sábado, 6 de agosto de 2016

Depois da festa – Editorial / O Estado de S. Paulo

Começaram ontem os primeiros Jogos Olímpicos realizados em solo brasileiro. É uma grande honra para o País receber esse evento extraordinário, que mobiliza bilhões de espectadores e lança sobre a sede as atenções do mundo inteiro. Para os atletas e os turistas que participarem dessa que é a maior festa do esporte, certamente a experiência será inesquecível e, provavelmente, sem grandes incidentes, porque a organização das competições, a cargo de experientes entidades privadas, costuma ser impecável. Contudo, para os brasileiros, que daqui não sairão ao final da Olimpíada e terão de conviver com os problemas de sempre, o chamado “legado” dos Jogos é obviamente muito mais importante do que as pouco mais de duas semanas de disputa e confraternização. E a realidade é que, como de hábito, se prometeu muito mais do que o País será capaz de entregar.

Já no discurso em que defendeu a candidatura do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada, em outubro de 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva mencionou esse “legado” e bradou: “Chegou a nossa hora. Chegou!”. Como sempre, o petista não perdeu a chance de explorar a ocasião para fazer propaganda de seu governo e acabou por vincular uma coisa à outra: se o Rio fosse escolhido para receber os Jogos, tanto a realização da competição como as obras de infraestrutura e de mobilidade seriam, antes de tudo, conquistas pessoais de Lula.


Desde o nascedouro desse projeto ambicioso, portanto, os petistas e seus associados tentaram criar um vínculo da Olimpíada do Rio de Janeiro com Lula, como se a escolha da cidade brasileira fosse o reconhecimento mundial da revolução social e econômica que o ex-sindicalista pensava estar liderando no País. E, claro, seria a chance desse “novo” Brasil de provar que, sob a liderança do petista, poderia desafiar os incrédulos: “Os que pensam que o Brasil não tem condições de receber os Jogos vão se surpreender”, discursou Lula após a escolha do Rio. “Finalmente o mundo reconheceu a hora e a vez do Brasil.”

Como hoje os brasileiros começam a perceber, da maneira mais traumática possível, a revolução prometida por Lula estava assentada em grossa corrupção e em incompetência cavalar. As promessas revelaram-se embustes. A arrogância deu lugar à vergonha. Assim, a alegria proporcionada pela escolha do Rio como sede olímpica converteu-se rapidamente em receio de ver o País ser motivo de vergonha planetária.

Razões não faltaram, a começar pela poluição da Baía de Guanabara e pela epidemia de zika, para citar apenas dois dos maiores focos da imprensa estrangeira na cobertura da preparação do Rio para a Olimpíada. As obras destinadas às competições ficaram prontas a tempo, mas isso só aconteceu porque o Comitê Olímpico Internacional, quando percebeu que era real o risco de atraso, mandou para o Rio um interventor, responsável por coordenar os projetos. Ademais, os grandes investimentos prometidos por Lula e companhia para transformar o Brasil em potência olímpica não passaram de lorota.

Tudo isso, somado à imensa crise econômica, política e moral que o País atravessa, acabou por fazer da Olimpíada não um sonho, mas um estorvo. Não foram poucos os correspondentes estrangeiros que se surpreenderam com o clima de pessimismo e desalento dos brasileiros às vésperas dos Jogos, algo nunca visto em outras edições da competição.

Mas eis que, enfim, chegou a hora da Olimpíada e muito provavelmente o clima de prostração dos brasileiros dará lugar, ao menos momentaneamente, a um genuíno interesse pelo evento em si e pela festa proporcionada pela vinda dos maiores atletas do mundo ao Brasil. Passado esse momento, porém, teremos de voltar de imediato ao doloroso exame de nossas mazelas, e muito provavelmente concluiremos que a Olimpíada pode ter feito algum bem para o Rio de Janeiro, mas pouco significado teve para o Brasil. A menos que se considere positiva a comprovação de que algumas autoridades cultivam como qualidades a demagogia e o improviso.

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