As desconfianças da classe política e empresarial em relação ao estilo da presidente Dilma Rousseff, somadas à perda de força eleitoral do Bolsa Família, formam uma mistura tão perigosa quanto beber e dirigir
Para os petistas que se dedicaram à leitura dos jornais no último fim de semana, a pior notícia foi que o Bolsa Família vem perdendo força eleitoral, conforme demonstrou a reportagem de Paulo de Tarso Lyra, Renata Mariz e Étore Medeiros, nas páginas dos Diários Associados. Especialmente, agora, num momento em que a economia dá alguns sinais preocupantes, o partido esperava contar com o prestígio de seus programas sociais para obtenção de votos.
Mesmo aqueles que se mostram mais tranquilos depois da pesquisa do Datafolha — em que a presidente Dilma surgiu com intenções de voto acima de 40% — estão preocupados com a queda de influência eleitoral do programa. Isso significa, na avaliação de muitos, que a população absorveu o Bolsa Família e agora quer mais. E esse “querer mais” pode levar o eleitor a outras opções partidárias. Por enquanto, isso ainda não ocorreu, mas nada nas pesquisas feitas até agora garante a permanência da maioria do eleitorado no mesmo lugar daqui a um ano. E isso incomoda o PT sob vários aspectos.
Um desses aspectos é a política. Os petistas sabem que a maioria da base aliada não gosta do jeitão da presidente. Os partidos só estão com ela hoje porque sabem que o eleitor está. No momento em que o eleitor olhar para o outro lado, será a hora de a classe política dar “tchau, Dilma”, pois, da mesma forma que o PT se incomoda com a perda de força eleitoral do Bolsa Família, os políticos se incomodam e muito com uma presidente que mal os recebe e tem pouco diálogo.
É bem verdade que a presidente tem mudado o jeitão. Ela recebe os aliados, conversa. Nos últimos tempos, tem ouvido bastante, por exemplo, o vice-presidente Michel Temer, e dedicado mais atenção à base. Além disso, tem maioria e se sai bem em público, caso dos taxistas na semana passada.
Ocorre que, do ponto de vista dos políticos, isso é apenas jogo de cena. O raciocínio deles é o de que, se Dilma levou três anos para prestar atenção à classe política e, ainda assim, não são raras as vezes em que faz pouco caso dos partidos e dos aliados, “imagine como não será se ela se reeleger”? Essa é a pergunta que a maioria da base aliada hoje faz a si própria. Quem tiver curiosidade e tempo para conversar com os aliados da presidente ouvirá esse questionamento dezenas de vezes, inclusive dos petistas.
A maioria deles acredita que Dilma, se reeleita, “dará uma banana” para os congressistas, fará tudo da cabeça dela sem a menor atenção, seja com a classe política seja com a classe empresarial.
Por falar em empresários...
O partido anda meio nervoso também em relação ao empresariado. Há alguns dias, um petista ilustre me disse que os empresários estão muito incomodados porque Dilma simplesmente não quer que eles ganhem dinheiro. Se dependesse dela, trabalhariam sem margem de lucro. Para completar, os empresários reclamam ainda da insegurança jurídica em vários setores, especialmente, energia, onde as regras do jogo mudaram e toda mudança que pareça maior intervenção estatal termina afastando os investidores.
Diante de tantos incômodos e a certeza de que a oposição está a mil por hora tentando desconstruir a imagem do partido, surgirá nos próximos dias alguma pressão para que Dilma assine uma carta aos brasileiros, mais necessariamente aos políticos, no sentido de deixar claro que não pretende isolar a sua maioria num segundo governo. Se houver o menor sinal de que os congressistas devem ser mantidos em terceiro plano no futuro governo, a diáspora virá, ainda que de maneira silenciosa, no sentido de tentar minar a popularidade presidencial. E esse jeito é o mais perigoso, porque aquele que está no poder custa a perceber.
No momento, a conclusão de muitos petistas é a de que esses ingredientes, somados à perda de influência do Bolsa Família, representam uma mistura tão perigosa quanto beber e dirigir. Embora, muitas vezes, o sujeito chegue em casa inteiro, o risco de acidente não está descartado.
Fonte: Correio Braziliense
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