Para desviar a atenção da falta de investimento em
transporte coletivo, a propaganda eleitoral de Pitta, em 1996, apresentou uma
animação gráfica de um VLT apelidado de Fura-Fila. O projeto contrariava os
argumentos técnicos, uma vez que no trajeto do Fura-Fila havia planejamento
para uma linha do metrô. O Fura-Fila causou pesado ônus aos cofres do
município.
Maluf
não implantou o SUS, determinado pela Constituição de 1988. Transformou a saúde
pública no desastroso PAS, o Plano de Assistência à Saúde, gerido por
cooperativas médicas, assoladas por toda sorte de denúncias de irregularidades.
Podemos debater se houve programas positivos como o Singapura, de
verticalização de favelas, e o Leve-Leite. Mas, ao mesmo tempo em que o
Leve-Leite foi lançado, foi descuidada a merenda escolar. No final da gestão
Pitta, chegou a ser servida nas escolas municipais uma merenda composta apenas
de suco e bolacha.
O legado
do malufismo foi desastroso: um enorme rombo nas contas da prefeitura, um
grande déficit de vagas nas creches municipais, um número enorme das
famigeradas escolas de latas, as salas de aulas em containers espalhados pela
cidade na administração Pitta. Maluf e Pitta deixaram um sistema de transportes
caótico, com explosão do número de vans clandestinas, formado especialmente por
veículos importados da China à época do início do Plano Real, quando nossa
moeda era equiparada ao dólar.
A situação financeira da cidade só não estava pior porque o governo federal, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, havia federalizado as dívidas de estados e municípios, num acordo em que as prefeituras e governos dos estados se comprometiam em pagá-las em parcelas durante 30 anos.
Coube a Marta Suplicy, eleita em 2000, e ao seu secretário João Sayad, o ônus de sanear o descalabro financeiro deixado por Maluf e Pitta, numa conjuntura econômica extremamente difícil. Como sabemos, o segundo mandato do governo FHC foi marcado pelas crises das moedas dos países emergentes, com consequente baixo crescimento, e pelo apagão em 2001. Marta organizou o sistema de transportes públicos e implantou o bilhete único, ainda que tenha aumentado a tarifa de ônibus acima da inflação e a prefeitura não tenha ampliado subsídios, uma vez que a sua situação fiscal não permitia. Ela aumentou o IPTU e implantou sua progressividade, criou as taxas do lixo e da luz, trazendo-lhe grande desgaste político. Ela deu o início à construção dos CEUS, mas não conseguiu zerar o déficit das creches nem eliminar as escolas de lata.
Com a eleição de Lula, em 2002, Marta tentou renegociar os índices de juros da
dívida do município com a União, sem êxito. Prefeitos e governadores pretendiam
trocar o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), da
Fundação Getúlio Vargas, então vigente no acordo com a União, pelo Índice de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Devido aos juros elevados para segurar o recrudescimento da inflação e a fuga de dólares, a dívida federal havia aumentado consideravelmente. No final do governo de FHC, o Brasil teve de assinar um acordo para ajuda do FMI, além de conseguir empréstimo com o governo de Bill Clinton, com o objetivo de fechar as contas no azul.
Lula assumiu a presidência da República prometendo honrar o acordo com o FMI,
no qual previa um superávit de 4% do PIB, para estabilizar a dívida pública e o
compromisso de realizar reformas com o objetivo de fazer um ajuste estrutural
das contas públicas. O seu ministro da Fazenda, Antônio Palocci, promoveu
o maior corte de gastos públicos desde a redemocratização do país, entregando
um superávit primário de 4,25% do PIB, ao mesmo tempo em que fez aprovar a
reforma da Previdência do setor público.
Com a
administração austera em seu primeiro mandato, Lula conseguiu evitar o que
aconteceu com a vizinha Argentina, quando o descontrole da inflação levou o
presidente Fernando de La Rua a renunciar ante os gigantescos panelaços. Foram
essas medidas de austeridade de Palocci que causaram a oposição da ala radical
do PT e o surgimento do PSOL, em 2004, ainda antes do escândalo do
mensalão. Evitando uma aguda crise econômica e financeira do país, Lula
pôde retomar o crescimento econômico no segundo mandato, com uma média de
4% do PIB nos seus dois governos, favorecido pelos bons ventos internacionais,
em especial pelo crescimento da China.
Foi
nesse contexto mais favorável das economias nacional e internacional que José
Serra, eleito em 2004, e Gilberto Kassab, a parir de 2006 e reeleito em 2008,
puderam retomar obras paralisadas, retomar a construção dos CEUs iniciados na
gestão de Marta, construir escolas de alvenaria em substituição às escolas de
lata, por fim ao terceiro turno nas escolas municipais, retomar a construção
dos corredores de ônibus e implantar a integração do bilhete único com o metrô
e os trens da CPTM.
Ressalte-se
que Kassab foi o único prefeito que contribuiu com o governo do estado para as
obras do metrô, apontado pelos especialistas como a solução ótima para o
transporte público em São Paulo. Porém, Kassab não conseguiu zerar o déficit
crônico de vagas nas creches municipais. Serra e Kassab também tentaram em vão
renegociar o índice dos juros da dívida do município.
Fernando
Haddad foi eleito em outubro de 2012 com apoio da presidente Dilma Rousseff,
que prometera na campanha do petista uma ajuda de R$ 8 bilhões para viabilizar
o Arco do Futuro, um ambicioso plano de urbanização e obras viárias do centro
de São Paulo, apresentado no horário eleitoral.
