Com prolongamento da crise, governo de facto perdeu apoio de empresários e presidente deposto ficou isolado
O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, conta com o apoio da comunidade internacional e está com a popularidade em ascensão. Mas não confia na Frente Nacional de Resistência (FNR) para alcançar seu objetivo de voltar ao cargo. Já o presidente de facto do país, Roberto Micheletti, vê sua sustentação empresarial dispersar-se. Mas ainda conta com boa parte do Congresso, com a totalidade da Corte Suprema, com as Forças Armadas e com um camuflado respaldo da Igreja, que o ajuda a ganhar tempo até as eleições presidenciais de 29 de novembro.
Na quarta-feira, espera-se que representantes de Zelaya, de Micheletti e da FNR sentem-se para negociar, sob o amparo de uma missão conduzida pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, para desmontar o governo de facto. Sobre a mesa, entretanto, não estará apenas a rivalidade de dois proprietários de terra e líderes do conservador Partido Liberal pelos próximos três meses na presidência, mas uma possível transformação sem precedentes no pequeno país centro-americano.
"Depois de um acordo, Zelaya e Micheletti serão passado", afirmou o chefe de uma importante missão diplomática em Tegucigalpa. "A reconciliação trará as bases de uma transformação profunda."
Ontem, por meio de seu porta-voz, Carlos Eduardo Reina, Zelaya sugeriu "uma agenda simples" para dialogar. A proposta envolveria a aprovação das mudanças do Acordo de San José (proposto pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias) e o cumprimento de garantias nacionais e internacionais - posições similares às propostas pela OEA. Zelaya também deixou claro que não levará adiante a ideia de convocar a Assembleia Constituinte neste ano, se for reconduzido ao poder. Tal proposta ficaria a cargo de seu sucessor, em 2010.
Isolado fisicamente na embaixada brasileira, Zelaya foi alvo de solidariedade da comunidade internacional, indignada com o golpe de Estado e com o risco de essa receita prosperar na América Latina. Sua popularidade teria subido de 14% antes do golpe para cerca de 25% hoje, segundo pesquisas que alarmaram Micheletti na semana passada. Mas, politicamente, Zelaya também está isolado. Conta apenas com um número limitado de colaboradores fiéis e sabe que não pode se apoiar na FNR para voltar à presidência.
A FNR tornou-se uma força política inédita no país e uma nova fonte de terror para Micheletti. Ela surgiu de movimentos sociais e de direitos humanos em um país onde a renda per capita é de US$ 1.590, a camada dos 10% mais pobres responde por apenas 1,2% da renda e do consumo nacional e a desnutrição atinge 12% da população, segundo o Banco Mundial e a ONU. Tradicionalmente, partidos pequenos da esquerda jamais conseguiram superar 2% dos votos em eleições nacionais. Desta vez, a FNR assusta por contar com 17% de apoio.
Seus principais líderes deixaram antes do golpe que preferiam a deposição do presidente ao abandono do projeto de instaurar uma Assembleia Constituinte. Neste momento, ter Zelaya de volta à presidência tornou-se questão secundária para a FNR, que pode rifar esse apoio em função do objetivo maior de elaborar uma nova Carta em meados de 2010.
Até a semana passada, a FNR tinha mantido quatro reuniões com o governo de facto para negociar essa proposta. Ao listar seus delegados para a mesa de negociação desta semana, Zelaya foi advertido várias vezes dos nomes da FNR que não eram confiáveis.
Ele tampouco pode contar com cinco dos seis candidatos à sua sucessão nem com a Igreja. Segundo observadores diplomáticos, a suposta intermediação do bispo Juan José Pineda, não passa de uma "cínica manobra" para desviar o rumo das negociações.
O governo de facto perdeu o apoio dos empresários, que disseram ser favoráveis ao retorno de Zelaya e timidamente passaram a defender o fim do decreto que impôs o estado de sítio.
A dispersão dos empresários deveu-se a duas razões: o temor da recessão aprofundada pela ausência de ajuda financeira externa e a suspensão da emissão de vistos por Washington, medida que alfinetou os nervos de um setor que costuma viajar até cinco vezes ao ano para os EUA. Assim como o governo de facto, o Congresso e a Corte Suprema, o empresariado continua a justificar o golpe de Estado e a apontar um único erro nesse episódio: a prisão de Zelaya e sua expulsão do país.
"Legalmente, não foi um golpe. Eu e a maioria do empresariado vemos essa crise como um problema interno do Partido Liberal", afirmou Miguel Facussé, presidente da Associação Nacional da Indústria.
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