sábado, 2 de agosto de 2025

As tarifas de Trump minam ordem mundial - Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Os EUA, que criaram um mundo próspero e pacífico, estão caminhando agora na direção oposta

Efeito mais amplo das tarifas será mudar a estrutura básica da economia mundial

Em meio à enxurrada de ameaças tarifárias e acordos comerciais de última hora, os americanos estão perdendo de vista o que realmente importa: uma mudança radical nos assuntos mundiais. Os EUA, criadores e defensores da economia global aberta, estão impondo sua maior taxa média de tarifas em quase um século – e têm as tarifas mais altas entre as principais economias.

O governo de Donald Trump está revertendo 80 anos de políticas econômica e externa, que consistentemente pressionaram os países a remover restrições e impostos sobre o comércio. Os efeitos dessa revolução política não serão medidos pelos preços atuais das ações, mas sim pelo tipo de mundo que surgirá como resultado.

Ao anunciar os acordos, a Casa Branca tem se gabado de que Trump abriu os mercados estrangeiros para produtos americanos, como se estivesse forçando a abertura de economias que antes estavam fechadas.

Aqui estão os fatos: antes do segundo mandato de Trump, a tarifa média sobre produtos americanos na União Europeia era de 1,35%, segundo o centro de estudos europeu Bruegel, e a tarifa média americana sobre produtos da UE era de 1,47%. Até o Japão, visto como altamente protecionista, tinha uma tarifa média sobre produtos americanos em torno de 3% – a tarifa média americana sobre produtos japoneses é de cerca de 1,5%.

Vivíamos em um mundo de livre comércio, onde as tarifas eram tão pequenas que se tornavam irrelevantes. E sim, outros países impõem barreiras não tarifárias às importações, mas nós também.

Os mercados respiraram aliviados ao ver que as barreiras não são nem de longe tão altas quanto Trump havia proposto no “Dia da Libertação”. Condicionados a esperar tarifas astronômicas, os investidores ficaram satisfeitos ao descobrir que as taxas são simplesmente altíssimas. De qualquer forma, a economia americana é em grande parte doméstica; em 2024, as exportações valiam menos de 11% do PIB dos EUA.

SERVIÇOS. Além disso, a economia dos EUA é em grande parte composta por serviços, com 86% dos empregos americanos não agrícolas. Neste setor, o de crescimento mais rápido, os EUA tiveram um superávit comercial de quase US$ 300 bilhões em 2024. E escapa praticamente de qualquer tarifa porque, para Trump, serviços não contam.

Os líderes do trumpismo alardearam que o presidente está “vencendo a guerra comercial” contra UE, Japão e Coreia do Sul. É verdade que o ele reconheceu que os EUA têm uma vantagem especial contra esses países devido ao tamanho de seu mercado e à segurança que proporcionam como aliados. Então, ele usou essa realidade geopolítica para pressionar os amigos mais próximos e forçá-los a fazer concessões.

DERROTA. Mas encarar esses pequenos ganhos como vitórias americanas é uma interpretação equivocada da economia. Ninguém vence uma guerra comercial. Os EUA agora estão sobrecarregando seus próprios consumidores com custos tarifários repassados, ou seja, um imposto altamente regressivo que provavelmente atingirá mais duramente os pobres. Como é uma vitória para os EUA o fato de os americanos de baixa renda agora pagarem um pouco mais por alimentos e roupas em lojas como Costco e Walmart?

O efeito mais amplo dessas tarifas será mudar a estrutura básica da economia mundial. Durante décadas, os países vêm se afastando do envolvimento arbitrário e da interferência governamental nos mercados globais. Ao longo da história, os governos manipularam o comércio, produzindo distorções maciças e criando campeões nacionais politicamente mais poderosos do que economicamente eficientes.

Os EUA resistiram, demonstrando com seu sucesso que haviam escolhido um caminho melhor. As empresas de tecnologia americanas passaram a dominar o mundo, aprendendo e superando líderes de mercado, como a japonesa Sony e a holandesa Philips, nas décadas de 1980 e 1990, em grande parte devido a um mercado global extremamente competitivo.

MUDANÇA. O mundo em que estamos entrando é diferente. As empresas terão de investir tempo e inteligência para manipular as políticas do sistema. Elas enviarão mercadorias primeiro para países com tarifas baixas e depois para os EUA. Subfaturarão mercadorias (que são tarifadas) e superfaturarão diversas taxas de processamento (que não são). Aumentarão seus esforços de lobby. Executivos que costumavam protestar contra impostos e regulamentações agora comemoram os favores e punições do governo Trump.

Os EUA criaram um mundo comercial no qual os países tinham muito a ganhar se permanecessem pacíficos. Agora, os EUA, a força que criou este mundo pacífico e próspero, estão caminhando na direção oposta.

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