- Valor Econômico
Primeiro ato do novo governo seria a "PEC do compromisso"
O governo deve deixar duas bombas relógio para o próximo presidente da República, segundo prevê o ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa: o teto do gasto público, que sem a reforma da previdência ficará difícil de se cumprir; e a regra de ouro da política fiscal, que impede a União de emitir dívida em montante superior aos investimentos. Ou seja, o governo não pode expandir a dívida pública para financiar despesas correntes, sob pena de incorrer em crime e ficar sujeito a processo de "impeachment". Este ano o "buraco" decorrente da "regra de ouro" é estimado em R$ 208 bilhões.
Para que o presidente eleito em outubro não cometa crime fiscal logo no início do seu mandato, Barbosa sugere como primeira medida o envio, para o Congresso, de uma proposta de emenda constitucional que ele chama de "PEC do Compromisso". Nela se resolveria, de uma só penada, as mudanças do teto e da "regra de ouro", a reforma da previdência e a desvinculação geral do orçamento.
Ele propõe que a PEC altere o teto do gasto público do congelamento dos valores reais por dez anos prorrogáveis, como é hoje, para um limite de despesa estabelecido a cada quatro anos. "E vamos discutir qual é esse teto, ok? Mas, para isso, tem que ter reforma da Previdência, tem que regulamentar o teto remuneratório do setor público e tem que rever todas as vinculações que hoje engessam orçamento", disse.
Barbosa é um dos economistas que, no Instituto Lula, debate o programa de governo do PT para uma suposta candidatura do ex-presidente Lula ou de alguém que ele vier a indicar, caso seja impedido de concorrer. Como o programa está sob coordenação do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o ex-ministro deixou claro que nessa conversa ele expressa as suas opiniões.
"Acho que agora caiu a ficha para o PT", observou ele. "O pessoal já sabe que tem que fazer a reforma da Previdência, sabe que tem que fazer reformas".
Sem avançar na reforma da previdência e na ausência de outras medidas duradouras de contenção do gasto público, o governo Temer deixa "uma total inconsistência entre metas e regras" que, segundo ele, pode produzir a anomalia citada acima, de o próximo presidente, sem ter tomado qualquer medida, ser criminalizado por descumprir a regra de ouro que consta da Constituição.
Barbosa defende que tudo seja encaminhado na mesma PEC, para que ela não se caracterize só por medidas duras ou por flexibilizações. "Uma medida puramente de esquerda seria revogar o teto e depois a gente vê o que faz, mas a chance de aprovação é pequena e o risco de desestabilização é muito grande. Uma proposta somente de direita - mais corte, mais arrocho, sem mudar nenhuma regra - inviabiliza o próximo governo, porque ele não vai conseguir cumprir a regra nos primeiros três meses".
A opção, para o ex-ministro, que se define como sendo da ala moderada do PT, seria montar uma alternativa balanceada que promova uma grande reorganização das finanças públicas. "Todos falam do sucesso do PSDB, mas se esquecem que (o ex-presidente) Fernando Henrique, antes de adotar o tripé macroeconômico, fez uma grande rearrumação com a privatização e a estatização das dívidas dos Estados e municípios", citou.
Se para o PT "a ficha caiu", isso não significa que o partido apoiaria a reforma da Previdência proposta por Temer. Os que concordam que a Previdência é insustentável, o discurso político é o da falta de legitimidade do atual governo para implementá-la.
Barbosa acredita que qualquer proposta para arrumar as contas da previdência terá que ter quatro pilares: idade mínima que ele proporia crescente na medida do envelhecimento populacional, aumento do tempo de contribuição; alinhamento entre as aposentadorias do setor público e setor privado e recuperação da arrecadação com aumento da contribuição. O que pode variar é a velocidade e a sequência.
Não há como fugir disso e de uma reforma da tributação que aumente a progressividade sobre pessoa física, defende Barbosa. "Uma coisa que todos concordam, da esquerda à direita, é quanto a 'pejotização'. A Receita Federal trabalha nisso há muito tempo e é mais ou menos assim: sobre o lucro que for distribuído acima do presumido, o contribuinte paga uma alíquota adicional corretiva de 15%". O imposto sobre herança é mais ideológico e ele menciona a proposta que enviou ao Congresso, onde está engavetada, de tributar heranças acima de R$ 5 milhões. Isso atingiria só 2 mil pessoas no Brasil e renderia modestos 0,1% do PIB, mas carrega um caráter simbólico, disse. Já a do PIS/Cofins não é de direita nem de esquerda, "é a reforma necessária", citou.
Há, ainda, a "reforma inevitável" para adequar o Brasil ao novo padrão tributário iniciado pelos Estados Unidos e que deverá ser seguido pelos demais. Está em curso, disse Barbosa, "uma guerra fiscal mundial que o Trump (presidente dos EUA) escancarou". Até 2022, último ano do mandato do próximo presidente, o Brasil terá que se adequar a esse novo modelo de tributação que o mundo persegue, menos centrado nas empresas e mais na pessoa física, sob pena de haver um êxodo das sedes de empresas brasileiras para outros países por motivos fiscais.
Por fim e não menos importante está a reforma da folha de salários do funcionalismo e o cumprimento do teto remuneratório. A remuneração do servidor hoje é "uma bagunça", comentou Barbosa. É preciso um mínimo de racionalidade para que o critério não seja o de ganhar mais a corporação que conseguir gritar mais alto.
Para ele a sequência de reformas deveria ser primeiro a da Previdência e em seguida a da folha de salários. Somadas elas representam quase 75% do gasto primário da União e respondem pelo forte desequilíbrio das finanças dos Estados e municípios.
Como resultado do afrouxamento do teto para o gasto, a dívida pública subiria mais, mas isso não traria grandes transtornos, na sua avaliação, porque a solução estaria colocada logo à frente.
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