A eleição em São Paulo tem alcance nacional não apenas por colocar um novo ator
no centro da cena, mas também por ser capaz de processar modificações nos jogos
partidários; influir em futuras disputas. No compasso da espera desta eleição,
não se pode afirmar quem a vencerá: pesquisa é pesquisa, voto é voto. Mas é
possível diminuir a ansiedade discutindo o alcance de eventual vitória de um ou
de outro candidato.
A vitória de Fernando Haddad moverá placas tectônicas sob solo petista.
Haddad não representa o PT tradicional. Seu PT não é dos movimentos,
parlamentos, sindicatos ou sacristias; menos ainda da máquina burocrática que
se conformou. É um professor universitário que se fez político pela via da
administração no governo federal. Possui outra racionalidade, é pouco
ideológico; não se confunde com oligarquias, grupos e esquemas de
financiamento. Claro, prefeito, terá que compor, mas é pouco provável que se
faça refém, como se deu com Marta Suplicy.
Haddad foi intervenção de Lula em um PT desgastado, capaz comprometer o
governo federal e a eleição de 2014. É, aliás, sua segunda intervenção - a
primeira foi Dilma -, resultado do temor de entregar o poder real dos governos
à burocracia partidária, com suas mazelas. Poder mais consistente que o
figurativo dos corredores, das cizânias entre grupos, indivíduos e ideologias
do partido; poder que requer pragmatismo, pois exige resultados. Lula aprendeu
isso; é sua realpolitik.
Os indícios estão no governo Dilma. Lá, os mais relevantes ministérios não
são resultado de indicações dos conclaves petistas; seus titulares possuem
autonomia em relação à burocracia e são, antes, escolhas da presidente; não do
partido. O PT de São Paulo, por exemplo, foi colocado de canto. Os petistas lá
presentes por essa via estão na periferia, não no centro nervoso do governo. A
grande parte dos ministros paulistas, antes de tudo, é lulista e ou dilmista.
Se vier a seguir a lógica dos padrinhos, como parece lógico, a eleição de
Haddad pode significar o enfraquecimento da velha militância - não mais
militante, mas profissional - e dos caciques e famílias desgastados pela
corrosão do tempo e dos métodos. Seria o encerramento de um ciclo geracional
iniciado na fundação do partido, naturalmente debilitado pelo julgamento do
mensalão. É razoável imaginar uma renovação, cujos efeitos possam pesar nas
articulações de 2014 e 2018.
Também no PSDB, a eleição de José Serra implicará redefinições. Prefeito,
confirmará a perspectiva de poder que sempre lhe cerca, origem do fascínio que
emana. Talhado ao poder, sabe exercê-lo na perspectiva de seu projeto e não
abre mão de influenciar pessoas, grupos e governos, quando não de dirigi-los
diretamente. É legítimo que queira manter-se. Soube desde sempre que esta
eleição era sua única chance - antes, até mesmo a presidência da Fundação
Teotônio Vilela lhe fora negada.
É pouco provável que, para além da propaganda do adversário, Serra realmente
abandone o eventual mandato na prefeitura para se candidatar ao governo do
Estado ou à Presidência da República. Após tudo o que passou na campanha, sabe
que não haveria condições, a não ser por circunstâncias extraordinárias.
Todavia, o controle de uma máquina do tamanho da capital de São Paulo lhe
traria poder suficiente para continuar a intervir com vigor no partido;
influenciar linhas gerais, na oposição, nas campanhas eleitorais de 2014 aos diversos
governos de Estado e à Presidência. Na eventualidade de vitórias, influenciar
os governos.
Nesta quadra de espera, são duas as perspectivas e dois os projetos. Um será
colocado em andamento imediatamente após a divulgação dos resultados das
pesquisas de boca de urna. Outro, não terá passado de hipótese. Mas, como disse
o poeta, vida é luta renhida; se vencer, Serra continuará na lida. Se perder,
não se sabe... Já para Fernando Haddad, ganhando ou perdendo, a liça começa
agora.
Carlos Melo - cientista político, professor do Insper
Fonte: O Estado de S. Paulo
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