A educação não é descartável – Editorial | O Estado de S. Paulo
É desconcertante a notícia, revelada pelo Estado, de que o Ministério da Educação (MEC) estuda descartar 2,9 milhões de livros didáticos, comprados por meio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e que nunca foram utilizados. Adquiridos para serem entregues a alunos de escolas públicas municipais e estaduais, esses livros correm o risco de serem destruídos sob a alegação de que estariam desatualizados e de que o custo de armazenamento seria alto demais. Vinculado ao MEC, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) alertou no ano passado para a necessidade de reduzir o estoque no depósito alugado dos Correios, em Cajamar (SP).
Se o descarte for de fato a medida mais adequada – por exemplo, se os livros estão realmente desatualizados, não fazendo sentido guardá-los para os anos seguintes –, a sua compra provavelmente terá sido um verdadeiro escândalo de má gestão do dinheiro público, a merecer rigorosa apuração. Recursos públicos que deveriam ter sido destinados à educação, ou seja, que deveriam ter contribuído para um melhor aprendizado dos alunos foram duplamente desperdiçados, seja pela compra de livros que nunca foram utilizados, seja pelo investimento em armazenamento de algo que não teve nenhuma serventia. Há exemplares que estão armazenados há 15 anos.
Se todo recurso público precisa ser acompanhado de perto, para avaliar se chegou ao destino devido e se produziu o resultado esperado, ainda mais rigoroso deve ser o controle em relação a recursos públicos destinados à educação. Não cabe o mínimo descuido em área absolutamente relevante para o desenvolvimento econômico e social do País. Com a educação pública no atual patamar, é um acinte desperdiçar recursos que, não fossem o descaso e a má gestão, poderiam ter contribuído para uma melhor educação e um melhor futuro das novas gerações.
Se o descarte de quase 3 milhões de livros didáticos for realmente a solução mais razoável – estranhos tempos com tão estranhas soluções –, além de uma rigorosa apuração dos responsáveis por esse desperdício de dinheiro público, será necessário assegurar que nunca mais aquisições de livros tão mal feitas voltem a ocorrer. É preciso aprender com essa experiência, revendo os procedimentos e controles que desembocaram em tão má gestão da coisa pública.
Mas até o momento não há evidência de que a destruição dos 2,9 milhões de livros didáticos seja de fato a melhor solução. Falta informação segura e sobram dúvidas sobre o material armazenado. Descartar, sob essas circunstâncias, toda essa quantidade de livros – estima-se um custo médio de R$ 7 por exemplar, o que representaria um montante de R$ 20,3 milhões – seria ainda mais escandaloso.
O próprio FNDE, que alertou para a necessidade de reduzir o estoque de livros didáticos, reconhece não saber a quantidade total de exemplares armazenados. O órgão sugere, assim, montar uma comissão para levantar o número exato de livros e a validade desse material. Há aqui um ponto relevante. Dinheiro público foi gasto para comprar livros didáticos, mas o MEC não sabe o que tem no seu estoque de livros. No mínimo, tem-se uma gestão ineficiente.
Além disso, se o governo não sabe a quantidade de livros de que dispõe, muito provavelmente também não sabe o conteúdo desses livros. Supor que estão desatualizados simplesmente pelo transcorrer do tempo é uma atitude temerária. Segundo o Estado apurou, nesses 2,9 milhões de livros ainda embalados, há exemplares de todas as disciplinas e de todas as séries do ensino fundamental e do ensino médio. Ora, as leis da física, da matemática e da química não sofreram especiais alterações desde 2005. Destruir livros que tratam dessas matérias seria, portanto, um caro absurdo.
Seja qual for o melhor encaminhamento a ser dado ao estoque de livros didáticos, fica evidente a necessidade de aprimorar a gestão pública dos gastos com a educação. Livros não são descartáveis. Dinheiro público não é descartável. O futuro dos jovens que estudam na rede pública não é descartável.
Facção imobiliária – Editorial | Folha de S. Paulo
Repetindo degradação fluminense, organização criminosa em SP lucra com invasões
Tem longa história, na Grande São Paulo, a omissão do poder público diante dos loteamentos clandestinos que proliferam pelas periferias dos municípios, não raro acompanhados de extorsão dos compradores de terrenos irregulares em áreas de mananciais. Tudo, porém, sempre pode piorar com o tempo.
O processo de especulação imobiliária muito contribuiu para fazer fortunas de cabos eleitorais e carreiras de alguns vereadores. Numa derivação perversa, o lucrativo negócio entrou no escopo de atividades da facção criminosa que predomina no estado.