Porém,
com a crise das hipotecas em 2007/2008 nos Estados Unidos, os ventos viraram.
Em 2009, o Brasil só não fechou no vermelho graças à compra antecipada por
parte da Petrobras de barris de petróleo da União. A partir de 2011, o Brasil
terá declínio do crescimento do PIB.
Em 2012,
ano da eleição de Haddad, o governo de Dilma só fechou no azul graças à
antecipação dos dividendos das estatais e dos bancos públicos. Os anos
seguintes serão de manobras fiscais, apelidadas de "contabilidade
criativa" e "pedaladas fiscais", que ensejaram a oposição a fazer
o pedido de impeachment da presidente Dilma, em 2016.
Já em
2013 era sentido o baque na economia com a indústria paulista dando férias
coletivas ou recorrendo ao Lay Off. Segundo a FGV, a recessão começou no
terceiro trimestre de 2014 e levou a uma queda do PIB de 8,2%, só inferior à
recessão de 1981-1983, de recuo de 8,4% do PIB e que jogou o Brasil na década
perdida de 1980.
A ajuda
federal de R$ 8 bilhões não veio e, com a queda na arrecadação, o prefeito
Fernando Haddad anunciou, em agosto de 2013, a desistência de realizar as obras
do Arco do Futuro. Ele tentou renegociar os juros da dívida da prefeitura com o
governo federal sob o comando de Dilma, mas também não conseguiu.
Esses
índices foram finalmente alterados quando o presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha, pôs em votação a "pauta-bomba" no segundo mandato de
Dilma. Porém, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sentou em cima da lei e foi
preciso que Fernando Haddad fosse à Justiça para que o governo federal trocasse
os índices, o que só aconteceria no ano seguinte, em 2016, ano final de sua
gestão.
Depois
de desistir do Arco do Futuro e em meio à queda na arrecadação, Haddad tocou a
máquina da prefeitura, garantindo os serviços públicos, o que, em se tratando
de São Paulo, não é pouca coisa. Ele só conseguiu construir um CEU e não venceu
o déficit de vagas nas creches, mas ampliou o número de corredores de ônibus.
À falta
de obras viárias vistosas, Haddad ampliou faixas de ônibus e construiu
ciclovias e especialmente ciclofaixas. Promoveu corte de gastos em diversos
programas, inclusive no Leve-Leite. Para colocar os gastos nos níveis exigidos
pela Lei de Responsabilidade Fiscal, sob pena de incorrer em crime de
responsabilidade, a prefeitura, entre outras medidas, suspendeu contratos com
empresas de segurança nos últimos seis meses da administração, ficando alguns
parques municipais sem segurança no período.
Como
parte do esforço fiscal de ajustar as contas do município à difícil realidade
econômica, Haddad apresentou uma proposta de reforma da deficitária Previdência
dos servidores municipais. Diante da reação dos sindicatos dos funcionários
públicos e de partidos de esquerda, entre eles o PSOL, a reforma foi suspensa,
e seria retomada com mudanças na gestão do seus sucessor João Doria e aprovada
na gestão Bruno Covas.
Porém,
diante das resistências, a reforma da Previdência municipal foi desidratada:
aumentou o desconto de 11% a 14%, criou um fundo complementar para
aposentadorias acima do teto do INSS, mas não estabeleceu idade mínima,
ficando, segundo muitos economistas, aquém das reformas previdenciárias em
vários estados da federação, inclusive dos estados governados pelo PSB, como
Pernambuco, e PT, como Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte.
Haddad
agiu com responsabilidade fiscal, teve capacidade política, manteve um bom
diálogo com o governo do estado sob o comando de Geraldo Alckmin. Contra sua
gestão não há casos comprovados de corrupção sob sua responsabilidade pessoal
direta. Porém, Haddad foi derrotado em todas as 58 zonas eleitorais de São
Paulo em sua tentativa de reeleição em 2016, prejudicado por uma conjuntura
econômica adversa, somada ao desgaste do seu partido decorrente dos escândalos
revelados pela Lava Jato.
As
gestões de Doria e Covas promoveram novos ajustes, uma vez que não houve uma
recuperação econômica significativa e constante do país, frustradas tanto no
final do governo do presidente Michel Temer quanto no primeiro ano de Jair
Bolsonaro. Mesmo assim, obras como de CEUs, corredores de ônibus, unidades de
saúde e hospitais foram retomadas e continuadas.
Mas, com
a pandemia do coronavírus, o município teve de enfrentar uma nova realidade,
com gastos com o fortalecimento do SUS e a construção de diversos hospitais de
campanha. A situação para estados e municípios só não ficou dramática graças
aos programas de auxílio-emergencial e de ajuda econômica do governo federal,
inclusive a prefeituras e governos dos estados, aprovados principalmente por
iniciativa e pressão do Congresso.
A futura
gestão da cidade dependerá de uma equação cujo um dos elementos é a capacidade
do governo federal em resolver a crise econômica do país. Com um déficit
primário de cerca de R$ 660 bilhões e a incapacidade política do presidente
Bolsonaro em liderar o Brasil – ele mais atrapalha do que ajuda –, talvez seja
prudente não alimentar grandes expectativas qualquer que seja o eleito no
próximo dia 29 de novembro.
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