- Folha de S. Paulo
Todo mundo agora pode andar armado —como se o Brasil já não fosse um grande tiroteio
Basta acordar escutando uma emissora de notícias. Operação militar esta madrugada no morro xis termina em tiroteio. PMs faziam patrulha quando foram atacados por traficantes. Na troca de tiros, morreram três traficantes, dois soldados e uma moradora de 90 anos a caminho da igreja. Você já ouviu essa notícia ontem, só que eram PMs contra milicianos. Vai ouvi-la de novo amanhã, de milicianos contra traficantes, e outra, no dia seguinte, de traficantes contra traficantes.
PM de folga, à paisana, é morto por bandidos ao sair de casa. Carro levando família de músicos é confundido com carro parecido, usado por bandidos que estavam sendo procurados, e fuzilado com 88 tiros pelo Exército. Grupo armado passa de carro e chacina 12 pessoas paradas no botequim da esquina. Particular é assaltado na rua e reage a tiros contra assaltante.
Bando de 30 pessoas em seis carros blindados derruba as grades, mata os seguranças e assalta fábrica de eletroeletrônicos. PM sai em perseguição pelas ruas do bairro e tiros atingem a população. Quadrilha armada intercepta caminhão na estrada e leva a carga. Jovem de 18 anos, portando granadas, fuzil e metralhadora, invade escola e mata dez ex-professores e colegas. Índios, padres, missionários e ecologistas recebidos a tiros por grileiros, agora com aval oficial.
Vereador do PPBB é assassinado em ação friamente planejada. Conflitos e tiros matam torcedores do time tal perto do estádio no clássico de ontem. Polícia estoura arsenal em apartamento de classe média no bairro assim-assado —ou seja, o seu simpático amigo do prédio era bandido e você não sabia. E, agora, qualquer um pode andar armado pelas ruas do Brasil e com a bala no pente.
Haja bala à solta neste país. É por isso que Jair Bolsonaro não dorme de touca. Dorme com uma arma na mesa de cabeceira. Talvez pelo nível de seus vizinhos naquele condomínio da Barra.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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