para negociação e com a disposição
incansável do deputado Eduardo Bolsonaro em fazer do próprio país moeda de
troca pela liberdade do pai, pouca gente acredita que o tarifaço punitivo
deixará de entrar em vigor na próxima sexta. Mas a referência às terras-raras —
ainda que por canal informal e fonte não qualificada — despertou a hipótese de
o outro lado estar buscando uma fresta, até então imperceptível, para o
diálogo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário