Passadas semanas do choque provocado pela infeliz fotografia de Lula e Fernando Haddad ao lado de Paulo Maluf, é possível voltar ao tema com maior distanciamento crítico. Para isto, contudo, é útil questionar o que de fato chocou a tantos na malfadada fotografia dos petistas ao lado do pepista, buscando identificar o quão politicamente consistentes são as motivações da comoção.
Uma primeira resposta seria: o que choca é a péssima reputação de Maluf no concernente à moralidade pública. Tal motivo faria sentido se os "novos" [sic] aliados de Maluf tivessem reputação imaculada quanto a este quesito. Ora, mas não é justamente o PT que vai ao banco dos réus no episódio do mensalão? Aliás, pode-se dizer que depois do mensalão petista e de seus congêneres tucano e democrata, dentre outros escândalos de corrupção, a democracia brasileira passou da idade da inocência. Com isto, diminuiu muito o diferencial negativo de Maluf em relação ao restante da classe política brasileira. Em termos relativos: Maluf já não é mais o mesmo porque ninguém é mais o mesmo quanto a reputações maculadas.
Uma segunda resposta seria: o que choca é que Maluf é antípoda ideológico do PT. Será mesmo? Poder-se-ia replicar: qual Maluf, o de 2012 ou o de 1992? O mais antigo, do discurso da "Rota na rua", certamente era um contrário ideológico do PT. E quanto mais se retroceder no tempo, maior será a antinomia. Só que, inversamente, quanto mais se avançar no tempo, menor ela será.
O antagonismo ainda prevaleceu fortemente até o final do governo de Celso Pitta, herdeiro de Maluf, mesmo porque interessava ao PT opor-se a ele por razões competitivas. Diante do desastre que foi a gestão do pupilo malufista, apresentar-se como o antimaluf era proveitoso para o PT. Não foi por outra razão que Marta Suplicy execrou Maluf o quanto pôde na campanha municipal de 2000 (chamava-o de mitômano), derrotando o pepista no segundo turno. Foi útil para sua eleição. E iniciou-se ali o ocaso do malufismo. Tanto que, logo que a prefeita petista tomou posse, vereadores malufistas (do PP ou não) bandearam-se para a base governista. Iniciou-se ali o fim do antagonismo entre PT e PP.
Tal fim deve-se em boa medida ao ocaso da liderança malufista na política nacional, paulista e paulistana. Enfraquecendo-se definitivamente em eleições majoritárias, Maluf perdeu sua ascendência sobre a direção nacional de seu partido (embora tenha-a mantido localmente) e deixou de ser um prócer da direita política para diluir-se na massa comum dos políticos fisiológicos, dispostos a hipotecar seu apoio a qualquer governo (ou coligação eleitoral) que lhes recompensar bem. Tal movimento tornou-o mais parecido ao restante de seu próprio partido, que por sua vez se tornou ainda mais semelhante à grande maioria de agremiações que um dia tiveram alguma veleidade ideológica conservadora.
Portanto, o PP de Maluf, ao qual o PT se aliou neste ano para tentar eleger Haddad, não é diferente do PL de José de Alencar e Valdemar da Costa Neto, ao qual o mesmo PT se aliou para eleger Lula em 2002; ou do PMDB de Michel Temer, José Sarney e Renan Calheiros ao qual o PT se aliou em 2010 para eleger Dilma Rousseff. Esse mesmo PMDB ao qual a agora enojada Luiza Erundina se aliou em 2004, com a benção e a foto ao lado de Orestes Quércia - que, reconheçamos, não tinha reputação muito melhor que a de Maluf.
É por isso que esse PP de Maluf, assim como todos os demais partidos até aqui mencionados, apoiaram sem peias os dois governos de Lula e o governo Dilma. Assim como apoiaram diligentemente os dois governos de Fernando Henrique Cardoso. Como bons partidos de adesão, seja no governo, seja na eleição, esses partidos acorrem aonde o poder está - e pode lhes retribuir. Por esta razão, eles não são antípodas de ninguém; pelo contrário, dispõem-se a ser aliados de qualquer um.
Nesse sentido, o malufismo - entendido como um movimento ideológico de direita, capitaneado por um líder político eleitoralmente forte - está morto. Com isto, Maluf é hoje o símbolo de um conservadorismo pretérito e de uma pilha de processos, mas é também uma liderança dominante na seção local de seu partido. Similar ao que foi Quércia no PMDB paulista, desde o início do primeiro governo estadual tucano até sua morte.
O fim do malufismo em São Paulo e o declínio pronunciado das lideranças tradicionais da direita país afora deixaram órfão um certo eleitor: aquele que repugna a esquerda e tudo o que associa à "desordem" por ela patrocinada. No que o PT se tornou, ao logo dos anos 80 e 90, a principal agremiação da esquerda, seus antípodas ideológicos colhiam facilmente o voto desse eleitorado direitista - assim, o PT ganhava com o antimalufismo, mas Maluf também ganhava com o antipetismo. Em virtude do declínio político e/ou a conversão ao adesismo puro e simples dos líderes direitistas tradicionais, ao mesmo tempo em que o PT se fortalecia ainda mais, esse eleitor passou a procurar uma nova alternativa. Nisso, cresceu o voto conservador naquele que se tornou o novo antagonista do PT (e, por consequência, da esquerda): o PSDB.
É irônico este desfecho, já que o PSDB surgiu ele mesmo de uma cisão à esquerda no velho PMDB (em boa medida num conflito com o quercismo em São Paulo) e durante alguns anos as afinidades ideológicas entre tucanos e petistas eram patentes. Contudo, a competição eleitoral levou-os mais e mais à polarização e, na busca dos eleitores, a redefinição dos campos ideológicos reforçou-se.
No que o PT, vitorioso nacionalmente, caminhou para o centro, empurrou o PSDB para a direita. Este duplo movimento veio acompanhado do realinhamento não só de eleitores, mas também da opinião pública: publicistas de lado a lado, principalmente na "blogosfera", alinharam-se à nova polarização, reforçando-a e acendendo os ânimos ideológicos do debate. A foto de Lula com Maluf importa muito menos que isto.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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