Valor Econômico
Governo precisa reduzir incertezas, num
cenário em que muitas empresas enfrentam um quadro difícil, que combina
endividamento a juros elevados e perda de receitas
A economia brasileira entrou em 2023 num
ritmo fraco, com exceção de poucos segmentos como a agropecuária, mostrando
sinais de arrefecimento das pressões inflacionárias. Além disso, os bancos
passaram a ser mais seletivos no crédito após o colapso da Americanas e de
problemas de outras varejistas. Muitas empresas enfrentam um cenário difícil,
que combina endividamento a juros elevados e perda de receitas, devido à
redução da demanda.
O quadro que se forma, como se vê, é propício para uma queda dos juros básicos. O governo Lula, porém, tem atrapalhado esse processo, ao criar ruídos que tendem a atrasar o início do corte da Selic. As incertezas fiscais ainda permanecem elevadas, o que pode mudar, a depender da nova regra fiscal a ser apresentada pelo Ministério da Fazenda neste mês. Para completar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ataca seguidamente o Banco Central (BC), a autonomia da instituição e o nível de juros, criando atritos em relação à política monetária.
O resultado é o aumento das expectativas de
inflação e dos juros futuros, sem contar o fato de que o dólar, que poderia
estar na casa de R$ 4,80, segue acima de R$ 5 - na sexta-feira, fechou perto de
R$ 5,20. Iniciativas como a taxação de exportações de petróleo, ainda que
anunciada como temporária, também têm impacto negativo sobre a percepção de
risco do país.
Os números do PIB do quarto trimestre
mostraram uma atividade em desaceleração, com a economia encolhendo 0,2% em
relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. Depois de puxar o PIB
nos três trimestres anteriores, o serviços, pelo lado da oferta, e o consumo
das famílias, pelo lado da demanda, perderam fôlego, crescendo apenas 0,2% e
0,3%, pela ordem. A indústria e o investimento tiveram desempenho ainda pior,
recuando 0,3% e 1,1%.
A situação para empresas industriais e de
serviços está bem mais adversa. Números da Fundação Getulio Vargas (FGV)
mostram uma queda de 8,3 pontos na confiança da indústria desde agosto, para 92
pontos em fevereiro, o menor nível desde julho de 2020. No setor de serviços, a
confiança recuou 12,6 pontos desde setembro de 2022, para 89,1 pontos no mês
passado, o pior resultado desde maio de 2021. A confiança do consumidor também
tem recuado, apontando para uma demanda mais fraca, num cenário de elevado
endividamento das famílias e alguma perda de força do mercado de trabalho.
É nessa ambiente que muitas empresas
enfrentam uma combinação de gastos financeiros elevados, por causa das dívidas
corrigidas por juros altos, e uma economia em desaceleração. Um consultor de
empresas alerta para o risco que muitas companhias correm com os juros nos
atuais níveis. Com empréstimos para financiar o capital de giro em prazos
curtos, de até 90 dias, têm o seu custo financeiro baseado no nível da Selic
atual, referenciado ao CDI, “mais um spread de risco que também sobe, fruto da
inadimplência de alguns setores como o varejo”. Quem conseguiu tomar recursos
há mais tempo, por prazos mais longos, tem sofrido no momento da renovação das
operações de crédito, encarando taxas bem maiores, equivalentes a 110% a 120%
do CDI, o que nominalmente é muito maior do que se pagava antes, segundo ele.
A situação não é homogênea em todos os
setores da economia. Empresas exportadoras estão bem, mesmo caso de companhias
voltadas para o mercado interno que têm foco no agronegócio, diz o consultor. O
problema maior, de acordo com ele, é o de empresas com endividamento elevado
que vendem para outros setores no mercado doméstico. Além do custo financeiro
pesado por causa dos juros altos, essas companhias têm de lidar com um
movimento de redução da demanda, fruto da desaceleração da economia, afirma. Se
a queda dos juros demorar, muitas dessas empresas podem ter problemas sérios.
Elas precisam ter um alívio em seus gastos financeiros num momento em que podem
ter redução do faturamento.
Um economista com passagem por um banco
público também vê o risco de muitas empresas enfrentarem um quadro complicado.
Ele observa que muitas companhias se endividaram quando os juros estavam a 2%,
tomando empréstimos corrigidos pelo CDI, que variam em função da Selic. Desde
março de 2021, os juros básicos subiram para 13,75% ao ano, encarecendo
fortemente os débitos de quem se financiou quando a Selic estava a 2%.
Esses depoimentos indicam que, embora não
haja um risco sistêmico, o cenário de crédito para muitas empresas é
complicado. A manutenção da Selic por muito tempo trará problemas a elas. A
economia em desaceleração e os números um pouco mais favoráveis da inflação
confluem para um quadro favorável a cortes de juros, embora os índices de
preços ainda não estejam em níveis totalmente confortáveis.
Nesse ambiente, o governo deveria trabalhar
para reduzir incertezas, tomando o cuidado de não produzir ruídos. Lula, porém,
tem feito o oposto. A trégua com o BC, por exemplo, durou pouquíssimo. Na
semana passada, em entrevista à BandNews, voltou a criticar o presidente do BC,
Roberto Campos Neto, e o nível dos juros. Os ataques não só não ajudam como
atrapalham a perspectiva de redução dos juros, por levantar dúvidas sobre a
condução futura da política monetária - Lula vai pressionar para tirar Campos
Neto do BC e colocar um nome domesticado que ceda às pressões do Planalto? Isso
afeta as expectativas de inflação e eleva os juros futuros.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem
sido mais cuidadoso, embora vez ou outra também pressione o BC. Na semana
passada, Haddad conseguiu a volta parcial da cobrança dos impostos federais
sobre a gasolina e o etanol, uma medida que recompõe receitas importantes para
o governo, num ano difícil para as contas públicas. Ao mesmo tempo, contudo,
anunciou a taxação das exportações de petróleo por quatro meses. A iniciativa
despertou o temor de que essa medida seja tornada permanente, além de estendida
a outros segmentos exportadores. É uma má ideia, que eleva a percepção de
insegurança para quem pretende investir no país. Para diminuir os problemas, o
melhor é que seja abandonada em junho e não seja mais retomada.
Haddad deve anunciar ainda neste mês a
regra fiscal que vai substituir o teto de gastos. É uma oportunidade para
reduzir incertezas e apontar para uma trajetória mais sustentável para as
contas públicas. Se, além disso, Lula cessar as críticas ao BC e à
responsabilidade fiscal, ficará muito mais próximo o momento de a autoridade
monetária começar a cortar os juros. Se quer de fato aliviar a situação de
empresas que sofrem com dívidas caras e demanda pior, esse é o caminho mais
fácil e mais óbvio.
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