- O Globo
Nunca houve uma eleição como esta. O drama da morte de Eduardo Campos, as reviravoltas vividas por Marina, as oscilações das intenções de voto em Aécio que caíram, subiram, passaram a presidente Dilma e diminuíram na reta final. Pareceu thriller, filme de ação, e era só um país votando, como sempre acontece a cada quatro anos. Uma grande democracia vivendo seu momento de escolha.
Poderia ter sido bom, mas o país sai com sequelas da eleição. Não pelo resultado, mas pelo processo. A polarização em um segundo turno é normal e tem como consequência a formação de dois grupos com musculatura para assumir os papéis definidos pelo eleitor: um governará legitimado pelas urnas e ao outro será entregue o papel de oposição, fundamental em qualquer democracia.
Houve, infelizmente, pouco espaço para discutir propostas e ideias. E o país precisava deste debate. Vive uma grave crise econômica, um crescente passivo no setor elétrico e sua maior empresa está sangrando em praça pública. Mas a presidente não apresentou suas ideias de como enfrentar a crise, negou sua existência e todas as propostas feitas pelos candidatos de oposição foram distorcidas na publicidade oficial. O Banco Central independente viraria falta de comida para o povo; a derrubada da inflação elevaria o desemprego; a redução do papel dos bancos públicos seria o fim de programas habitacionais.
A presidente Dilma não quis falar sério sobre economia e sua campanha impediu qualquer tentativa de procurar saídas para os reais problemas do país.
Os métodos do marketing da presidente Dilma foram eficientes do ponto de vista eleitoral, tanto que ela chega hoje no lugar de favorita, mas enfraqueceram a democracia. A estratégia do marqueteiro João Santana foi a de fazer ataques violentos e sistemáticos a tal ponto que ao oponente só restasse se defender.
Marina teve que explicar que não era um novo Collor, que não acabaria com o Bolsa Família, que não entregaria o país aos banqueiros, entre outras barbaridades. Aécio teve que enfrentar estas e outras acusações descabidas e ataques à sua vida pessoal. Em 1989, Collor dizia que Lula planejava desapropriar a poupança das famílias. Agora, o governo disse que Marina e Aécio acabariam com o Bolsa Família.
Não houve o cenário previsto pelo marqueteiro João Santana: o de Dilma flanar no Olimpo enquanto os “anões” se atracariam. Os oponentes cresceram, fizeram alianças e a presidente teve que baixar o nível da campanha a um ponto que só se assemelha — de novo — ao que ocorreu em 1989, em que as insinuações ou ataques diretos à vida pessoal desestabilizaram Lula no último debate.
O país retrocedeu na qualidade das políticas sociais. O sonho das últimas décadas era acabar com o assistencialismo e a prática obsoleta de apresentar políticas sociais como benemerência dos governantes. Os programas voltados para os pobres passaram a ser direitos do cidadão.
Esse avanço foi desfeito. Em um debate, a presidente Dilma bateu no peito e disse “a minha Bolsa Família”. O dinheiro é dos contribuintes, a escolha de reduzir a pobreza e a miséria foi da sociedade brasileira e a tecnologia do programa foi desenvolvida pelo país. O caminho era o de dar certeza aos pobres que eles têm direito à rede de assistência social e às transferências de renda. Nesta eleição, eleitores beneficiários da política foram clara e diretamente chantageados de perder o benefício caso votassem na oposição. Em que isso se diferencia daquela velha política dos coronéis que imperou nos grotões e nas vilas dos confins? Em nada! Em um eventual segundo mandato de Dilma Rousseff nada salva o Bolsa Família da degradação assistencialista.
O TSE se omitiu nesse vale-tudo e termina a eleição menor do que começou. Falou tarde e fez acusação genérica sobre o baixo nível. O percentual de brancos e nulos cresceu, após um período em que estava em queda. Mais relevante: foi desperdiçado o tempo para debater o futuro, que reserva desafios cada vez mais difíceis para o Brasil.
Seja qual for o resultado da eleição haverá muito trabalho a fazer para limpar o lixo eleitoral, consertar os estragos, impedir os retrocessos e preparar o país para avançar em direção ao futuro nos próximos anos.
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