A
inflação estimada para o ano subiu pela 15.ª semana consecutiva, segundo a
pesquisa 'Focus'. É uma má notícia para os consumidores.
Pesadelo da maior parte das famílias, a inflação estimada para o ano subiu pela 15.ª semana consecutiva, segundo a pesquisa Focus, uma consulta feita pelo Banco Central (BC) junto a cerca de cem instituições do mercado financeiro. Em um mês a mediana das projeções para 2020 subiu de 2,99% para 3,45%. No mesmo intervalo a alta de preços calculada para o próximo ano passou de 3,10% para 3,40%. São más notícias para os consumidores, especialmente num período de pouco emprego, renda baixa e muita insegurança. Mas o quadro inclui pelo menos um aspecto positivo, ou menos sombrio. Se as expectativas se confirmarem, a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), continuará abaixo da meta, de 4% neste ano e de 3,75% em 2021.
Com
a inflação abaixo da meta, a taxa básica de juros, a Selic, deve ficar em 2%
até o fim do ano, segundo a pesquisa Focus divulgada ontem. O
superendividado Tesouro Nacional encerrará 2020 carregando juros
excepcionalmente baixos. Para o fim de 2021 a projeção indica, no entanto, uma
taxa de 3%, 0,25 ponto superior àquela estimada quatro semanas antes.
Essa
projeção pode parecer estranha, à primeira vista. No Brasil, como na maior
parte do mundo, os dirigentes dos bancos centrais têm-se mostrado dispostos a
manter a política de juros baixos e crédito fácil por muito tempo, para dar
espaço à recuperação dos negócios e do emprego.
No
caso brasileiro, a orientação será mantida, segundo a autoridade monetária,
enquanto duas condições forem observadas: 1) a expectativa de inflação deve
permanecer compatível com a meta; 2) o Executivo deve manter o compromisso de
condução responsável das contas públicas. Deste compromisso dependerá a
evolução da dívida bruta.
Dúvidas
sobre o compromisso com a responsabilidade fiscal continuam marcando o dia a
dia do mercado. As preocupações aparecem na oscilação dos juros e, de modo mais
sensível, na instabilidade cambial. O dólar tem estado mais barato do que até
recentemente, mas sem sinal de acomodação. A cotação da moeda americana caiu,
na manhã de ontem, mas em seguida subiu, depois de uma fala do ministro da
Economia, Paulo Guedes. A fala, segundo fontes do setor financeiro, decepcionou
quem esperava alguma indicação positiva sobre as condições fiscais em 2021.
A
cobrança de sinais mais claros sobre a condução das finanças públicas tem sido
feita, de modo muito diplomático, também pelo presidente do BC, Roberto Campos
Neto. Executivos do mercado financeiro também têm mostrado inquietação diante
do cenário fiscal obscuro. O Orçamento federal do próximo ano continuava
indefinido ontem. Não se sabia se a programação financeira do poder central
para 2021 estará mais clara no fim de novembro.
A
incerteza sobre as contas públicas pode afetar perigosamente as expectativas de
inflação. A instabilidade cambial é uma das formas de transmissão da
insegurança para os preços. O efeito inflacionário da alta do dólar tem sido
facilmente observado. Mas o desajuste das contas fiscais pode afetar os preços
de forma ainda mais desastrosa.
Um
amplo desarranjo das finanças oficiais pode produzir, nos casos mais graves, a
chamada dominância fiscal. Quando isso ocorre, o aperto da política monetária
pelo BC deixa de funcionar como remédio para a inflação. Pior que isso: produz
o efeito contrário.
Uma
elevação de juros pode normalmente gerar duas consequências, a contenção de
preços e o encarecimento da dívida pública. Em situações de dominância fiscal,
a desconfiança crescente em relação à dívida afeta o fluxo de recursos, mexe no
câmbio e realimenta a inflação. O aperto monetário deixa de funcionar como
instrumento de ajuste e se converte em fator inflacionário, gerando uma
situação descrita por alguns economistas como o pior dos mundos. Não há, até
agora, dominância fiscal no Brasil. Mas sobram razões para o governo se
comprometer claramente com a seriedade fiscal e com o controle da dívida,
deixando em segundo plano os objetivos pessoais do presidente da República.
