O
momento é de cuidar para que os cidadãos não sejam abandonados, de votar as
reformas e de restabelecer a sanidade da Presidência da República
O presidente Jair Bolsonaro é um parasita das iniciativas alheias.
Foi
assim com a reforma da Previdência, que ele sabotou em vez de apoiar, e uma vez
aprovada tratou de, cinicamente, relacioná-la entre as conquistas de seu
governo; foi assim com o auxílio emergencial para os que perderam renda na
pandemia, cujo valor, se dependesse do presidente, seria de apenas R$ 200, mas,
quando o Congresso elevou para R$ 500, Bolsonaro, como se estivesse a jogar
truco, mandou subir para R$ 600, só para ter os louros do tão necessário
socorro; e foi assim com a vacina contra a covid-19: depois de ter
sistematicamente levantado suspeitas sobre os imunizantes, de ter feito
campanha para que os brasileiros tomassem elixires mágicos sem qualquer
eficácia e de ter mantido no Ministério da Saúde um almoxarife que não foi
competente nem sequer para planejar a compra de agulhas e seringas, Bolsonaro
agora reivindica como a “vacina do Brasil” a que foi produzida por iniciativa
exclusiva do governo de São Paulo – e que ele reiteradas vezes desmereceu e
disse que jamais compraria.
Se
foi assim na primeira metade do mandato, é muito provável que na segunda metade
Bolsonaro, na sua tresloucada ânsia de reeleição, continuará a viver à custa da
energia alheia, já que há muito tempo provou ser incapaz de fazer algo
produtivo por conta própria. Bolsonaro não existe senão como expressão do
oportunismo mais rasteiro e, agora temos certeza, cruel e desumano. Nem os mais
ingênuos panglossianos são capazes, hoje, de nutrir esperanças de que o
presidente se emendará num futuro previsível.
O problema é que esse organismo traiçoeiro que exaure as forças de seu hospedeiro é formalmente o presidente da República, isto é, concentra em sua caneta o poder máximo da União. Pode ainda causar muitos estragos ao País, dado que sua natureza é exclusivamente destrutiva. Por essa razão, é compreensível, como já observado neste espaço, que cada vez mais cidadãos brasileiros estejam convencidos de que não haverá cura para a septicemia causada pelo vírus bolsonarista sem o afastamento constitucional do presidente.
Até
que se reúnam as condições políticas objetivas para o impeachment, contudo, há
um colossal trabalho a ser feito, isto é, superar a crise provocada pela
pandemia e pela incompetência do governo. Para as forças de oposição, essa
demanda coloca um dilema nada desprezível: a recuperação do País, pela qual
todos de bom senso devem lutar, certamente será convertida em capital
político-eleitoral por Bolsonaro, que, fiel a seu caráter, nada fará além de
servir-se dos feitos dos outros para alimentar suas patranhas palanqueiras.
Esse
dilema foi exposto pelo líder do PT no Senado, Rogério Carvalho, em entrevista
recente ao Estado. O petista disse que seu partido, embora radicalmente de
oposição, votou várias pautas junto com a base do governo porque “eram
iniciativa dos próprios parlamentares” e porque “o interesse maior é diminuir o
sofrimento das pessoas, ainda que com prejuízo político para o PT”.
O
senador petista admitiu que “Bolsonaro tira vantagem”, mas disse que isso não
importa: “Evitamos uma catástrofe maior (na pandemia) e fomos responsáveis. Tem
um custo essa responsabilidade. Nós perdemos a capacidade de fazer um discurso
mais duro contra Bolsonaro, mas isso ia adiantar o que para a vida das
pessoas?”.
Descontando-se
o fato de que o senador é de um partido que sempre pensou antes em seus
objetivos estratégicos do que nos interesses do País, a fala indica o grande
problema da oposição a Bolsonaro.