Como noticiou esta Folha domingo (12), invasões por ela patrocinadas incluem prédios de habitação popular construídos pelo governo paulista e terrenos que deveriam ter proteção ambiental para garantir a reposição de lençóis freáticos e represas.
Não bastasse o esbulho de patrimônio público e a perda de serviços ecológicos cruciais para a metrópole sob estresse hídrico, a investida facciosa acarreta crescente insegurança e espoliação de populações pobres em bairros distantes.
Além de preços abusivos cobrados por imóveis sob posse precária, os quadrilheiros exigem o pagamento de taxas de proteção aos moradores e comerciantes.
A administração do governador João Doria (PSDB) dispõe de uma lista com uma centena de endereços onde a organização criminosa explora essa nova modalidade de delito. De 90 loteamentos que estariam sob seu controle, 46 se encontram na zona sul da região metropolitana, área com grande concentração de mananciais para abastecimento.
Exemplo lamentavelmente representativo se encontra na ocupação Eiji Kikuti, em São Bernardo do Campo. Relatos de funcionários da Secretaria da Habitação paulista indicam que nem mesmo a Polícia Militar consegue entrar na área.
O fenômeno de perda de controle do Estado sobre extensas áreas urbanas é conhecido —e razão suficiente para muito alarmar— pelo exemplo do Rio de Janeiro. Milícias assassinas dominam bairros e comunidades inteiros, onde exploram serviços de gás, TV por cabo clandestina e suposta proteção, além de lucrar com imóveis ilegais.
Um caso tristemente notório se presenciou em Muzema, zona oeste da capital fluminense. Em abril de 2019, dois prédios erguidos sem autorização por milicianos vieram abaixo, deixando 24 mortos.
A impotência do governo paulista diante de tal metástase facinorosa não alcançou, de fato, o estágio terminal instaurado no Rio —ainda. Que a entrada da facção no ramo imobiliário lhe sirva de alerta para enfim começar a corrigir o abandono a que relegou as periferias por várias décadas.
Exploração legal ajuda a proteger reservas indígenas – Editorial | O Globo
É melhor regulamentar o uso dessas terras do que deixá-las para grupos que agem na ilegalidade
Partir do governo Bolsonaro a iniciativa de enviar ao Congresso projeto de lei que regulamenta a exploração de recursos minerais e a construção de hidrelétricas em reservas indígenas contaminará a proposta, devido a todos os equívocos que o presidente e em especial o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cometem quando tratam do assunto.
Por ser visto dentro e fora do país como um governo inimigo do preservacionismo e contrário às reservas indígenas, tudo o que parta do Planalto neste campo é tratado com desconfiança. Mesmo a decisão correta de afinal cumprir-se o que estabelece a Constituição: o uso econômico de recursos das reservas precisa ser aprovado pelo Congresso, o que já significa um freio a conhecidos grupos de pressão que atuam no Legislativo sem preocupações ambientais. Dar exposição a eles no transcorrer da tramitação deste projeto é uma forma de inibi-los.
A entrada organizada de empresas nas reservas, em comum acordo com os índios, é um dos temas que desatam paixões. Talvez seja impossível superar por completo este conflito, mas é ruim que o choque entre críticos e defensores do uso econômico e criterioso dessas regiões tenha efeito paralisante sobre governos e legisladores.
Nada fazer é ajudar madeireiros e garimpeiros que atuam sem limites nessas áreas degradando o meio ambiente.
O debate sobre a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, feita no segundo governo Lula, chegou ao Supremo, que confirmou a retirada de fazendeiros da área. No seu voto, no final de 2008, o ministro Carlos Alberto Direito formulou princípios razoáveis para o enfrentamento do problema da delimitação das reservas.
Eles podem ser resgatados agora no Congresso para ajudar no debate durante a tramitação da proposta do governo, tendo a vantagem de haverem passado pelo Supremo, aprovados pela Corte.
O ministro, já falecido, listou 18 pontos relacionados às reservas. Um deles reforça que a pesquisa e a lavra de recursos minerais dependerão sempre de autorização do Congresso. É o que se pretende fazer agora, e isso deve ser apoiado.
Dada a extensão territorial brasileira, ainda há tribos não contatadas, cuja intenção de se manterem isoladas deve ser respeitada. Assim como precisa ser considerado o desejo de outras de terem acesso a benefícios disponíveis à população e de usufruir do resultado da exploração ordenada de suas reservas, sem esquecer os devidos cuidados com a preservação de sua cultura.
Há 462 terras indígenas regularizadas, que somam 12% do território nacional. É uma ilusão querer que toda esta imensidão seja mantida intacta, e os índios fiquem imunes a contatos indesejados com madeireiros e garimpeiros ilegais. Por isso, o melhor a fazer é regulamentar.
