segunda-feira, 17 de maio de 2010

Lei de Responsabilidade Fiscal para a Europa:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A crise mostra que também é preciso enfrentar o problema dos "países grandes demais para quebrar"

A CRISE Global de 2008 tornou claro que existem bancos "grandes demais para quebrar". Esse é o problema central que a nova regulamentação dos mercados financeiros terá que resolver. A Crise Europeia de 2010 tornou igualmente claro que os governos são grandes demais para quebrar.

Uma Lei de Responsabilidade Fiscal semelhante àquela existente no Brasil desde 2000 pode ser a solução para esse problema. O pacote de 750 bilhões anunciado pelos governos europeus na semana passada surpreendeu a todos pelo volume e deixou clara a determinação de defender sua moeda. Desde que os países mais ameaçados tomem as medidas fiscais duras, mas necessárias, para reequilibrar suas contas fiscais, é possível a partir de agora esperar a superação da crise no decorrer dos próximos anos (e desde que o problema do desequilíbrio das contas-correntes seja também solucionado).

A crise fiscal foi consequência da política fiscal expansionista que a Crise Global de 2008 impôs a todos os países. Mas uma política fiscal desse tipo não criaria maiores problemas se a relação entre a dívida pública e o PIB nesses países fosse saudável, se fosse um nível de dívida que não dependesse da disposição dos credores de rolá-la indefinidamente. Não era esse o caso. Em vários deles, estava em torno de 100% do PIB, quando a metade desse número já é demais. Esse alto índice de endividamento parecia "sob controle" porque a taxa de juros era muito baixa. No momento, porém, que surgiu a desconfiança em relação à Grécia e a taxa de juros começou a subir, o peso do serviço da dívida cresceu e o país de uma hora para a outra se tornou insolvente.

Essa crise demonstra a insustentabilidade de altas taxas de endividamento público e a frouxidão da União Europeia e dos mercados financeiros em relação ao problema. Enquanto se exige das empresas uma relação elevada entre sua geração de caixa e os vencimentos de suas dívidas, aceita-se uma relação substancialmente menor entre o superavit primário de cada país (sua geração de caixa) e seus compromissos com juros e amortizações.

As repetidas crises de balanço de pagamentos dos países em desenvolvimento mostraram que era falso o pressuposto em que se baseava o mercado financeiro -a crença de que "governos soberanos não quebram". Em relação aos países ricos ou quase ricos, porém, mercado financeiro e autoridades governamentais continuaram a acreditar na história e aceitaram taxas de endividamento público superiores a 100%.

Agora, a crise mostra que não basta resolver o problema dos "bancos grandes demais para quebrar"; é preciso também enfrentar o problema dos "países grandes demais para quebrar". No Tratado de Maastricht, a União Europeia limitou o deficit público a 3% do PIB; deveria ter também estabelecido limites claros para a relação dívida pública/PIB. Ao não fazê-lo, tornou o euro vulnerável. Isso, além de incentivar os ataques especulativos, levou os detratores do euro a decretar a moratória inevitável da Grécia e a falência do projeto euro.

É muito cedo para essa conclusão. Mas é também cedo para declarar a crise resolvida. Será preciso equacionar definitivamente o problema fiscal dos países-membros. E o caminho para isso é algo semelhante ao que fizemos no Brasil com a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000. Enquanto essa lei estabelecia limites claros para os deficit e o endividamento dos Estados e municípios, procedeu-se à reestruturação da sua dívida. Dessa forma todos tiveram condições, a partir desse ponto, de obedecer à nova lei.


Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

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