- O Globo
PL do Saneamento tem avanços, mas não trata do problema em áreas como as favelas e não garante que país atingirá as metas no setor
Um dos desafios a superar neste ano legislativo de 2020, que ganhará velocidade ao fim do carnaval, será o de concluir a votação do Projeto de Lei (PL) do saneamento e implementar o novo marco regulatório. A lei será um passo necessário, mas não suficiente, para enfrentar os enormes atrasos na área e deslanchar os investimentos na rapidez que o setor precisa. O projeto tem avanços, mas tem falhas e não garante que o país vai cumprir as metas de universalização. No cálculo do Trata Brasil, seriam necessários R$ 500 bilhões de investimentos nas próximas duas décadas.
Entre os pontos positivos no texto aprovado na Câmara e encaminhado ao Senado estão a maior abertura à iniciativa privada, financiamentos da União às prefeituras que apresentarem planos de investimentos, maior facilidade para a formação de consórcio entre municípios de pequeno porte.
Mas também há problemas que não foram enfrentados, como o que fazer com as áreas de favelas que são ocupações ilegais. As empresas oficialmente não podem fornecer, e portanto não podem cobrar, pelos serviços de água, coleta e tratamento de esgoto. O PL não entra nisso, apesar dos milhões de brasileiros que vivem nessas áreas e que precisam dos serviços. Com isso, as empresas têm enormes perdas com furtos de água e não há coleta adequada nem tratamento de esgoto. A explicação do Trata Brasil é que isso é visto no Congresso como um problema de “habitação” e não de “saneamento” e por isso não foi objeto desse projeto de lei.
Os especialistas na área acham que o governo está sendo mais uma vez “verborrágico”, quando declara que basta o projeto aprovado que, em sete anos, o velho e imenso problema do saneamento estará resolvido. Todo mundo sabe que não é bem assim. Há muita incerteza ainda, mesmo na hipótese de se aprovar a melhor versão do PL. Uma das questões é que pode se perder muito tempo em discussões judiciais até a pacificação da jurisprudência. O ponto que é considerado mais preocupante é que as prefeituras continuam sendo o principal agente do saneamento, mas podem perder a autonomia do setor caso não cumpram metas e prazos.
— Acho que o saneamento deveria ser obrigação dos estados e não dos municípios. O PL reafirma as prefeituras como agentes autônomos do saneamento, mas ao mesmo tempo dá prazo para o cumprimento de várias obrigações. Acho que isso abre espaço para judicialização — explicou o ex-diretor de uma agência reguladora.
Pelo fato de o setor estar nas mãos dos prefeitos, a regulação é muito pulverizada. Há dezenas de empresas e agências de regulação municipais e estaduais. Além disso, existe o órgão federal, a Agência Nacional das Águas (ANA). Pelo PL, a ANA será fortalecida e passará a orientar outras instâncias regulatórias. Um município pode depender da água do vizinho, mas entrar em conflito com ele por conta de uma disputa política local. E isso vai se refletir nas metas de oferta dos serviços. Guarulhos é a segunda maior cidade do estado de São Paulo e até pouco tempo só tratava 3% do seu esgoto. Hoje, trata 12% e os dejetos vão parar no Rio Tietê. No setor, se diz que esse atraso aconteceu por divergências entre administrações petistas, que controlavam a cidade, e tucanas, que gerenciavam a Sabesp, estatal do saneamento.
Com a crise econômica, os investimentos anuais no setor, em vez de crescer, estão diminuindo. Nesse ritmo, não se conseguirá investir o meio trilhão de reais que o Instituto Trata Brasil calcula que o país precisa nos próximos 20 anos para cumprir as metas de universalização de água e esgoto. O setor ainda é quase completamente estatal: 95% do serviço de saneamento no país é fornecido por empresas estatais e municipais, e apenas 5% pela iniciativa privada. Apesar disso, o PL não garante que haverá desestatização. O Trata Brasil explica que há estatais com boa governança e boas condições financeiras, como as estaduais de São Paulo (Sabesp), Paraná (Sanepar) e Minas Gerais (Copasa). Com a nova lei, essas três empresas poderiam, por exemplo, participar de novas concessões e passar a atuar em outros estados, tendo ganhos de escala. O problema é que até as empresas ineficientes como a Cedae podem renovar seus contratos em vigor com as prefeituras e nada garante que haverá um choque de governança nas companhias atuais.
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