Conservadores
dizem que alegação de racismo em agressão em Porto Alegre é prematura.
Estatísticas sugerem racismo estrutural
Até
mesmo o torpe assassinato de Beto Freitas em um supermercado em Porto Alegre
foi capturado pelas guerras culturais, com vozes conservadoras acusando os
progressistas de enxergar racismo onde não havia e dividir uma sociedade
racialmente integrada.
A
principal crítica desses conservadores tem sido quanto ao emprego do conceito
de racismo estrutural.
Para eles, o racismo se restringiria apenas àqueles episódios de preconceito e
intolerância com motivação racista manifesta.
Seria
preciso, então, entender as circunstâncias que levaram à morte de Beto Freitas:
se havia algum fato anterior que pudesse justificar o uso excessivo de força e
se haveria evidência de motivação racista, como alguma injúria racial que
tivesse sido proferida. Sem esses elementos, a alegação de racismo seria
prematura e injustificada e mostraria apenas um esforço da esquerda em promover
a divisão em uma sociedade conhecida por ter uma integração racial
bem-sucedida.
Não
é, no entanto, o que dizem as estatísticas. Raça é importante, mesmo quando comparamos
índices dentro de uma mesma classe de renda. Entre negros de baixa renda, por
exemplo, 42% relatam terem sido desrespeitados pela polícia (contra 34% dos
brancos de baixa renda): 35% já receberam agressões verbais e 18% sofreram
agressões físicas (contra 27% e 12% dos brancos de baixa renda).
Enquanto
56% da população brasileira é negra ou parda, negros e pardos são 67% dos
encarcerados e 76% das vítimas de homicídio. Esses não são números de uma
sociedade não racista.
Independentemente
das circunstâncias que levaram os seguranças a agredir Beto Freitas, é
incontestável que houve uso excessivo de força, já que as agressões foram
desproporcionais e não cessaram quando ele foi rendido.
O
uso da força pelos seguranças teria chegado a esse grau de excesso e violência
se Beto Freitas fosse branco? Quinze pessoas assistiriam passivamente um homem
branco ser covardemente espancado e asfixiado por seguranças sem tentar
impedi-los? Provavelmente não.
É
esse racismo insidioso, não explícito e não manifesto que condiciona as ações
individuais e o funcionamento das instituições que vemos atuar em casos como
esse. É ele que anui, que consente o exercício de uma violência brutal contra
um homem negro que dificilmente seria autorizada contra um homem branco.
É
esse racismo furtivo, enfim, que faz com que negros sejam mais interpelados
pela polícia, sejam mais encarcerados, sejam mais agredidos e sejam mais
assassinados. As estatísticas não são fruto do acaso.
*Pablo
Ortellado, professor
do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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