- O Globo
Há dois tipos de governantes; um deles aprende. Trump mudou em relação ao coronavírus; Bolsonaro segue perdido
A comunicação é, em qualquer crise, uma ferramenta essencial. Todo mundo já entendeu. Quem viu as últimas entrevistas de Donald Trump nem reconhece o governante que desdenhava do vírus e que estava em guerra aberta com os democratas num processo de impeachment. Trump fez questão ontem de elogiar todos os governadores. Quem vê o presidente Bolsonaro reconhece o mesmo comportamento de sempre. Ele não aprende. Voltou a dizer ontem que há “uma certa histeria” em relação ao coronavírus, e criticou os governadores que teriam tomado medidas que vão “prejudicar a economia”.
Há dois tipos de governantes. Um deles aprende. Na China, a primeira atitude de reprimir a informação custou muitas vidas. Depois o governo mudou. Nos Estados Unidos, Trump tentou criticar as notícias e a ciência.
Quis desenvolver um teste próprio americano, o que atrasou a resposta. Falou que era um “vírus estrangeiro”. Mas até Trump mudou. Quem o viu nas entrevistas coletivas desde o dia em que declarou “emergência nacional” conheceu um Trump educado. Ontem disse que os governadores têm sido “generosos” e que fez teleconferência com todos eles. No domingo o presidente americano falou o nome de inúmeros CEOs de empresas com os quais havia conversado sobre a crise econômica e o abastecimento.
Mesmo aqui no Brasil se vê diferença. A coletiva de ontem do governo de São Paulo com o secretário, o médico David Uip, com um representante da Prefeitura de São Paulo, foi a última presencial. Eles passarão para o formato virtual exatamente para não haver riscos, mas as respostas eram dadas de forma precisa. Caco Barcellos, da “TV Globo”, perguntou o que eles fariam quando a doença chegasse aos mais pobres. A resposta foi que estão sendo preparados mais 1.400 leitos de UTI. Quando um repórter perguntou sobre o ibuprofeno, a resposta do infectologista David Uip foi que ele havia visto o estudo, que não era conclusivo, mas alertou para as primeiras conclusões. O estudo acaba de sair.
No Planalto, o porta-voz da presidência, general Rêgo Barros, foi gentil como sempre, mas numa coletiva vazia de fatos. Anunciou que há um grupo de crise, e destinou cada pergunta a um Ministério diferente, como se fosse um centro de triagem. Era para dizer que o Planalto estava presente. Só que ontem, em mais uma entrevista, desta vez na “Rádio Tupi”, Bolsonaro voltou a desdenhar da crise e contou que fará uma “festinha de aniversário”.
Na segunda-feira, os poderes da República se reuniram para tratar do assunto, e Bolsonaro não estava. O Executivo estava representado pelo ministro Luiz Mandetta, mas a foto ficou com essa marca. Ele foi ao Ministério da Economia, mas não na reunião do Judiciário. Bolsonaro havia tido no domingo aquele comportamento insano de participar de manifestação, e na manhã da segunda-feira deu entrevista dizendo-se perseguido pelos poderes. Ontem, numa fala na porta do Palácio do Alvorada, disse que fará uma reunião hoje e que convidou representantes dos poderes, mas continuou com a mesma dissonância com o planeta. Voltou a falar que há uma histeria, que alguns governadores vão prejudicar a economia, e fez comparações até com gravidez.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse que era a pior crise de saúde em uma geração. O presidente francês Emmanuel Macron declarou que a França está em guerra contra um inimigo invisível. A chanceler alemã Angela Merkel alertou que de 60% a 70% da população poderia ser infectada. O primeiro-ministro do Canadá entrou em quarentena porque sua mulher testou positivo para o vírus. A lista dos governantes que têm dado boas respostas é interminável. O presidente Bolsonaro usa repetidamente a palavra “neurose”, “histeria”, subestima o risco, disse que “há um interesse econômico” e prepara uma “festinha”, depois de ter várias pessoas à sua volta infectadas.
No Ministério da Economia, no anúncio do plano econômico, o ministro Paulo Guedes avisou aos jornalistas que a regra era que ele não responderia a perguntas. Só os outros integrantes da equipe atenderiam aos repórteres. Quando foi interrompido, ameaçou sair e deu uma lição de moral nos jornalistas: “regra e disciplina são fundamentais para atravessarmos esses meses”. Boa frase, o ministro deveria entregá-la ao seu próprio chefe.
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