- Valor Econômico
A desigualdade é um veneno que dificulta a construção de uma agenda de reformas necessária ao crescimento
A busca do crescimento sustentável com baixa inflação tem sido ao longo dos anos o objetivo último a ser alcançado pelos estudos econômicos qualquer que seja a corrente de pensamento. Mais recentemente, depois do Consenso de Washington ter saído de moda, o mundo acadêmico internacional passou a apontar a distribuição de renda como um fator relevante para o desenvolvimento econômico. Não chega a ser uma novidade quando se olha para trás e se depara com escritos do final século XIX, quando a desigualdade já era tema importante dos estudiosos. A questão voltou ao debate com força depois da crise de 2008.
No Brasil, pode-se contar nos dedos os economistas que se dedicam desde sempre ao estudo da distribuição de renda. Além de poucos, foram um núcleo muito específico de especialistas na análise das estatísticas sociais.
A trajetória do economista Armínio Fraga Neto é diferente. De formação liberal, com expertise nas artimanhas do mundo financeiro, as preocupações do ex-presidente do Banco Central com respeito ao Brasil evoluíram de forma inusitada para os padrões nacionais em direção aos segmentos da esfera social. Em um país onde a polarização ideológica mantém-se ativa, a ponto de as pessoas serem rotuladas de forma pejorativa como “petistas” ou “esquerdistas” ao postularem pela qualidade na saúde, para ficar só nisso, o posicionamento recente de Armínio em defesa da melhor distribuição de renda não deixa de ser corajoso. Ele sabe que isso pode lhe render a alcunha de “esquerdista”, muito embora se considere um liberal progressista.
“Eu não tenho medo de ser estigmatizado”, disse ele à esta coluna. “O que não é possível”, complementa, “é continuar com o país que temos hoje, onde 80% do gasto fiscal geral vai para o funcionalismo público (despesas com pessoal) e para a previdência”. Portanto, a conta não fecha apenas do ponto de vista puramente aritmético, mas também pelos desequilíbrios na distribuição dos recursos, tendo em vista a redução dos investimentos em saúde, educação, segurança e infraestrutura.
Aqui, surge uma curiosidade: em que momento surgiu a preocupação do presidente e criador da Gávea Investimentos, gestora de recursos de terceiros cujo patrimônio alcançou R$ 12,4 bilhões em junho de 2019 - de acordo com dados da própria instituição - com as questões sociais que afligem boa parte da população brasileira?
“Tem a ver com este governo (do presidente Bolsonaro) e com minha vontade de dois anos para cá de me relacionar mais com o pessoal das ciências sociais na tentativa de entender melhor as narrativas, convencido de que uma visão liberal associada a uma rede social bem feita é o caminho para o Brasil”, revela Armínio, que resolveu ir fundo no tema da desigualdade para aprimorar o conhecimento sobre o que se passa no país e, eventualmente, atuar de forma concreta e objetiva.
“Hoje, tenho a chance de ajudar participando do debate, mais adiante, se surgir uma oportunidade que seja compatível, poderei participar mais ativamente”, comentou ele, que não gosta apenas de pensar, mas principalmente de fazer, de colocar os projetos em andamento. Aos 62 anos de idade, imaginando o futuro à luz do presente, Armínio não descarta a hipótese de dar nova contribuição em Brasília, em um projeto no qual acredite. Lembrou que atuou no governo federal duas vezes (como diretor da área internacional do BC entre 1991 e 1992 e depois como presidente do BC entre 1999 e 2002) e “outras duas (vezes) quase fui”, referindo-se à sua participação na campanha presidencial de Aécio Neves em 2014 e na pré-campanha do apresentador da TV Globo, Luciano Huck, que não chegou a ser candidato em 2018.
Novamente, Armínio aposta em Luciano Huck. “Acho que ele é uma alternativa (para as eleições de 2022)”, revelou, considerando que “Huck está mobilizado, quer contribuir, e tem um série de qualidades e atributos, é uma questão de amadurecer a alma para encarar o desafio”.
Se por acaso Armínio voltar ao poder em 2023, ou em qualquer outro ano, e mantiver a intenção de “arrumar a casa” não apenas ajustando os números com vistas ao equilíbrio fiscal, mas remanejando os gastos de modo a acabar com os privilégios de alguns poucos grupos em favor dos investimentos na área social, terá de enfrentar uma realidade sedimentada na sociedade brasileira há muitos e muitos anos. Ele tem consciência disso. Do ponto de vista histórico, lembra que o Brasil foi formado na base da extração e da pilhagem. Além disso, acha que a elite brasileira “sempre teve uma visão fechada de país e é correto culpá-la por tudo o que está aí”.
“O Brasil tem um Estado corrompido, gordo e regressivo”, resume Armínio, para quem a relação entre o dinheiro público e propostas equivocadas de políticas pseudo-nacionalistas e pseudo-desenvolvimentistas, sem ênfase no aumento da produtividade, ajuda a explicar em boa parte os problemas que o país atravessa: “nossa elite se abraçou com um modelo corrupto e ineficaz de desenvolvimento, tirando proveito do Estado, e nosso sistema político não foi capaz de superar essa realidade”. Ele faz críticas especificamente à Fiesp que, na sua opinião, esteve sempre alinhada a “ideias que não deram muito certo”.
Armínio tem escrito sobre ecologia, saúde - criou recentemente o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde - e sobre mobilidade social, sem perder de vista as reformas do Estado, tributária e mesmo um aprofundamento da reforma da previdência social. Mas não apenas escreve. Para cada tema, ele arregimenta gente especializada que possa dar o diagnóstico dos problemas e apontar as soluções. “Sou um homem prático, gosto de fazer”, comenta.
Suas ideias sobre a distribuição de renda e as ações que sugere para reduzir a desigualdade estão largamente descritas no artigo que ele assina na edição 115, volume 38 (setembro-dezembro 2019), da revista Novos Estudos, publicada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Intitula-se “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”. Nele, Armínio condena as práticas patrimonialistas e de captura do Estado, além do corporativismo e a corrupção.
“A desigualdade é um veneno que dificulta a construção de uma agenda de reformas necessária ao crescimento”, escreve na página 620 da revista, que pode ser adquirida no site do Cebrap.
*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”.
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