Racismo e cidadania – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
resposta contra o racismo é mais civilização, e não mais violência.
O assassinato de João Alberto Silveira Freitas em Porto Alegre chocou o País. Na véspera do Dia da Consciência Negra, o soldador negro de 40 anos foi espancado e morto por asfixia por dois seguranças de uma rede de supermercado. A violência registrada pelas câmeras escancara uma triste e desconcertante realidade – a cor da pele definindo o modo como um ser humano é tratado. Não há cidadania onde há discriminação.
Cabe
às autoridades policiais realizar uma rigorosa investigação, apurando as
circunstâncias e motivações, bem como todas as responsabilidades envolvidas.
Não é demais lembrar, por exemplo, que os dois homens que mataram João Alberto
Silveira Freitas eram contratados de uma empresa de segurança privada que, por
sua vez, prestava serviços à rede Carrefour.
Diante
do que ocorreu em 19 de novembro em Porto Alegre, é preciso lembrar o óbvio. Há
algo de muito errado quando a ida a um supermercado representa tamanho perigo
para uma pessoa negra, com a agravante de que esse perigo foi causado por quem
estava a serviço do próprio supermercado. Absolutamente desconcertante, a
situação evidencia a necessidade de mudanças profundas. Não é possível tolerar
comportamento de tamanha violência vindo precisamente de quem é pago – e
deveria ser devidamente treinado – para prover segurança a todos, sem
discriminação.
O
crime de Porto Alegre revela, portanto, a urgência de que muitos processos,
treinamentos e controles das empresas de segurança sejam revistos. Vale lembrar
que não se fala aqui de complexas exigências. Pede-se o mínimo. Que ninguém
seja espancado e morto por asfixia numa loja de supermercado por funcionários
terceirizados ou da própria loja.
Num
Estado Democrático de Direito, todos – seja qual for sua cor, sexo, religião ou
preferência político-ideológica – merecem respeito. Por isso, o assassinato de
João Alberto Silveira Freitas, como o de tantas outras vítimas de
discriminação, causa profunda indignação. Não se pode tolerar que cidadãos
sejam tratados da forma como João Alberto foi tratado – espancado e morto por
asfixia na porta de um supermercado.
Causou,
portanto, desconcerto a reação do presidente Jair Bolsonaro. Perante um País
comovido com o crime brutal, o presidente da República foi incapaz de prestar
solidariedade à vítima, preferindo politizar a questão.
Não
é necessário importar nenhum discurso estrangeiro para se indignar contra a
barbárie racista e outras tantas práticas que, em alguma medida, normalizam ou
relativizam o racismo. A Constituição brasileira definiu, entre os objetivos
fundamentais da República, a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Também incluiu, entre os princípios que regem as relações internacionais do
Brasil, o repúdio ao terrorismo e ao racismo.
Além
disso, ratificando a repulsa por todo o tratamento discriminatório em função da
raça, a Constituição dispôs, em seu art. 5.º, que “a prática do racismo
constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei”. No ano seguinte, o Congresso aprovou a Lei 7.716/1989,
definindo os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Esse
aparato jurídico revela que o País não fecha os olhos ao racismo. O combate
contra toda e qualquer forma de discriminação está inscrito no cerne das
funções do Estado. Dessa forma, o poder público, seja em qual esfera for, não
pode se omitir dessa tarefa de promover igualdade.
Obviamente,
a indignação contra o assassinato de João Alberto Silveira Freitas não é motivo
para depredações ou vandalismos. A melhor resposta contra o racismo é mais
civilização, e não mais violência. Essa resposta civilizada inclui o dever do
Estado de realizar uma investigação abrangente, que inclua todos os que, em
alguma medida, possam ter responsabilidade penal sobre o crime praticado. E
inclui também avançar em cidadania. Que todos sejam tratados, de fato e de
direito, como pessoas – eis a grande transformação a ser buscada.