Mas
não deveria haver dúvidas. Se a oposição tem de agir de maneira responsável em
situações normais, deve ser ainda mais consequente quando o que está em jogo é
a vida dos brasileiros e a saúde da democracia. Agora é o momento de cuidar –
para que os cidadãos não sejam abandonados em meio à maior crise da história
recente –, de votar as profundas reformas de que o País desesperadamente
necessita e, não menos importante, de restabelecer a sanidade da Presidência da
República, usando para isso as ferramentas legítimas que a Constituição
oferece. Isso é combater o bom combate.
Apedeutas cívicos – Opinião | O Estado de S. Paulo
Que
as instituições do País não se intimidem e exponham as patranhas do presidente
Sempre que sua escandalosa incompetência fica clara para todo o País, como é o caso de sua conduta criminosa ao longo da crise causada pela pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro tenta maliciosamente atrair os brasileiros para seu universo delirante – em que o inimigo a ser combatido não é o coronavírus ou o desemprego, que são bem reais e ameaçam de fato a vida e o bem-estar de todos os brasileiros, mas o comunismo, que só existe no discurso demente dos camisas pardas bolsonaristas.
Nesse
mundo, a democracia não é uma conquista dos cidadãos brasileiros,
consubstanciada na Constituição de 1988, mas uma concessão das Forças Armadas.
“Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas
Forças Armadas”, declarou Bolsonaro na segunda-feira, dia 18, a um punhado de
devotos. “Não tem ditadura onde as Forças Armadas não apoiam.”
Quando
é necessário esclarecer ao presidente da República que, numa democracia, as
Forças Armadas não são um poder moderador e estão submetidas ao poder civil
livremente escolhido pelos eleitores, é porque a Presidência está ocupada por
um apedeuta cívico.
Mas
há apedeutas e apedeutas. Há os que não tiveram a educação cívica necessária
para a convivência democrática saudável e acreditam que a democracia é mesmo um
presente dos militares, como é o caso dos tolos que se dizem saudosos da
ditadura, e há os espertalhões que, uma vez no poder, pretendem insidiosamente
arrastar as Forças Armadas para uma desvairada aventura autoritária. Nem é
preciso dizer qual apedeuta é mais perigoso.
“O
pessoal parece que não enxerga o que o povo passa, para onde querem levar o
Brasil. Para o socialismo. Por que sucatearam as Forças Armadas ao longo de 20
anos? Porque nós, militares, somos o último obstáculo para o socialismo”, disse
Bolsonaro. Nem é o caso de comentar a sugestão ridícula de que as dificuldades
orçamentárias dos militares foram deliberadamente causadas por “comunistas”
para tomar o poder. O importante é que o presidente, ao se qualificar como
“militar” – malgrado ter saído da caserna há mais de 30 anos, e de maneira
desonrosa –, tenta amalgamar seu governo às Forças Armadas, como se fossem uma
coisa só, na luta contra o “socialismo”.
Não
foi a primeira vez que Bolsonaro fez isso, e nada indica que será a última, já
que a ignorância e a má-fé deixaram uma marca indelével em seu caráter. Diante
da significativa queda de popularidade detectada por recentes pesquisas e da
crescente mobilização de parte da sociedade por seu impeachment, Bolsonaro
tende a recrudescer sua guerra pessoal contra os brasileiros que não levam seu
sobrenome ou não lhe devotam religiosa lealdade.
Nessa
guerra tresloucada, a verdade, por ser a expressão da realidade, é a principal
inimiga. A mentira tornou-se política de Estado sob Bolsonaro, e isso ficou
ainda mais claro durante a pandemia. Na segunda-feira, o Supremo Tribunal
Federal (STF) teve de soltar uma nota oficial para dizer que “não é verdadeira”
a afirmação de que proibiu o governo federal de agir no enfrentamento da
pandemia, desmentindo mais uma vez o presidente da República, que voltou a usar
essa “decisão do STF”, que só existe em sua imaginação cavilosa, para
justificar sua indecorosa inação.
Quando
a principal Corte do País é obrigada a vir a público para expor uma mentira
descarada do presidente da República, é porque já não se trata mais de apenas
corrigir informações equivocadas eventualmente disseminadas pelo governo, e sim
de impedir que a sistemática campanha mendaz do bolsonarismo atinja seu
objetivo: destruir a confiança nas instituições democráticas, alimentar o antagonismo
e abrir caminho para empreendimentos golpistas.
