Riscos
para o Brasil se multiplicam enquanto se prolonga o atual desgoverno
O
mais incompetente e mais tosco chefe de governo da História do Brasil seria
menos danoso se fosse apenas – apenas? – um destruidor do meio ambiente, como
parecem considerá-lo alguns estrangeiros. Mas ele é muito pior que isso. Suas
ações e omissões afetam a economia, comprometem a saúde e a segurança dos
brasileiros, sujam a imagem do País e ameaçam as instituições democráticas.
“Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas
Forças Armadas”, disse o presidente Jair Bolsonaro no dia 18, em mais uma
arenga de tom golpista, uma de suas atividades mais notórias em janeiro.
Na mesma semana, recém-iniciada a vacinação contra a covid-19 no Brasil, os governos da China e da Índia retardaram remessas de vacinas e de insumos, em clara retaliação a ofensas e a decisões diplomáticas subordinadas à orientação do presidente Donald Trump. O governo brasileiro havia se desentendido com dois dos cinco Brics, sócios do País num banco de desenvolvimento e com alto potencial de cooperação. O reinício dos embarques foi pouco depois anunciado por autoridades indianas e chinesas, mas o recado transmitido nos dias anteriores havia sido inequívoco. Ainda assim, Bolsonaro insistiu em prestigiar publicamente seu desastroso ministro das Relações Exteriores – afinal, um cumpridor das ordens do presidente e de seus filhos.
Enquanto
o governo federal se enrolava nos próprios erros, doentes sufocavam e morriam
com falta de oxigênio, no Amazonas, por onde o ministro da Saúde havia passado,
pouco antes, pregando uso da cloroquina e tratamento precoce. Quando a tragédia
virou escândalo nacional, e logo mundial, o governo de Jair Bolsonaro se mexeu
para mandar oxigênio a Manaus, onde familiares e amigos de doentes buscavam
cilindros, como pudessem, para conter a mortandade.
Os
mais crentes poderiam recorrer ao aplicativo TrateCOV, do Ministério da Saúde,
com instruções para diagnósticos e tratamento precoce, incluído um kit para
náusea e diarreia. Na quinta-feira, 21, o ministério tirou do ar o aplicativo.
Segundo alegação ministerial, a plataforma era um projeto-piloto e o aplicativo
havia sido invadido e ativado indevidamente.
O
sistema, no entanto, havia sido lançado em Manaus, na semana anterior, e o
Conselho Federal de Medicina e o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) haviam
pedido sua retirada.
As
mortes por falta de oxigênio compuseram um dos capítulos mais dramáticos da
crise sanitária, em janeiro, quando o quadro da pandemia piorou em todo o País
e o susto aumentou por causa de novas cepas de coronavírus. Médicos e
autoridades apontaram como causas principais as imprudências no período de
festas. Em alguns casos, governos estaduais e locais podem ter falhado. Quanto
ao presidente, ou se omitiu ou errou, de forma explícita, combatendo a
prevenção, menosprezando as mortes e dando os piores exemplos ao aparecer sem
máscara e ao frequentar aglomerações.
Alguns
desses ajuntamentos foram manifestações golpistas, com pedidos de intervenção
militar. Em janeiro, o presidente encontrou inspiração no ataque de trumpistas
ao Congresso americano. Algo pior, disse Bolsonaro, poderá ocorrer no Brasil se
as eleições de 2022 forem realizadas sem voto impresso.
Foi
uma clara ameaça, rechaçada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e por
muitos políticos. Mas o presidente insistiu. Dias depois atribuiu aos militares
o poder, impensável à luz da Constituição, de decidir sobre democracia ou
ditadura. Chegou a usar o pronome “nós”, identificando-se como militar e
inventando uma conspiração socialista. “Por que sucatearam as Forças Armadas ao
longo de 20 anos? Porque nós, militares, somos o último obstáculo para o
socialismo.”
Conspirações
imaginárias são mentiras típicas do populismo e do golpismo. Trump falou da
covid-19 como doença produzida na China, também acusada de espionagem por meio
da tecnologia 5G. Bolsonaro imitou essa patacoada, agravada por atingir o maior
cliente externo do agronegócio brasileiro. O presidente falou em “vachina”,
fazendo campanha contra a vacina do Butantan e envolvendo Pequim em sua disputa
com o governador de São Paulo.
Polimático
na incompetência, Bolsonaro errou em quase tudo. Em 2019, omitiu-se e deixou a
economia derrapar. Em seguida, no primeiro trimestre de 2020, o produto interno
bruto (PIB) foi 1,5% menor que nos três meses finais de 2019. A crise econômica,
por aqui, precedeu a covid-19. Houve esforço, como em todo o mundo, para
atenuar os efeitos da doença. Mas a política de saúde, enquanto dependeu do
poder central, foi catastrófica, a partir da militarização do setor.
Por tantas barbaridades, e principalmente pelos desmandos durante a pandemia, tornou-se muito difícil pensar na recuperação do País sem o impeachment de Bolsonaro. Crimes de responsabilidade, como falhas no combate à pandemia e participação em manifestações golpistas, têm sido apontados por especialistas. Podem faltar condições políticas para o processo. Quanto a bons motivos, sobram e multiplicam-se dia a dia.
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