Folha de S. Paulo
Ainda que não tenha sido bem-sucedida,
tentativa de golpe no dia 8 de janeiro é nítida
Parte expressiva da população brasileira
ainda compreende que o ataque
aos três Poderes no dia 8 de janeiro se resumiu a atos
de vandalismo. Opinião compartilhada por Kassio
Nunes Marques, ministro do STF indicado
por Jair
Bolsonaro.
André Mendonça, outro juiz indicado por Bolsonaro, também acredita que não houve tentativa de golpe de Estado. Em suas palavras, a perspectiva dos "manifestantes" era criar uma situação de instabilidade institucional. Contudo, em seu entendimento, qualquer golpe de Estado dependeria, basicamente, da ação de militares.
É um equívoco grave acreditar que um golpe
demandaria, necessariamente, a ação de militares. Afinal, a simples omissão de
amplos setores das forças de repressão, incluindo as polícias, quase precipitou
o país no caos. Não fossem as ações enérgicas tomadas pelo Judiciário, o
cenário político poderia ter sido outro.
De acordo com a cientista política Lilian
Sendretti, em 2018 foram registrados 147 protestos da extrema direita, em 2019
foram 254 e no ano seguinte, 278. Com o aumento do número de protestos, um
grupo chamado "300 do Brasil" inaugurou um repertório de
ação coletiva mais disruptivo ao acampar em Brasília por
mais de um mês e tentar invadir o Senado em
2020. Esse foi o primeiro grupo a defender abertamente um golpe de Estado, mas
acabou com seus principais líderes presos.
Nos anos seguintes, Bolsonaro insistiu que
o sistema eleitoral brasileiro, baseado em votação
eletrônica, seria falho e sujeito a manipulação política. Em abril de 2021,
afirmou que só deixaria a Presidência se morresse.
Duas semanas após a proposta
de impressão do voto ter sido rejeitada pelo Congresso,
em agosto de 2021, Bolsonaro declarou que só
tinha três opções possíveis para o futuro: morte, prisão ou vitória e o
número de protestos da extrema direita disparou desde então.
Segundo Sendretti, os atos passaram de 769,
em 2021, para 1.822 no ano seguinte. A maioria foram bloqueios de estradas, em
boa medida, facilitados pela omissão das forças de repressão. Em novembro de
2022, o aumento
da violência atingiu níveis alarmantes. Além dos bloqueios de estradas,
houve relatos de vandalismo, saques, incêndios criminosos e até mesmo sequestros.
Ao mesmo tempo, centenas de pessoas
começaram a acampar nos arredores dos quartéis militares, demandando
explicitamente uma intervenção militar para destituir Lula. Contudo, ao
perceberem que os militares não tinham nenhum plano real de golpe, e que Bolsonaro
havia deixado o país, diferentes táticas passaram a ser aventadas, todas
com o propósito de desestabilizar o país e inviabilizar o governo eleito.
Considerando as experiências acumuladas com
incêndios e atentados a bomba ocorridos nos meses anteriores, os golpistas
poderiam ter utilizado táticas muito mais violentas. Mas é interessante notar
que, segundo o pesquisador do Cebrap, Jonas Medeiros, uma das principais
inspirações dos golpistas era a ação de manifestantes do Sri Lanka,
que sem qualquer participação de forças de repressão, em
2022 invadiram o palácio presidencial, forçando o presidente a fugir
e renunciar.
Ainda que não tenha sido bem-sucedida, a
tentativa de golpe no dia 8 é nítida. Resta saber se, além de algumas dezenas
de cidadãos comuns, os articuladores de alto escalão serão, de fato,
responsabilizados de acordo com a gravidade do ocorrido.
*Doutora em ciência política pela USP e
pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
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