Incúria imperdoável – Opinião | O Estado de S. Paulo
Milhões
de testes para covid-19 jazem nos galpões da incompetência.
O Estado revelou que quase 7 milhões de testes para diagnóstico de covid-19 estão estocados em um armazém do governo federal em Guarulhos, São Paulo, prestes a perderem a validade nos próximos dois meses. Esses kits para realização do exame RT-PCR, considerado de “padrão ouro”, ou seja, de alta confiabilidade, não foram repassados para a rede pública de saúde dos Estados e municípios pelas mais variadas razões, todas imperdoáveis diante de uma catástrofe que já matou quase 170 mil brasileiros.
Ao
longo desses nove meses de pandemia, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou
cerca de 5 milhões de testes RT-PCR, menos da metade, portanto, do que poderia
ter realizado. Isso dá a dimensão da incúria e do descaso com o bem-estar da
população.
Só
esse lote de testes que jazem encalhados nos galpões da incompetência
administrativa custou R$ 290 milhões aos cofres públicos. O prejuízo financeiro
é enorme e grave por si só, caso os kits para os exames percam a validade como
se prenuncia. No entanto, esse é um problema menor diante das implicações
sanitárias da não realização desses milhões de testes. A se confirmar o perecimento
de insumos tão importantes, jamais se saberá como teria sido a curva
epidemiológica da covid-19 no País com muito mais pessoas testadas, que ações
poderiam ter sido tomadas pelo poder público a partir de uma visão mais clara
da evolução da doença e, o que mais importa, quantas mortes poderiam ter sido
evitadas.
O
descalabro administrativo e financeiro virou objeto de mais uma contenda entre
o presidente Jair Bolsonaro e os governadores e prefeitos. Tanto um como os
outros podem, eventualmente, auferir ganhos políticos com essa rinha descabida,
a depender da direção dos ventos. Certo é o enorme dano causado à população por
uma desarticulação que a um só tempo avilta o bom senso e afronta a
Constituição.
O
Ministério da Saúde diz que sua responsabilidade se resume à compra
centralizada dos kits. Nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que “todo o
material foi enviado para os Estados e municípios. Se algum Estado ou município
não utilizou, deve apresentar seus motivos”. Isto não é verdade. Se os exames
estão encalhados em um galpão do governo federal, como podem ter sido enviados
aos Estados e municípios, como afirma o presidente?
Os
entes federativos, por sua vez, afirmam que os lotes de testes que lhes foram
entregues pelo governo federal estavam incompletos, sem o material necessário
para coleta de amostras e processamento dos resultados. Vale dizer, sem
qualquer serventia. Os conselhos de secretários municipais (Conasems) e
estaduais de Saúde (Conass) afirmaram que o Ministério da Saúde não entregou
todos os kits de testes e equipamentos para automatizar a análise das amostras
que havia prometido, haja vista que o contrato que permitia o fornecimento dos
insumos foi cancelado pela pasta, sem explicações mais detalhadas.
O
Ministério da Saúde informou que está em contato com os fabricantes dos kits de
testes para estudar a viabilidade de estender a validade dos insumos. Mas esta
possibilidade causa preocupação entre especialistas, pois poderia comprometer a
acurácia dos exames. De qualquer forma, ainda que os fabricantes afirmem ser
seguro estender o prazo de validade dos kits, um problema persiste: se até
agora as três esferas de governo não foram capazes de se articular para testar
a população, como confiar que serão capazes de fazê-lo nos próximos três ou quatro
meses?
O
presidente Bolsonaro já deu incontáveis mostras à Nação de que abdicou de seu
dever de coordenar no âmbito federal as ações de combate a uma pandemia cuja
gravidade ele é capaz de negar, contra todas as evidências científicas. É de
esperar, pois, que o lixo seja o destino mais provável desses kits de testes
para covid-19.