“No
Brasil temos liberdade ainda”, mas “tudo pode mudar”, advertiu Bolsonaro,
usando o advérbio que indica uma circunstância provisória, incerta. Que as
instituições não se intimidem, exponham as patranhas do presidente e deixem
claro a quem interessar possa que a democracia no Brasil não é uma contingência
frágil, e sim uma sólida construção coletiva, que resistirá até mesmo ao
bolsonarismo.
Candidato da aberração tributária – Opinião | O Estado de S. Paulo
Guedes
aposta em Lira para aprovar a CPMF. É mais uma razão para rejeitar seu nome
O ministro da Economia, Paulo Guedes, aposta no deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato bolsonariano à presidência da Câmara, para encaminhar e apoiar um projeto de recriação da CPMF, uma das maiores aberrações da história dos tributos. Esse é mais um excelente motivo – além da biografia política do deputado – para evitar sua vitória nessa disputa. O ministro deu sinais, nas últimas duas semanas, da intenção de reapresentar a proposta depois de eleitos os presidentes das duas Casas do Congresso, informou o Estado.
Para
defender seu projeto, o ministro insistirá, segundo fontes mencionadas na
reportagem, na arenga da criação de empregos. Recriada a CPMF, haverá espaço,
nas contas públicas, para redução de encargos trabalhistas e, portanto, maior
estímulo à contratação de trabalhadores. Há nesse argumento uma enorme
confusão.
Diminuição
de encargos pode contribuir para a manutenção de empregos. Pode até facilitar a
contratação, se as empresas precisarem de pessoal. Mas empresas normais só
procuram pessoal quando precisam ou quando preveem a necessidade de mão de
obra. Essa é a primeira condição. Em outros tempos, empresários podiam
aproveitar o custo baixo e atraente para fazer estoque de braços, mesmo sem
necessidade imediata. Mas isso foi antes da Lei Áurea, passo muito importante
para o surgimento, no Brasil, de um capitalismo compatível com a modernidade.
Removida
essa confusão, restam argumentos mais sérios a favor da redução de encargos
trabalhistas. Se isso for possível sem expor os trabalhadores a uma insegurança
maior e a uma posição muito mais desvantajosa na relação de mercado, a
diminuição dos custos trabalhistas será muito bem-vinda. Mas a criação de
empregos dependerá, em primeiro lugar, do ritmo da atividade econômica e das
expectativas. O governo continua devendo um claro roteiro para 2021.
De
toda forma, diminuição de custos tem ocorrido com sucesso, em outros países,
sem a implantação de aberrações tributárias. Sem monstrinhos como a CPMF,
condições de produção mais eficientes e menos entravadas por tributos
disfuncionais e injustos são encontráveis na Europa, na América do Norte e nas
economias mais competitivas da área do Pacífico.
As
alegadas vantagens de arrecadação, como simplicidade, cobertura ampla e
dificuldade de sonegação, de nenhum modo compensam as desvantagens de um
imposto como a CPMF. É um tributo indisfarçavelmente cumulativo. Incide sobre
si mesmo e sobre outros impostos e contribuições. Além disso, atinge sem
distinção todos os níveis de renda, onerando proporcionalmente mais as pessoas
mais pobres.
Enfim,
é um imposto especialmente aberrante por incidir sobre qualquer movimentação de
dinheiro, sem diferença entre a compra de um colar de diamantes e a remessa de
um trabalhador para a mãe pobre, viúva e dependente de ajuda.
A
indigência, no entanto, aparece com formas variadas no Brasil. Pode
manifestar-se, por exemplo, como a pobreza associada às desigualdades
econômicas e sociais. Pode ocorrer também como característica de um governo
incapaz de diagnosticar os problemas e de formular planos, programas e projetos
para modernizar o País, torná-lo mais eficiente e aumentar seu potencial de produção
e de crescimento. Nenhuma dessas deficiências será curada ou atenuada com a
volta da CPMF, a pior parte de uma proposta de reforma tributária indigente e
escandalosamente inferior a qualquer projeto já em tramitação no Congresso.
