- Valor Econômico
O ministro da Justiça, Sergio Moro, seguiu um roteiro bem definido para se referir ao conteúdo das mensagens divulgadas pelo site “The Intercept Brasil”. Passou horas a fio na audiência com senadores, na Comissão de Constituição e Justiça, repetindo pelo menos quatro mantras: 1) as mensagens foram obtidas ilegalmente, por crime contínuo, com invasão a celulares por um hacker; 2) não se pode verificar a autenticidade do material publicado com sensacionalismo pelo site; 3) ele não agiu com parcialidade e não cometeu ilegalidades; 4) o Estado Democrático de Direito foi respeitado nos processos da Lava-Jato.
A cada indagação dos 40 senadores que fizeram perguntas e pontuações sobre o caso, Moro dava um jeito de encaixar um de seus mantras. Mas em audiências longas assim, no Congresso, no meio do calor político, sempre tem algo que escapa ao script.
O senador Cid Gomes (PDT-CE) foi um dos que denunciaram em público o tédio das respostas do ministro, mas aproveitou também para anunciar a ideia de se instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), segundo ele, para se apurar de forma isenta e imparcial duas questões sobre “a celeuma da Vaza-Jato”. Um aspecto seria investigar os responsáveis pelas invasões e propor medidas de segurança e garantia ao sigilo das comunicações. O outro aspecto, disse a Moro, seria investigar “se houve conluio entre o Judiciário e o Ministério Público, o que certamente compromete qualquer processo, o funcionamento do Estado Democrático de Direito e a democracia”. Moro limitou-se a dizer que a Polícia Federal já investiga o fato, com imparcialidade e isenção.
Coube ao senador Eduardo Braga (MDB-AM) jogar uma casca de banana em que Moro quase escorregou. Primeiro, o senador pediu ao ministro que explicasse porque divulgar o conteúdo de uma conversa sigilosa entre os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva é permitido, e divulgar as mensagens sigilosas entre ele e os procuradores não seria. Os casos são absolutamente distintos, reagiu Moro. “Ali [nos diálogos e Dilma e Lula] havia uma interceptação autorizada legalmente. Nada ali foi ocultado, nada ali foi liberado a conta-gotas. Aquele material poderia se verificar autenticidade a qualquer momento. Aqui [as mensagens que o envolvem] estamos falando de algo totalmente diferente. Algo disponibilizado de maneira opaca e sem a possibilidade de verificação de autenticidade”, argumentou Sergio Moro.
Depois, Braga indagou o ministro sobre seu entendimento em relação ao uso de provas ilícitas em processos, como era a interpretação disso no mundo jurídico. Moro citou o emblemático caso United States versus Léon, de 1984 [o ministro mencionou uma data equivocada, de 1986]. Neste julgamento, a Suprema Corte americana acatou o uso de provas obtidas em circunstâncias ilícitas. O policial, no caso em questão, obteve provas de maneira não lícita (um mandado de busca e apreensão invalidado posteriormente), mas agiu de boa fé, segundo o próprio Moro citou em audiência. Mas não cabe paralelo deste caso e deste entendimento jurídico, uma doutrina denominada “Limitação da Boa-Fé” (good faith exception).
“Não cabe paralelo. Temos aqui um crime em andamento. Foram hackeados procuradores, sabe Deus mais quem. Tentaram invadir meu terminal. Sai do Telegram há mais de um ano. A partir de seis meses, as mensagens são excluídas, mesmo da nuvem. Esse material não existe mais, em nenhum lugar”, assegurou o ministro.
O fato é que desde 1984 a Suprema Corte dos EUA considera admissível prova derivada de alguma violação constitucional, mas isso desde que ela tenha sido descoberta “inevitavelmente”, com investigações lícitas e não relacionada com a dita violação (Descoberta Inevitável).
Na próxima semana, o Supremo Tribunal Federal vai analisar a possível nulidade do julgamento de Lula e sua condenação pela Lava-Jato no caso do tríplex do Guarujá. As mensagens divulgadas pelo “The Intercept” certamente vão constar nas falas dos ministros e terão peso nas análises dos magistrados. A grande dúvida é se a Corte, com tradição majoritariamente garantista, de respeito às liberdades individuais e pela inviolabilidade de sigilos, vai levar em consideração as tais provas ilícitas. Porém, é uma dúvida no meio jurídico, em vários lugares do mundo, se uma prova obtida ilicitamente pode embasar uma acusação para, por exemplo, proteger a sociedade.
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