Tanta
incompetência lança luz sobre o desafio de distribuir uma vacina para milhões
de brasileiros em um futuro próximo. Oxalá União, Estados e municípios se
entendam pelo bem dos brasileiros.
Perspectiva de vacina precisa ser aproveitada – Opinião | O Globo
Resultados
dos testes de Oxford dão a Bolsonaro uma oportunidade para redimir parte de
seus erros
Há
luz no fim do ano. Se 2020 começou sob o espectro sombrio de uma nova doença,
sobre a qual nada se sabia e que rapidamente se transformou na pandemia mais
letal em um século, o ano termina com expectativas mais animadoras, ainda que
sob os efeitos de uma nova onda de contágio da Covid-19.
As
empresas Pfizer/BioNTech e Moderna anunciaram há poucos dias êxito nos testes
finais de suas vacinas. Ontem foi a vez de a Universidade de Oxford trazer
notícias boas sobre a vacina desenvolvida com a farmacêutica AstraZeneca,
testada no Brasil em parceria com a Fiocruz. A chinesa Sinovac também prometeu
para o início de dezembro os resultados de seus testes, parte deles a cargo do
Instituto Butantan, de São Paulo.
Apesar
de ainda persistirem dúvidas sobre a dosagem, a eficácia média verificada na
última fase de testes da vacina da AstraZeneca/Oxford foi de 70%, superior ao
patamar mínimo de 50% estipulado pelos cientistas para recomendar a aplicação.
Se é notícia boa para o mundo todo, para o Brasil é melhor ainda. Foi essa a
vacina em que o governo federal apostou todas as suas fichas — cegamente,
diga-se. Pelos resultados divulgados, parece ter ganhado a aposta.
Em
agosto, o Ministério da Saúde firmou um acordo de R$ 1,9 bilhão para a Fiocruz
importar tecnologia e produzir a vacina numa fábrica que está sendo construída
em Manguinhos, que deverá começar a operar em fevereiro. Levando em conta a
aplicação de maior eficácia sugerida pelos testes (meia dose seguida de uma
dose), a Fiocruz estima ser possível vacinar 65 milhões de brasileiros no
primeiro semestre de 2021, outros 65 milhões no segundo semestre.
O
resultado positivo é um motivo contundente para investir o que for necessário
para acelerar a produção. Trata-se de uma vacina de custo baixo (inferior a US$
3 a dose), fácil de fabricar e distribuir, pois pode ser armazenada em
condições normais de refrigeração (entre 2° C e 8° C). Tais fatores facilitam a
logística da vacinação num país continental. Outras vacinas certamente poderão
fazer parte de um programa bem desenhado de imunização, que priorize os grupos
mais expostos e sob maior risco, como profissionais de saúde, idosos, obesos,
diabéticos ou hipertensos.
Um
ponto de partida são os programas nacionais de vacinação já existentes há
décadas. Os bons ventos que sopram da Ciência são também uma oportunidade para
o presidente Jair Bolsonaro redimir ao menos parte da sucessão de erros que
marcaram sua gestão da pandemia — e levaram o país à triste marca de 170 mil
mortos, segunda maior do planeta. Com uma vacina 70% eficaz, seria necessário
vacinar quase toda a população para o país ultrapassar o limiar de imunidade
coletiva e garantir a erradicação do vírus. Daí a importância da vacinação
obrigatória, proposta sempre rechaçada por Bolsonaro.
Por
enquanto, por mais alvissareiras que sejam as notícias, nada muda em relação às
precauções sanitárias para evitar o contágio. Ao contrário. Num momento em que
a pandemia ensaia uma segunda onda no Brasil — o aumento na ocupação de leitos
de UTI nos estados é evidente — , elas devem ser reforçadas. Qualquer vacina,
incluindo a de Oxford, só deverá estar disponível no primeiro semestre do ano
que vem — e só quem estiver vivo até lá poderá ser vacinado.