Além
de ser visto como um possível defensor da CPMF, se eleito presidente da Câmara,
o deputado Arthur Lira já se mostrou, em outra ocasião, favorável a esse
tributo, se implantado com uma alíquota menor que a pretendida pelo ministro.
Se a aprovação desse monstrinho for uma de suas missões, os deputados
comprometidos com alguma seriedade têm aí mais um excelente motivo para
rejeitar esse candidato. Mas nem pensariam em apoiá-lo se apenas considerassem
sua biografia, rica de questões penais, como acusações de rachadinhas e de lavagem
de dinheiro, como já se divulgou fartamente.
Bolsonaro em queda – Opinião | Folha de S. Paulo
Descrédito
impõe que próximo presidente da Câmara paute pedidos de impeachment
O
Datafolha voltou a questionar o eleitorado sobre o apoio a um
processo de impeachment de Jair Bolsonaro.
Que o tema siga na pauta do país é sinal inequívoco de que o governo instalado
há pouco mais de dois anos constitui uma anomalia.
Em
maio do ano passado, quando o presidente se dedicava a insuflar ataques
golpistas contra os demais Poderes e era acusado de interferir na Polícia
Federal em benefício de sua família, 46% dos brasileiros aptos a votar
entendiam que o Congresso deveria abrir um processo para afastá-lo —contra a
vontade de 50%.
De
lá para cá, Bolsonaro acumulou nova e farta coleção de vilezas, notadamente na
sabotagem aberta às políticas de combate à pandemia, cujo fracasso nacional
culminou na tragédia de Manaus. Hoje, 42% apoiam o impeachment, ante 53%
contrários à medida.
Compreende-se
que a opinião pública e, por extensão, o mundo político hesitem diante de
intervenção tão drástica. Há indicadores mais evidentes da deterioração da
imagem do mandatário, que para metade dos brasileiros não tem condições de
liderar o país.
Conforme
o Datafolha, a aprovação a
seu governo caiu de 37%, em janeiro, para 31%. No período, os que
consideram a gestão ruim ou péssima passaram de 32% a 40%, cifras semelhantes
às do pior momento desta administração, em junho (32% e 44%, respectivamente).
Desde
Fernando Collor, que não concluiu seu mandato, um presidente eleito não
ostentava números tão ruins a esta altura.
Ainda
assim, Bolsonaro dispõe de apoio suficiente para tornar difícil o avanço de um
processo de impedimento já —embora a pregação mortal contra medidas de
distanciamento, a defesa charlatona de medicamentos ineficazes e a ofensiva
infame contra a vacinação possam facilmente ser consideradas crimes de
responsabilidade.
Mesmo
calcada em fundamentos jurídicos, a deposição institucional de um mandatário é
evento sobretudo político. E, como se percebe na disputa pelos comandos da
Câmara dos Deputados e do Senado, a providência não conta, até aqui, com a
ampla maioria corretamente exigida pela Constituição.
Para
esta Folha, o impeachment é recurso extremo, vagaroso e sempre traumático.
Infelizmente não há como ignorar, todavia, a conduta indigna de Bolsonaro, nem
os quase 60 pedidos de abertura de processo que aguardam decisão já tardia —e
cujas motivações têm amparo em não poucos pareceres jurídicos, como mostrou o
jornal.
Analisá-los é
imperativo para o próximo presidente da Câmara, e congressistas
não devem se esquivar de debater às claras seus fundamentos. Trata-se de
resposta que não pode ser sonegada à sociedade.
O alerta do BC – Opinião | Folha de S. Paulo
Incerteza
fiscal e risco inflacionário podem levar juros a subirem, indica órgão
Em
decisão unânime, o Comitê de Política Monetária do Banco Central manteve a
taxa básica de juros em 2% ao ano em sua primeira reunião do
ano. A decisão ficou dentro do esperado, mas a autoridade monetária também
indicou estar mais próxima de determinar uma elevação no custo do dinheiro.
