Valor Econômico
Saldo de crédito para empresas e famílias
no país cresceu 6,3% ao ano, apesar do PIB ter avançado só 1% ao ano
Estes dias li um interessante relatório do
Deutsche Bank (DB) sobre para onde devem ir as taxas de inadimplência de
títulos de dívida corporativa nos EUA e na Europa nos próximos anos (“The end
of the ultra-low default world...?”, por Jim Reid e Karthik Nagalingam). Na
visão do DB, essas vão subir bastante a partir de 2023, ainda que sem chegar
aos níveis observados em crises como a de 2008-09, caindo depois para um
patamar acima do observado nos dois últimos decênios. Nos EUA, a taxa de
inadimplência para papéis sem grau de investimento subiria de perto de 1%
atualmente para 5% no final de 2023 e 10% em 2024. A médio prazo retornaria
para um intervalo de 3% a 5%.
O argumento por trás dessa previsão é essencialmente macroeconômico, visto que o diagnóstico sobre as empresas é relativamente positivo. Assim, os autores argumentam que, apesar de essas estarem gerando fluxos razoáveis de caixa, o que permitiria honrar o pagamento dos juros, a deterioração da atividade, o aperto das condições financeiras e a alta de custos, com salários pressionados pelo mercado de trabalho muito aquecido, vão acabar elevando a inadimplência.
O DB tem uma visão mais pessimista que a
média sobre as perspectivas da economia americana no próximo par de anos. A
aposta de Reid é que o Fed terá de elevar a taxa dos Fed funds ano que vem até
5%, contra uma taxa precificada no mercado futuro de 3,724% para julho de 2023.
Obviamente, isso vai encarecer a rolagem das dívidas, que também ficará mais
complicada se, como prevê o DB, os EUA entrarem em recessão na segunda metade
do próximo ano. Registre-se que há analistas prevendo recessão nos EUA já no
fim de 2022. Tudo isso elevaria a aversão ao risco e tornaria especialmente
difícil a rolagem de títulos de maior risco.
Mais interessantes, porém, são os
argumentos de porque as taxas de juros e de inadimplência dos títulos de dívida
corporativa não devem retornar aos baixos níveis dos últimos vinte anos.
O primeiro é que as taxas reais de juros de
política monetária e as pagas pelos títulos públicos não devem voltar aos
patamares muito baixos e mesmo negativos dos últimos 20 anos. De fato, entre
2002 e 2021, a taxa do Fed funds, descontada a inflação, foi negativa todos os
anos exceto pelo triênio 2006-08, ficando na média em -1% ao ano. Nos 20 anos
anteriores, em contraste, ela foi em média de +3,2%. Dificilmente o Fed, o
Banco Central Europeu e outros BCs conseguirão trazer uma inflação tão alta e
disseminada como se tem hoje para perto da meta sem manter taxas reais de juros
positivas durante um bom tempo.
O segundo é que os bancos centrais devem
parar de injetar liquidez e acumular ativos. Do final de 2004 até o presente,
os ativos totais dos bancos centrais dos EUA, da Área do Euro e do Japão
saltaram do equivalente a US$ 2,9 trilhões para US$ 23 trilhões. Esses US$ 20
trilhões a mais foram usados principalmente para comprar títulos públicos,
deixando pouca alternativa para os investidores que não os títulos
corporativos, quando os próprios BCs não faziam isso.
O Fed já encerrou seu programa de compra de
papéis, pelo menos por ora, e deu início a um processo relativamente ambicioso
de venda de ativos. O BCE já anunciou que encerrará as compras de títulos.
Resta ver por quanto tempo o Banco do Japão conseguirá manter sua versão desse
programa.
Também importante nesse processo foi o
acúmulo de reservas internacionais pelos países em desenvolvimento, outro fator
que alimentou a demanda por títulos públicos americanos e europeus. As sanções
impostas à Rússia e o acirramento das tensões entre os EUA e a China devem
ajudar a desacelerar ou mesmo colocar um freio a esse processo.
Assim, a tendência é que nos próximos anos
as empresas enfrentem maior competição dos governos no financiamento de suas
dívidas.
O terceiro argumento é que as recessões
devem se tornar mais frequentes, colocando um fim ao padrão de ciclos de
expansão atipicamente longos. Isso vai estressar mais as finanças corporativas
e elevar o risco e os spreads de seus títulos de dívida.
Esse cenário não difere muito do que se
espera para o Brasil. Até mais do que nos EUA, os juros devem estar em patamar
elevado em 2023: o BC promete pelo menos mais uma alta da Selic e depois manter
os juros altos por um bom tempo. E, com os juros mais altos nos EUA, e com a
maior aversão ao risco, o financiamento externo das empresas brasileiras também
ficará mais caro. Nosso risco país, de fato, já subiu com força nos últimos 12
meses e deve subir mais em 2023.
Tudo isso complicará a vida de quem carrega
dívidas, cujo estoque tem aumentado bastante. Na média dos últimos quatro anos,
o saldo de crédito concedido a empresas e famílias no Brasil cresceu em média
6,3% ao ano, já descontada a inflação. Isso apesar de o PIB ter crescido apenas
1% ao ano. Ajudou o fato de, nesse período, a taxa Selic real ter sido em média
de -1,1% ao ano, uma realidade que está mudando dramaticamente. Também por
aqui, portanto, a inadimplência pode subir nos próximos anos.
*Armando Castelar Pinheiro é
professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e
pesquisador-associado do FGV Ibre
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