Estudo
mostra que Brasil usa há décadas sistemas vulneráveis à bisbilhotagem americana
Desde
a década de 90 sabe-se que a suíça Crypto AG tinha ligações com a inteligência
americana (a CIA chegou a controlar a empresa). Mesmo assim, o Brasil não parou
de comprar seus sistemas de criptografia para proteger as comunicações das
Forças Armadas. Há registro de negócios feitos até dezembro do ano passado.
Espionagem é um item condenável, mas sempre presente no jogo das relações
internacionais. E os americanos não deixam de lançar mão dela quando interessa,
como mostram os grampos da NSA dirigidos ao Planalto no governo Dilma Rousseff.
Agora,
um trabalho acadêmico revelado pelo GLOBO mostra que diversas aquisições
militares brasileiras recentes foram expostas pelo sistema da Crypto. Mais essa
evidência da vigilância americana sobre o Estado brasileiro revela o grau de
hipocrisia da Casa Branca ao pressionar Brasília para que o país vete, por
motivos de “segurança”, a tecnologia da chinesa Huawei na telefonia celular de
quinta geração (5G).
Se
tivéssemos um serviço de inteligência competente, teria ficado alerta quando a
imprensa americana passou a publicar reportagens sobre a Crypto. Em 1995, o
“Baltimore Sun” revelou vínculos dela com a NSA. Em fevereiro, o “Washington
Post” relatou como ela passou às mãos da CIA, em sociedade com a alemã equivalente,
a BND.
O
mapeamento das relações entre a Crypto e o Brasil ao longo de décadas foi feito
por Vitelio Brustolin, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e de Harvard,
com Dennison de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Alcides
Peron, da Universidade de São Paulo (USP).
Uma
das aquisições recentes descritas pelos pesquisadores foi feita para o
submarino Riachuelo, um dos quatro que o Brasil constrói com tecnologia alemã.
As comunicações do Riachuelo, em testes de mar desde 2018, podem estar
vulneráveis. Qualquer equipamento militar que pode ser rastreado perde eficácia
como arma.
Para
permitir a comunicação segura entre áreas sensíveis do Estado, seria necessário
trocar os sistemas da Crypto. Do contrário, as Forças Armadas e o governo podem
estar tão devassados como os argentinos na Guerra das Malvinas, quando os
ingleses eram informados pelos americanos de toda movimentação bélica dos
rivais.
Centrão expandido – Opinião | Folha de S. Paulo
Avanço
de siglas do grupo dá sinal a Bolsonaro em 2022, mas arranjo é precário
Os
sinais emitidos pelas urnas no primeiro turno das eleições municipais ainda
estão sendo decodificados, mas uma constatação parece clara: o avanço das
siglas do centrão fisiológico e seu entorno se deu num diapasão governista em
espírito, por assim dizer.
Levantamento
feito pela Folha mostrou, por exemplo, uma correlação
direta entre um desempenho superior desses partidos em cidades que demandaram
mais o auxílio emergencial da pandemia.
Nos
200 municípios com maior adesão à ajuda federal, Progressistas, Republicanos,
PL, PSD e MDB angariaram 57% das vitórias. No conjunto das cidades brasileiras
com eleição decidida em primeiro turno, o índice foi de 49%.
Isso
não é exatamente uma boa notícia para Jair Bolsonaro.
O
arranjo de poder montado em torno do presidente sugere mais a ação parasitária
em relação ao poder dos partidos ligados ao Planalto —e aqui o MDB não se
encaixa na definição precisa apesar de ter o líder do governo no Congresso— do
que um mutualismo político.
A
inexistência de uma agenda congressual do Planalto, que vê o ex-rei do centrão
Rodrigo Maia (DEM-RJ) pautar o dia a dia na Câmara dos Deputados, exemplifica a
falta de coordenação entre o governo e seus apoiadores nominais.