Até
então, o BC indicava que não faria mudanças nos juros enquanto duas condições
estivessem satisfeitas. Eram elas a preservação do regime fiscal —entendida
como aderência ao teto constitucional para os gastos federais— e a permanência
das projeções de inflação abaixo das metas de 3,75% para este ano e 3,5% para
2022.
Se
ainda não há rompimento da primeira condição, é inegável que os riscos para as
contas públicas aumentaram. O agravamento da pandemia e o drama humanitário em
Manaus devem elevar as pressões no Congresso por novos estímulos emergenciais,
o que pode elevar ainda mais a dívida federal.
O
debate a respeito de um novo auxílio ou de reforços no Bolsa Família tende a
ganhar ímpeto nas próximas semanas, após o resultado das eleições para as
presidências da Câmara e do Senado. É necessário, de fato, tratar do tema, mas
de modo responsável e com foco nos estratos mais pobres.
Entretanto
é na inflação que os riscos se apresentam mais claramente. Depois de alguma
acomodação no final do ano, os preços de matérias-primas e sobretudo alimentos
voltaram a subir. A retomada desbalanceada da economia nos últimos meses trouxe
escassez de insumos e altas significativas de preços em vários setores.
Daí
vem a sinalização do BC de que não estão mais preenchidas as condições para
garantir a permanência da Selic no patamar atual. Em contrapartida, as incertezas
dos próximos meses, a começar pelo risco de recaída recessiva, não sugerem alta
iminente dos juros.
O
BC faz bem em alertar para os novos perigos enquanto permanece paciente para
observar a evolução da economia e do ambiente político para reformas e gastos
nos próximos meses. Mas o sinal foi dado —já não há margem de manobra e
qualquer deslize fará a taxa subir, uma expectativa que vai se consolidando.
Cabe
ao Executivo e ao Congresso perceberem que a necessidade de apoio humanitário
na pandemia deve ser acompanhada por um esforço sério e renovado por reformas
que garantam a solidez fiscal e a retomada do crescimento.
Câmara não deveria esquecer PEC da 2ª instância – Opinião | O Globo
Nem
Lira nem Rossi, porém, incluirão projeto da antecipação da prisão na lista de
prioridades
A
escolha do novo presidente da Câmara não facilitará a tramitação da Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) que estipula o cumprimento das penas depois da
decisão da segunda instância do Judiciário, jurisprudência derrotada no Supremo
no final de 2019 por um voto. Nem Arthur Lira (PP-AL) nem Baleia Rossi (MDB-SP)
assumem esse compromisso. É uma lástima, pois a medida melhoraria a legislação
penal brasileira e reduziria os incentivos à criminalidade e à corrupção.
Não
é difícil entender o motivo para a omissão de ambos. Há, nos partidos e nas
coligações que os apoiam, parlamentares e políticos atingidos pela Lava-Jato e
por outras operações anticorrupção, a começar pelo próprio Lira, denunciado em
pelo menos dois processos.
No
MDB de Rossi, entre investigados e processados, estão o ex-presidente Michel
Temer e o senador Renan Calheiros. Um dos partidos da aliança que apoia Rossi é
o PT, que não esquece a prisão de Lula nem sua inelegibilidade por oito anos,
resultado de duas condenações na segunda instância.
A
segunda instância, momento em que a sentença é submetida a um tribunal
colegiado, marca o fim do exame das provas e do estabelecimento da culpa por um
crime. Praticamente todas as democracias maduras dão início ao cumprimento da
pena uma vez encerrada essa fase (algumas até antes). Era também assim no
Brasil, até que a jurisprudência estabelecida pelo Código de Processo Penal de
1941 fosse revogada em 2009, por uma sentença do então ministro Eros Grau.
A
prática foi restabelecida em 2016, numa decisão do ministro Teori Zavascki, mas
caiu novamente em 2019 no Supremo, numa votação apertada, em que o então
presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, deu o voto decisivo. Desde então,
prevalece o entendimento de que alguém só pode ser considerado culpado e
começar a cumprir a pena depois de examinados todos os infindáveis recursos a
que tem direito pela legislação.
