- Valor Econômico
Há gente que não trata política como ciência exata
Em sua longa entrevista de seis horas ao Valor, na semana passada, o economista Paulo Guedes, atual guru econômico de Jair Bolsonaro, lança uma advertência: a mídia, os mais sofisticados analistas políticos, a elite empresarial e partidária, não estão entendendo o que se passa no país. Gasta-se um imenso tempo na radiografia da candidatura de Geraldo Alckmin, na tentativa de se identificar as verdadeiras intenções de Rodrigo Maia e Michel Temer, na aposta em qual será a legenda a que Henrique Meirelles irá se filiar.
Fica o desafio para qualquer um: passar o dia no Viaduto do Chá, em São Paulo, ou na Praça do Ferreira, em Fortaleza, e encontrar ao menos um eleitor de Rodrigo Maia, ou de Meirelles, ou mesmo de Temer. Os de Alckmin sim existem, mas são poucos. Todos juntos ficam aquém da metade das intenções de voto de Bolsonaro.
Na sua tentativa de "racionalizar o caos", como diz, Guedes afirma que estão subestimando o humor da sociedade, o mal-estar da civilização brasileira, o fastio com a classe política e o nervosismo com o fato de que nada mais é sólido. Seja religião, seja a estabilidade econômica, seja a certeza de chegar são e salvo em casa, seja manter intocado o castelo de certezas de cada um. Não entenderam em 2013, não entendem agora.
Quem parte deste entendimento pensa que isto é mais forte do que a aritmética da ciência política: ganha eleição no Brasil quem concentra estrutura partidária, o que torna possível monopolizar o horário de rádio e televisão e montar uma malha de candidatos que funcionem como cabos eleitorais.
Partindo dessas premissas, é inescapável a conclusão entre os que tomam a política como ciência exata de que Geraldo Alckmin tornar-se-ia imbatível se conseguisse o apoio do MDB e do DEM. Os matemáticos da ciência política possuem, além dessa, outra certeza: a de que não é à toa que se fala em crise de representatividade na via eleitoral. As eleições não traduziriam o sentimento das ruas.
Por este raciocínio, a escolha não existe. A dobrada à moda do porto nunca se come fria, como ensinou a um garçom o heterônimo Álvaro de Campos em um poema de Fernando Pessoa. Mas o prato não foi trocado, o poeta teve que se conformar, pagou a conta e não comeu. Não tem tu, vai tu mesmo, e Geraldo Alckmin é o que temos para hoje.
Não parece ser esta a premissa de Paulo Guedes, que em algum momento do ano passado acorreu a Luciano Huck para avisar o apresentador de que um tsunami iria bater em sua porta. O economista depois aderiu a outro candidato, mas o apresentador nunca mais teve paz na vida.
Huck seria um movimento organizado diante de uma negação da política tradicional. Seria a resposta do sistema a uma demanda pelo antissistema. Um antídoto à resposta desorganizada, chamada Jair Messias Bolsonaro.
Mas não apenas a Bolsonaro. No campo da esquerda, um outro espectro paira no horizonte do establishment, no cenário pós-Lula: Ciro Gomes.
O ex-governador do Ceará não é mais visto como um figurante pelos leitores atentos das pesquisas. No universo dos formuladores da candidatura Huck, um cenário confrontando Bolsonaro contra Ciro no segundo turno é visto como o quadro mais provável.
Ciro e seu irmão Cid foram protagonistas de gestões regionais relativamente exitosas. Está circunstancialmente na esquerda, mas não é um esquerdista. Transitou numa ampla faixa, onde tanto dialogou com Caetano Veloso como com Olavo de Carvalho, mas suas múltiplas arestas construíram a imagem de um político perigosamente imprevisível. Ou previsível na sua mercurialidade. Provoca desconfianças à esquerda e à direita.
O que há de concreto é que Ciro reposicionaria no debate o papel do Estado, para ele ainda importante na economia. Foi-se o tempo em que Ciro procurava escutar Alexandre Scheinkman e Marcos Lisboa. A agenda perdida que Ciro tenta encontrar, ao que tudo indica, não é mais aquela. Um segundo turno entre Ciro e Bolsonaro tenderia a favorecer o primeiro, mas a questão não é essa. A questão é que esta perspectiva provoca pesadelos no meio empresarial. Certamente maiores se a disjuntiva fosse entre Lula e Alckmin.
Rio de Janeiro
O Carnaval não acabou no Rio de Janeiro e não acabará tão cedo. Vive-se ainda um instante um tanto diversionista, ainda longe do encaminhamento de soluções concretas. Estamos no momento no dia 13 da intervenção federal na área de segurança do Estado e o interventor ainda está a dever um plano que justificasse medida tão drástica.
Professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e conselheiro federal da OAB, o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro lembra que há vários mecanismos para a integração de esforços entre o plano federal e o estadual no combate à violência urbana. "Suprimir a autonomia estadual não é algo vulgar. É sempre um trauma. Não se altera o pacto federativo assim", queixou-se, para concluir: " a intervenção é a evidência concreta da falta de institucionalidade no Brasil e da insuficiência do aparelho do Estado".
As linhas de crédito de R$ 42 bilhões para os Estados aplicarem em segurança nos próximos cinco anos, anunciadas ontem, não chegam a ser um sinal desalentador, bem ou mal são um passo para construir a razão de ser do ministério comandado por Raul Jungmann, mas são insuficientes, seja pelo valor, seja pela forma que foi anunciado para o auxílio.
Um dos eixos centrais da crise de segurança está na falência dos que tem a responsabilidade por geri-la, e a falência dos Estados é algo que está sendo construída de forma lenta e consistente, em administrações sucessivas
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