Um estudo internacional colocou o Brasil entre os sete países mais armados do mundo. Existem aqui oito armas para cada grupo de 100 habitantes. O país tem em circulação 16 milhões de armas — quase metade sem registro legal. Muitas foram desviadas de instituições oficiais como Forças Armadas e Polícia Militar. Parte é proveniente de roubos e furtos a pessoas físicas. Das armas apreendidas, 80% são de fabricação nacional.
O número prova que o contrabando não é o vetor mais importante no acesso às armas, apesar de ser significativo quando se trata especificamente de armas de alto impacto, como fuzis e metralhadoras.
Em movimento associado a tal corrida armamentista, nos últimos 25 anos, o percentual de homicídios no país cometidos com armas de fogo subiu de 40% para mais de 70% do total. Armas mataram quase 1 milhão de pessoas no período. Pesquisadores enxergam causa e efeito nesse quadro: mais armas tem sido a resposta ao aumento da insegurança pública, numa tentativa de autodefesa ante o insucesso de políticas públicas no combate ao crime. Em vez de derrubarem os índices de criminalidade, essas armas têm colaborado significativamente para seu aumento.
O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta semana decreto que facilita e amplia a concessão de porte de armas para um conjunto de 20 profissões, como políticos eleitos, servidores públicos que trabalham na área de segurança pública, advogados em atuação pública, caminhoneiros, oficiais de justiça, profissionais de imprensa que atuam em coberturas policiais e agentes de trânsito, entre outras categorias. Também são contemplados os moradores de propriedades rurais e os proprietários e dirigentes de clubes de tiro. As categorias listadas não precisarão comprovar “efetiva necessidade” para justificar a solicitação de porte à Polícia Federal.
A discussão sobre a restrição ou a ampliação do acesso ao uso de armas é político-econômica. Mexe com interesses fortes, tanto no campo ideológico quanto no empresarial. A legislação brasileira era até então uma das mais rigorosas do mundo para a concessão do registro e do porte de armas.
Em geral, os debates sobre o assunto partem do pressuposto de que o controle de armas pleno é possível. A evolução tecnológica — como a facilidade de acesso a impressoras 3D capazes de produzir armas de fogo reais — mostra que os problemas só se agigantarão em torno da regulação armamentista.
Quando houve o referendo sobre a proibição da venda de armas no Brasil, em 2005, 64% dos eleitores rejeitaram a medida. Se a proibição pura e simples da venda de armas deve ser descartada, em respeito ao referendo, há várias medidas de caráter legislativo que poderiam colaborar para a redução da criminalidade. Por exemplo, para o criminoso envolvido com arma de fogo, a progressão de sua pena (mudança de regime de fechado para semiaberto ou aberto) pode ser limitada ou vetada. Há formas jurídicas mais habilidosas e eficientes do que simplesmente proibir a venda de armas.
O Congresso tem sido atropelado — ora pela Justiça, ora pelos costumes — em suas funções por sua lerdeza legislativa. Responde geralmente rápido em casos de clamor popular. Não debateu de forma eficiente as vinculações entre o acesso a armas e o aumento da criminalidade.
De todo modo, se a intenção do decreto presidencial é atender à demanda de setores da população por mais segurança, os números permitem antecipar que terá sido um tiro inabilidoso no próprio pé.
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