Como
qualquer gestor de riscos temos o dever de minimizar a possibilidade de perdas
irrecuperáveis
A
minha família é de ativistas ambientais. Eu, apesar de ser amante da natureza e
das atividades integradas à mesma, nunca fui ativista ambiental. Escrever sobre
a questão para mim não é fácil. Mas o tema é importantíssimo e não podemos nos
omitir.
De
acordo com os cientistas, nunca na história da humanidade a biosfera, que é o
conjunto de todos ecossistemas a garantir e sustentar a vida humana, esteve tão
ameaçada.
A
natureza, de forma geral, provê a energia necessária para as nossas atividades,
os alimentos para o consumo e as matérias primas para os bens que produzimos.
Além disso, a natureza regula nosso clima e a degradação do meio ambiente está
intimamente ligada à proliferação de vírus que podem ser transmitidos dos
animais para os humanos.
Assim,
a destruição crescente da biosfera implica risco sistêmico à nossa existência.
Representa pelo menos grave ameaça à forma de vida que atualmente conhecemos,
levando em conta que o progresso econômico trouxe vários benefícios para a humanidade.
Dada
a pandemia que estamos vivendo e a confirmação de mais de 1 milhão de mortos no
mundo pelo novo coronavírus, em menos de um ano, parece até inverídico falar
sobre a transformação que tivemos na nossa saúde nos últimos 100 anos.
O
economista escocês Angus Deaton, prêmio Nobel de economia de 2015, caracteriza
esses últimos dois séculos da história humana como a “grande fuga”, em que
pudemos superar diversos obstáculos que ameaçavam a vida humana (ex., doenças e
conflitos) e estender de maneira notável a vida média de cada cidadão na terra.
Para
ser mais preciso sobre a “grande fuga”, basta olhar para a expectativa de vida
ao nascer em vários países um século atrás e atualmente. No Brasil, a
expectativa de vida ao nascer em 1920 era de 35 anos e hoje é de 76.
A
melhoria da saúde veio juntamente com o progresso em infraestrutura básica,
acesso a diversos bens e serviços, ao lado de um mundo menos autoritário e
menos conflituoso.
Observe
que a última sentença não faz um julgamento de valor absoluto, mas sim
relativo.
Isso
não implica afirmar que hoje vivemos num planeta livre de problemas. Ao
contrário, o progresso econômico não foi igual para todos os países e dentro de
um mesmo país o progresso beneficiou algumas pessoas mais que outras.
Há
vários desafios importantes que a humanidade enfrenta atualmente. Um desses
mais ameaçadores desafios diz respeito à velocidade que estamos usando nossos
recursos naturais e depredando nossos ecossistemas. Tudo, de certa forma, está
intimamente ligado ao nosso desenvolvimento após a “grande fuga”.
Existe
ampla e crescente evidência científica de que estamos demandando de forma
insustentável os serviços da natureza. Dois estudos recentes mostram
nitidamente esse problema. Relatório do Kew Garden de Londres, “Estudo Mundial
das Plantas e Fungos”, divulgado no Valor no
último dia 30 de setembro, apresenta fortes conclusões.
Primeiro,
há uma variedade de plantas e fungos, que podem ser diretamente úteis para a
humanidade (produção de alimentos, energia e medicamentos), sendo ainda
descobertas. Ao mesmo tempo, duas em cada cinco espécies de plantas estão
ameaçadas de extinção nas próximas décadas.
Além
disso, é incrível a especialização humana. De acordo com esse estudo, apenas 15
plantas fornecem 90% dos alimentos no mundo.
Ou
seja, a humanidade está extinguindo parte do seu capital natural mesmo antes de
explorar seus potenciais benefícios.
Um
outro estudo importante, ainda a ser publicado, é o “Dasgupta Review”, sobre a
economia da biodiversidade, encomendado pelo governo do Reino Unido para
avaliar os benefícios da biodiversidade e os custos econômicos de sua perda. As
conclusões são semelhantes às detalhadas no estudo do Kew Garden.
O
professor Partha Dasgupta é meu colega na Universidade de Cambridge e vem se
dedicando ao estudo das questões ambientais desde dos anos 70. Ele faz uma
importante analogia sobre o papel da biodiversidade. Assim como no mercado
financeiro, um portfólio diversificado de ativos naturais - maior
biodiversidade - reduz os riscos e incertezas, aumentando a resiliência da vida
como um todo.
O
caso brasileiro é emblemático. A floresta tropical amazônica possui uma
biodiversidade incomparável, compreendendo a área mais rica do mundo, incluindo
um grande número de micróbios, espécies de plantas e animais, com novas
espécies adicionadas regularmente.
Estima-se
que um terço de todas as espécies mundiais habita a floresta tropical
amazônica. Na verdade, a distribuição de flora desconhecida na Amazônia tem
sido subestimada há muito tempo e a biodiversidade vegetal provavelmente inclui
pelo menos 3 vezes mais espécies de plantas na Amazônia do que as conhecidas atualmente.
Plantas com potencial energético, econômico e farmacêutico importante.
Existem
indicações de que partes significativas da Amazônia podem deixar de ser
floresta fechada para se transformar numa savana aberta com menor
biodiversidade, resultante da destruição implacável e incessante das árvores,
afetando também nosso clima
Achava-se
que isso não seria possível com a Amazônia ou que demoraria muito tempo. Ocorre
que esse ponto de inflexão parece bem próximo de acontecer. Segundo estudo que
acaba de ser publicado pela Nature Communications, até 40% das Amazônia pode se
transformar numa savana.
O
Centro de Resiliência de Estocolmo mostra que quase metade da Amazônia está
sucumbindo. Os incêndios aumentam a cada ano. Em 2020, até agora, já estamos
com destruição acima de 60% do que ocorreu em 2019. Destruição que ainda não
recebe a devida ação do governo brasileiro.
Nós,
brasileiros, precisamos urgentemente de uma visão estratégica para preservar
nosso capital natural e abraçar a colaboração internacional. A destruição de
tão formidável e rica biodiversidade é uma calamidade contra todo o planeta Terra,
afetando diretamente a vida humana e a qualidade de vida das futuras gerações,
que por razões óbvias não podem influenciar as políticas atuais.
Os
impactos econômicos de longo prazo são difíceis de mensurar e como qualquer
gestor de riscos temos o dever de minimizar a possibilidade de perdas
irrecuperáveis.
*Tiago Cavalcanti é professor de Economia na Universidade de Cambridge e FGV-SP
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