Na última semana, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) mais uma vez se engalfinharam em praça pública, enquanto o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, assestou suas baterias na direção do Congresso Nacional, transformado no vilão da crise moral que permeia as instituições. O momento delicado por que passa o país exige mais serenidade e humildade dos homens públicos. O nível de esgarçamento nos Poderes - e entre eles - atingiu níveis intoleráveis.
Não é a primeira vez que uma artimanha surpreende em julgamento do STF. Há poucos dias, o tribunal julgava se réus na Justiça podem ou não assumir a Presidência da República. O alvo original do Rede, partido autor da representação, era o ex-deputado Eduardo Cunha, que até perder o mandato era o segundo na linha sucessória da Presidência da República. O segundo agora é Renan Calheiros, presidente do Senado. O STF caminhava para aceitar a representação, quando o ministro Dias Toffoli resolveu pedir vistas ao processo.
O pedido de vistas de Toffoli ajudava, de certa forma, o governo, pois adiava uma decisão que contrariava Renan Calheiros, um aliado incômodo, mas importante para o presidente Michel Temer aprovar as reformas econômicas no Senado. Em condições normais de temperatura, o julgamento seria interrompido sem que ficasse explícita a maioria do tribunal. O decano da corte, ministro Celso de Mello, no entanto, resolveu contra-atacar com outra chicana e antecipou seu voto estabelecendo a maioria. Um constrangimento só.
O fato voltou a se repetir na última quarta-feira, desta vez envolvendo dois ministros de rixa antiga - Gilmar Mendes, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Ricardo Lewandowski, ex-presidente da Corte Suprema. Mendes pediu vistas de um processo depois de já ter proferido seu voto sobre a incidência ou não de contribuição previdenciária sobre adicionais e gratificações temporárias. Também não é usual, tanto que Lewandowski reagiu e classificou o pedido de "heterodoxo". Mendes rebateu, apoiado pela presidente do Supremo, ministra Carmen Lúcia, lembrando que os votos podem ser alterados até o final do julgamento, e que heterodoxa fora a decisão de Lewandowski que salvou os direitos políticos de Dilma Rousseff na votação do impeachment.
Atitudes como essas desgastam o Poder Judiciário, o que não é bom para o funcionamento harmônico das instituições, sobretudo porque o STF é quem dá a última palavra num momento de exacerbação política.
O esgarçamento da relação do Ministério Público Federal com o Congresso também é um desafio a ser enfrentado pelas duas instituições com tranquilidade, não com uma escalada das hostilidades. Um salto nessa escalada é a decisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de criar uma força-tarefa de 40 procuradores para acompanhar no Congresso a tramitação do projeto de lei que trata das dez medidas contra a corrupção e impedir tentativas de anistia à prática de caixa 2 em campanhas eleitorais.
Por que 40 procuradores, se um ou dois seriam suficientes? A decisão de Janot é o ponto culminante de uma ofensiva dos procuradores para pressionar o Congresso a votar as dez medidas de combate à corrupção nos termos desejados pelos procuradores, sem alterações numa votação que é prerrogativa do Parlamento. O Congresso sabe muito bem por que está apanhando, por isso hoje é um poder acovardado, presa fácil de outras instituições interessadas em ampliar o próprio poder. Mas o radicalismo não interessa à maioria, só a grupelhos como aquele que invadiu a Câmara dos Deputados na semana passada, que se sentem estimulados pela perda de autoridade das instituições.
Entre as dez medidas de combate à corrupção há coisas boas, mas também há outras que partem do pressuposto da infalibilidade do Ministério Público. Não é o caso. A proposta para a tipificação do caixa 2 nas campanhas eleitorais é dos procuradores, apoiada por mais de 2 milhões de brasileiros. A decisão é dos deputados e senadores. Se o projeto for aprovado como foi enviado ao Congresso, caberá depois ao Judiciário decidir se crimes de caixa 2 praticados antes da vigência da lei são passíveis ou não de punição. À sociedade cabe cobrar de seus representantes que não fiquem impunes crimes como os que quase destruíram a Petrobras. A intimidação não é uma boa política.
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