Com
o apontado aumento da rejeição a Bolsonaro nas capitais, que sugere o que pode
acontecer quando o auxílio acabar, e com o potencial recrudescimento da crise
econômica, é plausível antever as siglas deixando os despojos que ora varejam
para seu benefício.
Mas
se a economia não desandar e houver alguma racionalidade no esperado processo
de saída da pandemia, hoje uma proposição algo panglossiana, Bolsonaro sempre
terá consigo a máquina e seu poder de atração enquanto sacia o sistema político
com migalhas.
Sob
esse aspecto, as derrotas do presidente nos principais pleitos em que se
envolveu parecem menos definitivas, embora revelem o humor de um eleitorado
que, neste 2020, rejeitou o bolsonarismo.
Pandemia no futebol – Opinião | Folha de S. Paulo
Nova onda de Covid-19 também
escancara a insanidade do calendário esportivo
Uma segunda onda de casos de Covid-19 atinge o
futebol brasileiro. Depois de episódios de contaminação ocorridos no início da
retomada das competições nacionais, contaram-se no fim de semana nada menos
que 60 atletas afastados por testagem positiva na
série A do Campeonato Brasileiro.
Chegou a 12, com isso, o número de clubes com casos
da doença, num total de 20. Dois treinadores também contraíram o vírus.
Esse quadro trouxe novamente a campo o debate sobre
os protocolos previstos pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a
rigidez com que os envolvidos seguem as precauções sanitárias.
Um dos principais alvos de crítica é o fato de a
entidade esportiva exigir testagem prévia para atletas, árbitros e comissões
técnicas, mas não para outros profissionais presentes nos estádios, como
jornalistas, funcionários e dirigentes.
Era evidente que o retorno dos torneios em meio à pandemia
trazia riscos —e muitos questionaram a decisão. Prevaleceu, contudo, inclusive
no plano internacional, o entendimento de que seria aceitável retomar os
certames sem a presença de público e com a adoção de medidas preventivas.
O futebol, porém, à diferença do que aconteceu com
o basquete profissional norte-americano, não foi nem poderia ter sido
encapsulado numa bolha protegida do convívio social. Os participantes das
equipes submetem-se a intensa rotina de viagens, transitam por aeroportos,
hospedam-se em hotéis e contam com dias de folga.
O que ocorre no meio futebolístico, portanto, é o
que se vê na sociedade, talvez em movimentos mais bruscos devido à proximidade
entre os atletas nos treinos e jogos.
Os atropelos gerados pela pandemia também
ressaltaram aspectos negativos da gestão da modalidade, às voltas com práticas
atrasadas que favorecem interesses políticos e prejudicam jogadores, torcedores
e as próprias competições.
É inaceitável, por exemplo, que a CBF, com a
aquiescência dos clubes, continue a insistir num cronograma saturado que nem
mesmo prevê a paralisação das disputas durante as datas Fifa —reservadas a
partidas das seleções nacionais.
É difícil, nesse ambiente refratário à modernidade,
crer que os gestores sejam capazes de aprender com os erros. Se forem, poderiam
ao menos aproveitar a experiência traumática e confusa ora em curso para
promover uma reforma profunda no calendário.
É preciso um trabalho de longo fôlego contra o racismo – Opinião | Valor Econômico
O
assassinato de Freitas revela que parte do país deu mais um passo em direção à
barbárie
O
espancamento brutal, até a morte, de João Alberto Silveira Freitas, por dois
seguranças de uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, na véspera do Dia da
Consciência Negra, diz tudo sobre o racismo à brasileira. É uma violência
silenciosa, perene, prestes a explodir em episódios animalescos como o que
ocorreu, mais uma vez, em um hipermercado do Carrefour. O assassinato de
Freitas revela que parte do país deu mais um passo em direção à barbárie. Havia
15 pessoas presentes, e uma delas, fiscal da empresa, filmou impassível o
desenrolar do crime. Já sem ação, o negro foi espancado por mais 4 minutos, até
tirarem-lhe a vida. A impunidade de ataques a pretos e pobres é o manto de
proteção para a ação violenta dos seguranças.
