A despeito de limitações impostas pela Carta de 1988, é desejável que se avance na apuração
Como tantas outras coisas no Brasil, abre-se a distintas interpretações constitucionais a decisão sobre se é ou não possível submeter o presidente da República a uma investigação policial.
A questão dificilmente seria analisada em detalhe, por envolver hipótese relativamente remota, fossem outros os tempos e outros os ocupantes do poder.
Com um intervalo de poucos dias, entretanto, dois ministros do Supremo Tribunal Federal, por motivos distintos, autorizaram tais providências contra o presidente Michel Temer (MDB).
Edson Fachin tomou a medida levando em conta as suspeitas em torno de um jantar ocorrido em 2014, no Palácio do Jaburu, do qual participaram Temer, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, seu auxiliar Claudio Melo Filho e o emedebista Eliseu Padilha, atual ministro da Casa Civil.
Segundo as delações de Odebrecht e Melo Filho, acertou-se naquela ocasião o repasse ilícito de R$ 10 milhões, a serem divididos entre Padilha e o então candidato do MDB ao governo paulista, Paulo Skaf (presidente da federação das indústrias do estado).
Outro pedido de investigação, deferido agora pelo ministro Luís Roberto Barroso, incide sobre possíveis entendimentos entre empresários e Temer a propósito de um decreto renovando contratos de concessão de portos.
Para esclarecer o fato, Barroso autorizou a quebra dos sigilos bancário e telefônico do atual presidente, no período entre 2013 e 2017.
Sem contestar frontalmente essas iniciativas, o presidente encaminhou à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pareceres e observações que põem em dúvida sua constitucionalidade.
Argumenta-se que, sendo vedada pela Carta de 1988 a responsabilização de um chefe de governo por atos estranhos a seu mandato, as investigações teriam de aguardar a saída de Temer do governo.
Importaria seguir, aqui, a lógica geral da Constituição, que ao prever o foro privilegiado e um ritual próprio para o impeachment (que comporta investigações só depois de aberto o processo) busca preservar o pleno exercício de um mandato eletivo.
Na interpretação adotada por Barroso e Fachin, ainda que a responsabilização criminal do presidente não seja permitida, nada impede que, ao menos, sejam apuradas as circunstâncias de seu comportamento em casos tão suspeitos, além de expostos ao risco de eventual destruição de provas.
O interesse da sociedade se inclina, certamente, por esta última visão. Mesmo que incertas as possibilidades de revelar-se algo de concreto nos dois casos sob suspeita, a prática da impunidade e da proteção às altas figuras da política parece estar com os dias contados.
Ainda mais quando sobram, como é notório, sinais da convivência de Temer e seus mais importantes auxiliares —alguns dos quais já presos— com potentados confessos da propina e do financiamento irregular de campanhas eleitorais.
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