Falta debate para aprovar lei que altera um regime até hoje vitorioso
Pela terceira vez escrevo nesta coluna sobre a questão do petróleo. Não é para menos: trata-se de recurso fundamental que, de riqueza virtual, pode se tornar uma das molas de nosso desenvolvimento futuro.
A chamada Lei do Petróleo, de 1997, preservou o monopólio da União sobre o subsolo, mas autorizou a concessão da exploração, distribuição, refino e transporte do petróleo e seus derivados a empresas privadas, além da Petrobras, que antes detinha a exclusividade das operações nessas áreas. Para regular o setor, criou-se a Agência Nacional de Petróleo (ANP). No mesmo arcabouço aparece o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão de assessoramento da Presidência da República. Com esse marco institucional, o governo determina o ritmo da abertura de novas áreas de exploração. Outro aspecto importante da legislação atual é a existência de critérios que, nos leilões, favorecem as empresas que se comprometem a comprar produtos nacionais para os projetos de exploração.
É muito bem-sucedida a experiência de mais de dez anos de funcionamento desse modelo. Em 1993, produzíamos 693 mil barris de petróleo por dia; em 2002, alcançamos 1,5 milhão de barris; em 2009, atingimos 2 milhões de barris. O maior salto na produção se deu entre 1997 e 2002. Os recursos obtidos pela União foram substanciais e muito maiores do que os dividendos distribuídos aos acionistas privados. A União recebeu em 1999, como pagamento de bônus de assinatura, royalties ou participações especiais, cerca de R$ 2 bilhões. Em 2007, foram mais de R$ 17 bilhões, a maior parte deles decorrente de participações especiais, passíveis de serem aumentadas por um simples decreto.
Então, por que mudar o regime agora? O tema de fato requer discussão, dado o novo balanço de riscos presumíveis (menores) e receitas esperadas (maiores) que o pré-sal apresenta.
Há um ponto a respeito do qual parece haver convergência: sendo vultosa a renda adicional a ser gerada pela exploração do pré-sal, grande parte dela em dólar, é prudente criar-se um Fundo Soberano. Isso para minimizar dois efeitos negativos: um gasto indiscriminado que impedisse as gerações futuras de se beneficiar dos frutos de uma riqueza natural comum; e uma valorização enorme do real, em detrimento da competitividade de nossa economia, em geral, e da indústria e das exportações, afora o petróleo, em particular.
O melhor é fazer no Brasil algo nos moldes do que faz a Noruega, com o seu Fundo Soberano. Aqui, por que não deixar sua gestão em mãos do Tesouro Nacional e do Banco Central, que possuem equipes altamente especializadas, sob a supervisão de um pequeno grupo de pessoas designadas pelo presidente e aprovadas pelo Senado, que prestassem contas anuais ao Congresso e ao TCU? A legislação relativa ao fundo poderia prever a destinação de suas receitas financeiras para a área da educação, em especial pesquisas para o avanço científico e tecnológico, particularmente em energias limpas e tecnologias poupadoras de gás carbônico.
Não é por aí, porém, que vai o projeto do governo.
Para a gestão do fundo, a proposta cria um conselho com pessoas nomeadas pelo presidente da República.
Submetido ao Executivo, sem regras claras, o fundo poderá aplicar seus recursos em ativos no Brasil ou no exterior, recursos que poderão acabar por alimentar os orçamentos anuais e plurianuais da União, o que abre espaço à ingerência política na sua destinação. Não é este, seguramente, o modelo norueguês.
O risco maior de politização, todavia, está na criação de uma nova empresa estatal, a Petro-Sal, diretamente subordinada ao Ministério de Minas e Energia. Será o ministério que indicará ao Conselho Nacional de Política Energética as áreas nas quais se aplicará o regime de partilha (mesmo fora do présal).
Será o ministério também que indicará a direção executiva da nova empresa. À Petro-Sal caberá a presidência do comitê gestor que supervisionará cada projeto de exploração, sob o regime de partilha. Em suma, o novo arranjo reduz ao mínimo o papel da ANP, cria uma outra estatal, sem que se saiba de onde virá a sua competência técnica, e dá muitos poderes ao Ministério de Minas e Energia.
À Petrobras são reservados 30% de participação mínima obrigatória em qualquer consórcio, bem como o status de operadora única dos campos do pré-sal. Com isso, força-se a empresa a fazer investimentos que podem não lhe convir (uma das razões pelas quais a União busca tortuosamente capitalizála), fechas e o espaço à maior participação privada e ampliamse os incentivos a relações privilegiadas entre fornecedores e a estatal.
E a partilha ? Como os custos de operação serão ressarcidos pelo governo, não afetando o lucro operacional das empresas — que dependerá exclusivamente do volume da produção e do preço do barril in natura comprado pelo governo —, haverá menor incentiv o à eficiência nos projetos de exploração. Haverá ainda, na melhor hipótese, uma tensão permanente entre o comitê gestor dos projetos, de um lado, interessado no menor custo de produção possível, e as empresas (inclusive a Petrobras), de outro, não necessariamente interessadas. Ainda assim, admitindo que a partilha resulte em maior renda para o Tesouro, o que ainda não ficou provado, resta o problema da comercialização dos barris in natura pelo governo, mais um ponto de potenciais imbróglios político-empresariais.
Conclusão: sobram aspectos pouco claros no projeto, sobretudo quanto às suas consequências, e falta ainda debate profundo e prolongado para que possamos aprovar, com convicção e tranquilidade, uma lei que pretende alterar um regime de exploração até hoje vitorioso. É preciso discutir mais e melhor, no Congresso e na sociedade.
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