A
atitude negligente do Carrefour, e de outros hipermercados, tornou o ato de ir
às compras, para negros, uma atividade de alto risco, dada a boçalidade das
pessoas pagas para manter “seguros” esses locais. A morte de Freitas em minutos
foi associada a outros atos recentes de força bruta contra negros, até mesmo
inválidos -jovens chicoteados, torturados com choque elétrico, espancamento com
barras de ferro de animais. O tratamento que é dado aos negros, em relação a
brancos, é diferenciado. A capacidade de reação legal do agredido é baixa e sujeita,
na largada, ao descrédito. Quase sempre entra na delegacia já como suspeito,
não como vítima.
Há
um milhão de pessoas trabalhando em empresas de segurança, o equivalente a três
vezes o efetivo das Forças Armadas do país. Um bom número é egresso das
polícias militares ou civis e sua convivência com a força policial, pretérita
ou presente, já configura um salvo conduto diante de atos aberrantes que
eventualmente cometam. O Rio Grande do Sul, onde Freitas foi morto, é um
inferno para negros, segundo as estatísticas policiais. Pelo Anuário de
Segurança Pública, em 2018 foi o Estado onde latrocínios, homicídios e estupros
diminuíram, menos as notificações de injúria racial, que somaram um quinto das
7.616 denúncias feitas formalmente em todo o país.
O
Carrefour se vê diante da questão há anos, mas não teve êxito em evitar que o
tratamento dado por homens pagos pela empresa a clientes seja mortal. Desta
vez, além de funcionários do hipermercado presenciarem o ocorrido, uma outra
funcionária aparece intimidando testemunhas do crime. Não parece haver sinais
de uma “cultura” na empresa que trace uma linha vermelha do que é radicalmente
proibido e inculque em todos os empregados a premissa de que todos os clientes
devem ser tratados da mesma forma, com educação e respeito, não importa quanto
dinheiro tenham no bolso.
Como
sempre, uma ilegalidade nunca vem desacompanhada. O Carrefour contratou uma
empresa que tem policiais na ativa como sócios, o que é vedado por lei - e não
está sozinho nisto. Pela Constituição, PMs são proibidos de acumular cargos
remunerados. O Grupo Vector presta serviços ao Extra (onde houve relatos de
torturas em 2019), Atacadão e Walmart, entre outros clientes do comércio de
varejo. O grupo é o responsável pela seleção, formação, treinamento e atos de
seus funcionários.
A
defesa de Giovane Gaspar da Silva, um dos seguranças presos pelo assassinato,
seguiu o roteiro previsível - difamar a vítima. “Suspeita-se de que estava sob
efeito de entorpecentes”, disse o advogado David Leal. Depois, um espancamento
sem reação da vítima por 4 minutos não tinha, segundo ele, a intenção de matar.
A defesa levantou ainda a hipótese de um ataque cardíaco, e não asfixia, como
indica a análise inicial da perícia. Se não existisse um vídeo mostrando tudo,
essas lorotas teriam chance de prosperar.
Os
números não deixam dúvida sobre o racismo que permeia o assassinato de Freitas
e muitos outros. Três quartos das mortes violentas no país têm negros como
vítimas, apesar de somarem 56% da população. Dois terços dos detentos são
negros, proporção idêntica à que povoa o exército de 12,7 milhões de
desempregados. Só uma em cada três pessoas que concluem a faculdade é negra, e
pouco mais de uma a cada dez as que exercem cargos de comando nas empresas.
O assassinato bárbaro de Freitas deveria galvanizar uma reação de empresas, Ministério Público, governadores, prefeitos e entidades da sociedade civil para um trabalho de longo fôlego contra o racismo. É importante concluir a dura tarefa apontada por Machado de Assis, um dos maiores escritores do país: “Emancipado o preto, resta emancipar o branco”.
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