Mercado de capitais acena com apoio às empresas – Editorial | Valor Econômico
O mercado de capitais passou a substituir com folga a redução da oferta de crédito subsidiado do BNDES
Quase meio trilhão de reais é quanto as empresas brasileiras levantaram no mercado de capitais interno e externo no ano passado. O balanço, divulgado na semana passada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), surpreendeu. O volume recorde é resultado da soma de R$ 396,1 bilhões captados no mercado doméstico com a venda de papéis de renda fixa, títulos híbridos e ações, com o equivalente a R$ 102,87 bilhões no exterior com a colocação de bônus e ações. O salto foi 60,5% maior do que os R$ 310,9 bilhões de 2018.
Há outros números impressionantes. As operações com renda fixa e títulos híbridos no mercado doméstico somaram R$ 305,9 bilhões. Apenas as debêntures totalizaram R$ 173,6 bilhões. As ações vendidas atingiram o recorde de R$ 90,2 bilhões, superando o pico anterior, de 2007. As ofertas subsequentes de ações (follow-ons) explodiram, para R$ 79,9 bilhões no ano passado, crescendo quase 17 vezes, com 37 operações. Já as ofertas iniciais de ações (IPOs) foram cinco e somaram R$ 10,2 bilhões, um aumento de 51,7%. No mercado externo, foram realizadas captações em renda fixa e variável no valor de US$ 25,4 bilhões, com aumento de 65%.
Antes desse balanço ter sido fechado, dados disponíveis até setembro levaram o Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), integrado à Fipe, a constatar importante mudança no padrão de financiamento das empresas. O mercado de capitais passou a substituir com folga a redução da oferta de crédito subsidiado do BNDES. Em conjunto, as várias fontes de recursos somaram volume em patamar semelhante ao disponível antes da crise, em 2014.
Nos 12 meses terminados em setembro, enquanto os desembolsos do BNDES caíram para R$ 63,8 bilhões, as empresas não financeiras obtiveram R$ 250,7 bilhões no mercado de capitais, ou seja, o dobro de 2013, auge do crédito público subsidiado. O Valor constatou também o aumento do financiamento bancário para as empresas (9/1).
A expectativa do mercado é que o volume de ações emitidas neste ano supere o patamar de 2019 e chegue aos R$ 100 bilhões. Somente as privatizações podem movimentar entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões e muitas dessas operações implicarão em venda de papéis no mercado. O leilão da concessão de rodovias paulistas, com a oferta do trecho Piracicaba-Panorama (Pipa), mostra que os governos estaduais também estarão ativos na área. A administração paulista pretende atrair a iniciativa privada para ferrovias, aeroportos e portos estaduais.
Foi a queda dos juros que abriu espaço para o novo padrão de financiamento corporativo no Brasil, em que o mercado de capitais se sobrepõe, acompanhando a tendência internacional de desintermediação financeira. Com a redução do subsídio ao crédito do BNDES, as taxas das debêntures caíram abaixo do patamar do banco oficial, constatou o Cemec. Com a Selic na mínima histórica de 4,5% ao ano e possibilidade de novo corte neste ano, a expectativa é que o mercado de capitais continue aberto às emissões das empresas, apoiado no interesse dos investidores por alternativas mais rentáveis de aplicações.
Crescente número de pessoas físicas passou a investir no mercado de capitais. Cálculos do Valor Investe (10/1) apontaram que as pessoas físicas destinaram pouco mais de R$ 49 bilhões para ofertas públicas de ações, fundos imobiliários e títulos de renda fixa em 2019, mais que o dobro dos R$ 22,7 bilhões canalizados no ano anterior.
O recurso ao mercado de capitais como fonte de crédito, porém, é ainda uma saída apenas para um grupo seleto de empresas de maior porte. O próprio número de empresas de capital aberto negociadas em bolsa é limitado e caiu ao longo dos anos. Do pico de 550 em 1996 está em 328 companhias. Além disso, as estatísticas informam que as empresas canalizaram pouco dos recursos obtidos no mercado de capitais para investimento. Do total levantado entre janeiro e novembro, foram destinados a investimentos 0,4% do obtido com debêntures e 2,9% do levantado com ações. A maior parcela reforçou o capital de giro ou foi usada para a reestruturação de dívidas, 65,9% no caso das debêntures emitidas e 20,6% no das ações. Capacidade ociosa elevada e incertezas com os rumos da economia inibem os investimentos, alegam as empresas.
A confirmação das previsões otimistas para o mercado de capitais certamente depende da continuidade das reformas e de que os cenários, interno e externo, sejam favoráveis.
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