Por Cristiane Agostine | Valor Econômico
SÃO PAULO - A esquerda deve aprender "a somar e multiplicar", em vez de só "se dividir e diminuir", de acordo com o advogado argentino Adolfo Perez Esquivel, prêmio Nobel da Paz de 1980. Esse seria o único modo deter o que ele chama de "monocultura das mentes", uma onda conservadora que, em sua visão, estaria associando em toda a América Latina e de forma orquestrada a esquerda com a corrupção.
Referência internacional na defesa dos Direitos Humanos, Perez Esquivel reuniu-se com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 3, no instituto do ex-presidente, três dias antes de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negar o pedido de um habeas corpus preventivo para o petista. No encontro, pediu informações sobre os dois mandatos do petista para indicá-lo ao Prêmio Nobel da Paz, o que poderia ampliar a repercussão no exterior da condenação judicial sofrida por Lula em segunda instância, que, caso mantida, o inabilita a participar da eleição e o sujeita à prisão.
Esquivel diz ter ficado surpreso com a fraca reação popular contrária não só ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, mas também à condenação em segunda instância de Lula, em janeiro.
"Me assombrou muito o fato de ter havido uma certa reação, mas não a suficiente", diz, em referência ao impeachment e à condenação. "É preciso pensar em como [a esquerda pode] chegar a acordos e consensos, não os ideais, mas os possíveis. Se é que querem resgatar os espaços de liberdade e de participação social, cultural, política", diz, em entrevista ao Valor, em São Paulo.
O ativista acompanhou de perto a votação do impeachment de Dilma e, ao discursar no Senado, criticou o processo como golpe. Também tem se informado sobre os processos envolvendo Lula. Para Esquivel, o enfraquecimento da esquerda no Brasil, com os escândalos de corrupção e a condenação do principal líder político do grupo, tem reflexo e " forte influência" em toda a América Latina, que também enfrenta dificuldades para se contrapor a partidos e grupos políticos conservadores.
"Há uma tentativa de recolonização continental e de concentrar o poder em poucas mãos", afirma. O ativista cita a deposição dos ex-presidentes Fernando Lugo, do Paraguai, em 2012, e Manuel Zelaya, de Honduras, em 2009, como parte desse processo.
Esquivel é argentino e lutou contra o regime militar que imperou no país entre 1976 e 1983. Nos anos 70, fundou a entidade Serviço, Paz e Justiça, de defesa dos direitos humanos e resistência não-violenta ao regime militar da Argentina e às ditaduras da América do Sul. Uma das principais vozes do movimento pacifista na região, foi preso por questões políticas entre 1977 e 1979. A repercussão de seu trabalho fez com que ganhasse o Prêmio Nobel da Paz em 1980.
O ativista compara o processo jurídico enfrentado por Lula ao da ex-presidente da Argentina e senadora Cristina Kirchner.
A ex-presidente enfrenta duas ofensivas judiciais que podem levar à cassação de seu mandato e até mesmo à sua prisão. Já foram presos três pilares do governo de Cristina: o vice-presidente Amado Boudou, acusado de enriquecimento ilícito, e dois ex-ministros, Julio De Vido e Carlos Zannini. O juiz Claudio Bonadio, que pediu a retirada do foro privilegiado da ex-presidente e a prisão dela, é chamado de "Sergio Moro argentino" por Esquivel. Assim como Lula, Cristina diz enfrentar uma aliança entre mídia, Justiça, Ministério Público e governo federal para retirá-la do cenário político. Opositora ao presidente Mauricio Macris, a ex-presidente pretende concorrer à Presidência da Argentina em 2019.
"Há uma campanha orquestrada para dizer que todas as esquerdas são corruptas, generalizar isso. É a monocultura das mentes, com a propagação da desesperança, da violência", afirma.
Esquivel evita falar sobre as denúncias de corrupção envolvendo tanto o governo Lula quanto o de Cristina e o impacto dessas irregularidades sobre a imagem que a população tem dos dois ex-presidentes. Para o ativista, é preciso fazer um balanço das ações sociais do governo e considerar o crescimento da renda da população mais carente.
"Não somos uma sociedade de anjos, mas de homens e mulheres com virtudes e defeitos. Todo governo pode cometer erros, mas o importante é ver os aportes que fazem a seu povo", diz. "Não há governo perfeito. A população não dá conta dos avanços sociais, dos 30 milhões que saíram da pobreza extrema".
Para o ativista, há um certo conformismo com golpes de Estado na América Latina e com governos e parlamentares corruptos, " que se vendem ao capital". "Não podemos entregar todo o poder. É preciso construir uma democracia mais participativa, menos delegativa, onde o povo tenha algum tipo de ferramenta de controle", diz.
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