É
certo que há interpretações conflitantes sobre o que o artigo 5º da
Constituição tem a dizer a respeito do cumprimento da sentença depois do
“trânsito em julgado” (momento em que todos esses recursos estão esgotados e,
muitas vezes, os crimes já estão prescritos). Por isso, ficou entendido que a
melhor maneira de inserir no processo penal um dissuasivo mais robusto contra o
crime é a PEC parada na Câmara.
Depois
que caiu o cumprimento da pena após a segunda instância, houve grande
retrocesso no enfrentamento do crime de “colarinho branco”. Foi um revés não
apenas para o legado da Lava-Jato, mas para todos os que apostaram no atual
governo para fazer avançar o combate à criminalidade e à corrupção, combalido
também pelo esvaziamento do modelo de forças-tarefas. Mesmo que se admitam
excessos na Lava-Jato, é melhor corrigi-los do que permitir o retorno da
impunidade que tanto encorajou a corrupção. Restabelecer a prisão depois da
segunda instância funcionaria como uma pedagógica barreira de contenção.
Mudanças na fiscalização de obras degradam o planejamento urbano – Opinião | O Globo
Resolução
do Ministério da Economia permite construções sem passar pelos órgãos públicos
Pode
parecer inusitado que o governo federal se preocupe com construções e reformas
em imóveis comerciais nos 5.570 municípios brasileiros. Por motivos óbvios,
elas estão submetidas a licenciamento e fiscalização de governos locais, que
têm atribuição constitucional para isso. Mas uma resolução do Ministério da
Economia passou a permitir que obras em estabelecimentos de uso comercial sejam
aprovadas sem passar pelos órgãos públicos de licenciamento.
De
acordo com as novas regras, essas obras passarão a ser autorizadas por empresas
habilitadas pelo Ministério da Economia, sem interferência desses órgãos
públicos. As empresas integrarão o Mercado Urbanístico de Integração Nacional,
o Murin. A medida vale para construções e reformas comerciais de baixo risco. Esse
ponto crucial — definir o que é baixo risco — ficará a critério dos municípios.
Na prática, o proprietário declara que está cumprindo as legislações, e a
empresa emite a dispensa de alvará.
A
justificativa para passar essa “boiada imobiliária” é desburocratizar
licenciamentos para obras comerciais de pequeno porte — construção ou reforma.
A pretexto de desburocratizar, porém, passa-se por cima de normas importantes
que afetam a coletividade. O espaço urbano tem regras que visam a uma
convivência pacífica entre os cidadãos: tipos de atividades permitidas em
determinadas áreas, altura e volume das construções, padrões urbanísticos etc.
Daí a necessidade de o poder público — que regula a ocupação do solo — avaliar
esses projetos.
“Que
quer o ministério?”, indagou o arquiteto Sérgio Magalhães em artigo no GLOBO.
“Quer que o interessado pelas obras declare para a empresa, sob
responsabilidade civil e penal, que seu projeto cumpre todas as leis:
urbanísticas, edilícias, dos bombeiros, do Comando Regional Aéreo, ambientais,
fundiárias, de vizinhança, de risco, entre outras. Com essa declaração,
mediante pagamento, a empresa autoriza a obra de maneira automática.”
Desatar os nós de desenvolvimento num país atravancado pela burocracia é importante, mas não em sacrifício do bem-estar da coletividade. O serviço público de licenciamento e fiscalização é essencial para o planejamento urbano. A desordem e a insegurança que degradam as cidades não são fruto do excesso de fiscalização, mas certamente da falta dela. Há muitas outras ações — como as necessárias reformas que o governo Jair Bolsonaro abandonou — capazes de destravar o crescimento. Um “liberou geral” na fiscalização de obras — mais uma “boiada” em que o governo passa ao largo da sociedade — pode no máximo levar ao crescimento da desordem no espaço urbano, já repleto de irregularidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário