No 7 de setembro, apartar a política dos
quartéis
Correio Braziliense
Por suas vicissitudes de formação,
Exército, Marinha e Aeronáutica são muito mais voltados para as questões
internas do que para a projeção geopolítica de poder nacional, cujo protagonismo
é da nossa diplomacia, desde o Barão do Rio Branco
O Dia da Independência traduz por tradição
o protagonismo dos militares na vida nacional. Por suas vicissitudes de
formação, Exército, Marinha e Aeronáutica são muito mais voltados para as
questões internas do que para a projeção geopolítica de poder nacional, cujo
protagonismo é da nossa diplomacia, desde o Barão do Rio Branco. Com exceção da
Guerra do Paraguai e da participação da Força Expedicionária Brasileira na
Segunda Guerra Mundial, as Forças Armadas sempre atuaram no sentido de manter a
segurança interna e a integridade territorial, como na Confederação do Equador,
na Balaiada, na Cabanagem e na Revolução Farroupilha, ou impor a ordem política
pela força, como na Revolução de 1930 e ou no golpe militar de 1964.
Por essa razão, apesar do apelo dos desfiles, o Dia da Independência é uma festa cívico-militar. Não é uma comemoração predominantemente civil, como deveria ser, pois é o sentimento de brasilidade o maior sustentáculo da identidade nacional. Durante o governo Bolsonaro, porém, as comemorações foram partidarizadas com intenções claramente golpistas. Predominavam o saudosismo do regime militar e a radicalização política de extrema-direita, sob liderança do próprio presidente da República, sob hegemonia dos que veem na democracia os males do Brasil e não o seu maior patrimônio institucional.
No 7 de setembro de 2021, por exemplo, o
então presidente Jair Bolsonaro (PL) convocou seus apoiadores a saírem às ruas
e protestar contra o Congresso, o Poder Judiciário, a mídia e o Congresso
Nacional, após semanas de tensão e especulações sobre a preparação de um golpe
de estado. Essas intenções não se consumaram devido à forte reação da sociedade
civil, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, além da péssima repercussão
internacional.
Com a segunda maior força militar das
Américas, o Brasil tem um efetivo de 344.500 militares. Não somos, porém, uma
potência militar. Mantemos boa convivência com os nossos vizinhos, inclusive a
Venezuela, com quem congelamos as relações durante o governo Bolsonaro. Somos signatários
do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, embora tenhamos tecnologia
nuclear própria, e somos contrários à militarização do Atlântico Sul, apesar do
projeto de construção de um submarino nuclear para aumentar nossa capacidade de
dissuasão.
A partir da Guerra das Malvinas, a velha
doutrina de segurança nacional ancorada na guerra fria se tornou obsoleta,
apesar dos saudosistas. Em seu lugar, uma nova política de defesa está em
construção, com centralidade na defesa da Amazônia e das nossas águas
territoriais, na modernização das Forças |Armadas e no desenvolvimento da nossa
indústria de defesa. Entretanto, esses esforços foram minados pelo envolvimento
dos militares com a política, um claro desvio de finalidade.
Corporativismo, sentimento de superioridade
em relação aos civis, partidarismo e ambição de poder nunca devem ser
cultivados nas Forças Armadas, mas foi o que aconteceu nos últimos anos. A
forte presença dos militares no governo Bolsonaro reforçou esses sentimentos
negativos, além de ter desgastado as Forças Armadas junto à sociedade civil,
por causa de subserviência aos desmandos autoritários do então presidente da
República e do triste papel desempenhado por alguns militares à frente do
Ministério da Saúde, durante a pandemia. Três décadas de reconstrução de imagem
pública foram desperdiçadas nesse período.
O 7 de Setembro deste ano é uma oportunidade de mudança de paradigma. Os militares podem ser protagonistas da consolidação do nosso Estado democrático de direito, seja pelo resgate da austeridade e das suas missões específicas, seja pelo reposicionamento como uma instituição de um Estado democrático. Para isso, é preciso afastar a política dos quartéis e aperfeiçoar a legislação que atribui aos militares o papel de garantir a lei e a ordem, quando solicitado pelos Poderes da República.
O Globo
Ideia negociada com Congresso acarretará
maior perda de foco e ampliará rombo previdenciário
Ao ser criado, em 2008, o programa de Microempreendedor Individual (MEI) visava a formalizar a vasta mão de obra de baixa renda sem acesso a aposentadoria nem benefícios previdenciários — profissionais como costureiras, vendedores de rua, pequenos artesãos, pedreiros etc. Desde então, o MEI perdeu o foco, tendo sido ampliado para todo tipo de atividade. A proposta de aumentar o limite do programa negociada entre governo e Congresso pode representar um alívio para quem passar a usufruir as vantagens do programa, mas acentua essa tendência, além de contribuir para ampliar o rombo previdenciário futuro. No curto prazo, ela também acarreta perda de arrecadação, num momento em que ampliá-la é crucial para cumprir as metas ambiciosas do novo arcabouço fiscal.
A ideia do governo é aumentar o limite de
faturamento anual do MEI dos atuais R$ 81 mil para perto de R$ 145 mil. A previsão é
que isso traga mais pelo menos 470 mil empresas para o cadastro de MEIs,
hoje em quase 15,5 milhões. A nova faixa contribuiria com cerca de 1,5% além
dos 5% adotados hoje para quem fatura até R$ 81 mil. Mas nem todos os
cadastrados contribuem. “Apenas cerca de 38% dos trabalhadores registrados como
MEI contribuem para a Previdência”, estima artigo dos economistas Fernando Veloso,
Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti, do Ibre-FGV. Só um de
cada cinco trabalhadores por conta própria, dizem, contribui como MEI.
Ao analisar características desses
profissionais, os pesquisadores concluíram que MEIs têm mais escolaridade que
empregados formais (12,2 anos em média, ante 11,8). Três em cada quatro têm
ensino médio completo, e mais de 31% têm diploma universitário, proporção
superior à dos que têm carteira assinada. Isso sugere que, em vez de servir
apenas para formalizar mão de obra de baixa renda, o programa se tornou um modo
de aliviar a contribuição previdenciária dos mais qualificados. O aumento do
limite de faturamento tende a acentuar a tendência.
A questão é crítica, pois o programa
representa um subsídio generoso da sociedade. Hoje MEIs são em torno de um a
cada dez contribuintes à Previdência, embora arquem com menos de 1% da receita
previdenciária. Pelo cálculo dos pesquisadores, levando em conta uma taxa de
juro real entre 4% e 5% nas próximas décadas, o subsídio da Previdência ao MEI
representará mais de 80% do que ele receberá depois que se aposentar. Na conta
dos economistas Rogério Nagamine Costanzi e Otávio Sidone, anterior ao aumento
proposto pelo governo, o MEI representa um déficit atuarial de R$ 436 bilhões
para a Previdência (ou R$ 781 bilhões supondo uma política de reajuste real do
salário mínimo, que aumenta o benefício previdenciário).
Em estudo no livro “Para não esquecer”,
sobre políticas públicas que deram errado e deveriam ser aperfeiçoadas,
Nagamine e Sidone sugerem restringir as inscrições no MEI a trabalhadores
comprovadamente informais, pobres, com baixa capacidade de contribuir — o
contrário da intenção do governo. A não ser assim, Executivo e Legislativo
precisam apontar caminhos para evitar rombos futuros. Como diz o estudo,
“bondades de curto prazo são muitas vezes escolhidas por criarem benefícios
imediatos e concentrados, ainda que acarretem elevados custos difusos para toda
a sociedade no futuro”.
Calote da Venezuela revela risco de usar
ideologia para conceder crédito
O Globo
Regime do ditador Nicolás Maduro continua
devendo US$ 1,2 bilhão ao Brasil, sem contar multa e juros
Quando ideologia e afinidades pessoais se
tornam decisivas na relação entre países, aumenta o risco de operações
comerciais e financeiras darem errado. O exemplo mais eloquente é a Venezuela do
ditador Nicolás
Maduro. Em maio, ele fez uma viagem a Brasília considerada
“histórica” pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, mas continua dando um calote no Brasil de pelo menos US$ 1,2 bilhão, sem
contar multas e juros pelo atraso.
Ainda em maio, o governo brasileiro criou
um grupo de trabalho para somar todos os atrasados e chegar ao total da dívida.
Depois seria feita a programação de pagamentos para apresentar à Venezuela,
dando início à renegociação propriamente dita. A abertura da “mesa técnica”
estava prevista para 20 de julho. O Brasil queria começar a tratar do calote em
agosto, mas a Venezuela pediu um tempo. A data da reunião ficou para ser
remarcada. Nada garante que não haverá novos adiamentos, contra os quais, a
depender de Lula, dificilmente o Brasil reagirá da forma incisiva como deveria.
Estão envolvidos na agenda os ministérios
da Fazenda, das Relações Exteriores, do Desenvolvimento e o BNDES, usado nos
governos anteriores do PT para financiar exportadores brasileiros de serviços
para a Venezuela (construção de portos, metrôs, aeroportos etc.). O banco
também é o principal financiador do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), que
ressarce empresas brasileiras em caso de atraso nos pagamentos. Funciona como
uma seguradora, por isso é parte interessada em que as dívidas sejam pagas.
As mesuras ideológicas que Lula fez à
Venezuela e a outras “ditaduras amigas” custaram caro ao Estado brasileiro. Um
calote de Cuba de US$ 316,3 milhões já foi bancado pelo FGE. Ao todo, o BNDES
concedeu US$ 641 milhões de financiamento ao grupo Odebrecht para construir o
Porto de Mariel, em atividade já há algum tempo. Cuba se beneficia do aumento
das transações comerciais permitido pelo novo terminal, mas não paga ao Brasil.
Outro custo indireto criado pela simpatia
ideológica de Lula com a Venezuela é a refinaria Abreu e Lima, construída pela
Petrobras em Pernambuco, a partir de uma conversa entre Lula e Hugo Chávez,
antecessor de Maduro. Chávez se comprometera a financiar parte do
empreendimento, mas nunca cumpriu a promessa. Sobrou para a estatal brasileira
executar um projeto que custou em torno de dez vezes o previsto.
Sempre que decisões técnicas são
substituídas por interesses políticos ou ideológicos surge uma conta que, cedo
ou tarde, é cobrada do contribuinte na forma da falta de hospitais, de escolas,
de sistemas de transporte eficientes e de outros serviços públicos que deixam
de ser prestados. Tudo porque dinheiro do contribuinte é usado para compensar
os efeitos desses calotes.
Reforma tributária redistribui receitas e
favorece igualdade
Valor Econômico
Se não houver mudanças substanciais, 60%
dos Estados e 82% dos municípios sairão ganhando receita
Apesar do barulho de alguns governadores e
prefeitos contra a reforma tributária, estudo feito pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) prevê que a maior parte dos Estados e das cidades vai
ganhar receita com a proposta de mudança de regras de cobrança dos impostos
sobre o consumo já aprovada pela Câmara dos Deputados. A Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 45/2019 agora está no Senado e, se não houver mudanças
substanciais, 60% dos Estados e 82% dos municípios sairão ganhando receita. O
principal motivo para o ganho de arrecadação em 78% de todas as unidades da
federação é a aplicação da cobrança do tributo sobre o consumo no destino da
transação e não mais na origem, como ocorre atualmente.
O Imposto sobre Circulação de Bens e
Mercadorias (ICMS), de competência estadual, e o Imposto Sobre Serviços (ISS),
municipal, fundidos em um único tributo, o novo Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), será cobrado no local de consumo. Assim, mesmo com pouca ou nenhuma
atividade econômica relevante, cidades e Estados vão arrecadar mais em função
do consumo de seus habitantes. Já aquelas que abrigam grandes empreendimentos,
mas têm relativamente menos habitantes, tendem a perder arrecadação.
O critério populacional para a distribuição
dos recursos foi fortalecido por decisão da Câmara dos Deputados, que elevou
seu peso entre os fatores de repasse do dinheiro arrecadado, de 60% para 85%.
Outros 10% serão distribuídos com base no desempenho da educação de cada
cidade, e os 5% restantes serão divididos igualmente entre todos. Essa mudança
teve um efeito redistributivo importante, explicou Sérgio Gobetti, autor do
estudo ao lado de Priscila Kaiser Monteiro. É inegável também o impacto na
redução da desigualdade.
Não só os pequenos municípios serão
beneficiados, mas também os mais pobres. No grupo de cidades ganhadoras, 98%
têm PIB per capita abaixo da média nacional. Em relação à proposta original da
PEC 45, a população beneficiada pelas mudanças subiu de 61% para 67%.
O estudo foi feito com base nos dados do
ano passado, quando Estados e municípios arrecadaram R$ 801 bilhões em ICMS e
ISS. Com o deslocamento do ponto de cobrança do tributo, R$ 54 bilhões passam a
ser arrecadados no local de consumo, favorecendo unidades da federação que
concentram 70% da população. No caso do imposto municipal, o estudo calcula que
R$ 36 bilhões mudarão de mãos com a substituição do ISS na origem por um IBS no
destino, sendo que dois terços desses recursos provêm de 45 cidades “muito
ricas” de São Paulo, grandes e pequenas, e são redistribuídos para os demais
municípios paulistas e o restante do país. O Estado de São Paulo como um todo
perderia R$ 35 bilhões em arrecadação, prevê o estudo do Ipea.
Além de São Paulo, estão na lista dos
Estados “perdedores” Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso
e Roraima. Goiás, cujo governador Ronaldo Caiado é um dos maiores críticos da
reforma, teria um ligeiro ganho, estimado pelo estudo em R$ 808 milhões. Além
disso, a reforma deve reduzir bastante a desigualdade dentro do Estado: a
diferença de receita per capita entre a cidade mais rica do Estado (Alto
Horizonte) e a mais pobre (Santo Antônio do Descoberto) chega a 127 vezes. Com
a reforma, cairá para quatro vezes. Outro exemplo de diminuição da desigualdade
ocorre em São Paulo, onde a diferença de arrecadação por habitante entre
Paulínia e Francisco Morato, o município mais rico e o mais pobre de São Paulo
por esse critério, respectivamente, vai passar de 37,3 vezes para 6,3 vezes.
Gobetti pondera, no entanto, que a PEC
prevê uma transição gradual, ao longo de 50 anos, período em que as regras irão
mudando, dando tempo para a adaptação dos administradores. Paulatinamente, a
distribuição da receita do IBS irá sendo alterada, com parcela crescente
direcionada pelo princípio de destino e, no caso dos municípios, levando em
conta a população. Em cinco anos, 90% das receitas do IBS ainda estarão sendo
distribuídas pela regra antiga, e 10%, segundo a nova. No meio da transição,
após 25 anos, metade das receitas ainda estará sendo distribuída de acordo com
a regra atual.
Além disso, a PEC prevê a criação de um
fundo, constituído com 3% das receitas de IBS, que funcionará como
seguro-receita, e será repartido entre Estados e municípios com maior redução
relativa de arrecadação, cuja receita per capita não exceda a três vezes a
média nacional. Ou seja, um fundo que beneficia os entes cuja fatia no bolo
estiver caindo em função das mudanças, excetuando o caso de municípios
desproporcionalmente ricos, que terão direito de compensação, mas só até o teto
de três vezes a receita média per capita.
Há ainda o efeito do esperado crescimento econômico produzido pela reforma tributária. Apesar de dado como certo, esse impacto é difícil de mensurar. De toda forma vai contribuir para mitigar o impacto da perda de receita onde ocorrer. Até mesmo o Estado de São Paulo chegará ganhando quando a reforma tributária entrar totalmente em vigor, prevê o estudo do Ipea. Para além dos resultados econômicos, os números também ressaltam as consequências positivas da redistribuição da receita de arrecadação com benefício para a população e redução da desigualdade.
Aflições paulistanas
Folha de S. Paulo
Reduzir a percepção de violência exige mais
que combater o crime
Complexa e multifatorial, a percepção de
insegurança em uma sociedade combina experiências pessoais e de seu círculo
próximo; estereótipos e preconceitos sobre regiões e classes sociais; a
amplitude do noticiário sobre violência na mídia; e, por óbvio, a constatação
matemática dos atos criminosos.
Esse amálgama difuso está no cerne da
pesquisa Datafolha que apontou a violência como a maior preocupação dos
paulistanos.
Para 22%
deles, a segurança pública é o maior problema da capital. São 10
pontos percentuais a mais em relação ao último levantamento, de 2020, e 6
pontos à frente da saúde —tema que liderou as aflições dos moradores nos
últimos 11 anos. Vêm na sequência transporte coletivo (8%), educação (6%) e
buracos na rua (6%). A margem de erro é de três pontos percentuais.
Estatísticas recentes da violência, embora
não peremptórios, apontam possíveis explicações.
Dados do governo paulista sobre homicídios
dolosos (alta de 2,3%) e roubos (queda de 2,4%) na capital mostram certa
estabilidade entre o primeiro semestre deste ano e o de 2022. Já os latrocínios
tiveram redução expressiva de 26,7%. Furtos (alta de 6,9%) e estupros (26%) são
contraponto relevante —registre-se que este último delito é sempre passível de
subnotificações.
Se as estatísticas são inconclusivas, o
paulistano detecta a olhos vistos a multiplicação de usuários de drogas na
cracolândia e a consequente
dispersão geográfica após intervenções, até agora tumultuadas, do
prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do governador Tarcísio de Freitas
(Republicanos).
Não à toa, o receio com a violência é ainda
maior na região central, marcada nos últimos meses por tumultos, saques,
protestos e recordes de furtos e roubos —notadamente de telefones celulares,
prática disseminada por quadrilhas especializadas e que afeta, inclusive, as
camadas mais pobres.
Nesse contexto, também não surpreende
que 68%
considerem ineficientes as medidas da prefeitura e do governo estadual para
ao menos minimizar o descontrole do crack e suas consequências. Número similar
(73%) vê como ruim ou péssimo o trabalho de Nunes no acolhimento dos moradores
de rua.
Percepção e realidade podem se confundir,
mas o tema da violência pode ser destaque nas eleições municipais de 2024
—ainda que policiamento ostensivo e investigação sejam de alçada estadual.
Há muito o que a prefeitura possa fazer. A
insuspeita desordem urbana, como má zeladoria, iluminação pública precária e
proliferação da população de rua, reduz o ir e vir e amplia a sensação de medo.
Para os que almejam comandar a capital a
partir de 2025, resta observar que os paulistanos seguem resilientes —9 em 10
estão satisfeitos por morar na cidade—, mas apreensivos em relação a sua
integridade física e de seus familiares.
Estudo desperdiçado
Folha de S. Paulo
Queda de renda dos mais escolarizados é
efeito do declínio econômico em dez anos
Há maneiras diversas de descrever e
mensurar o processo de empobrecimento vivido pelo Brasil ao longo dos últimos
dez anos, bem como suas consequências.
O modo mais óbvio é observar a variação do
Produto Interno Bruto, de míseros 5,3% de 2013 até 2022 —no mesmo período, a
economia global teve expansão de 28,6%. A média anual brasileira, de 0,52%, nem
mesmo chegou a acompanhar o aumento da população.
Não por acaso, a renda per capita declinou
ao longo do decênio, de R$ 47.457,80 estimados em 2012 para R$ 46.154,56 no ano
passado. Os valores deverão mudar com novos dados demográficos apurados pelo
censo de 2022, mas o desempenho trágico não será apagado.
Ele ganha contornos mais palpáveis em
trabalho recém-concluído pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getulio Vargas (Ibre-FGV), com base em pesquisas amostrais do IBGE,
Constatam-se perdas nos rendimentos do
trabalho notavelmente concentradas entre os mais escolarizados. Em cifras
corrigidas pela inflação, a renda média dos trabalhadores com 16 ou mais anos
de estudo caiu de
R$ 7.211 mensais, no segundo trimestre de 2012, para R$ 6.008 no
período correspondente deste ano; com 12 a 15 anos, a queda foi de R$ 2.630
para R$ 2.336.
Houve ao menos ganhos nas faixas de menor
escolaridade, o que contribui para a redução da desigualdade. Mas os dados
evidenciam a escassa criação de vagas mais bem remuneradas para os mais
qualificados, entre os quais se elevou a informalidade. Trata-se de mau sinal
para a produtividade.
O decênio observado começa com o declínio
do boom de commodities, que até ali impulsionara o crescimento do PIB nacional.
O governo Dilma Rousseff (PT) tentava estimular a economia à base de gasto
público e intervencionismo, mas só conseguiu produzir a brutal recessão de
2014-16.
Desde então vivemos às voltas com
tentativas acidentadas de reequilibrar o Orçamento do governo. Depois do
impacto da pandemia, ao menos, a atividade vem se expandido em ritmo mais
acelerado.
As melhores esperanças agora residem em uma
reforma tributária que encoraje investimentos, nas concessões ao setor privado
em infraestrutura e num ajuste fiscal que favoreça a queda dos juros.
Uma verdadeira reforma administrativa
O Estado de S. Paulo
Como disse Lira, governo Lula precisa
reconhecer a necessidade de uma reforma administrativa, mas tratar o tema
apenas sob o viés fiscal e sem enfrentar as reais distorções é um erro
A promessa do governo Lula de zerar o
déficit primário em 2024 trouxe novamente à luz o problema do financiamento dos
gastos públicos. Ao enviar a proposta de Orçamento ao Legislativo na semana
passada, o Executivo apresentou uma lista de medidas para arrecadar R$ 168
bilhões, incluindo propostas que ainda dependem da aprovação do Congresso para
entrar em vigor.
A essa pressão, o presidente da Câmara,
Arthur Lira, respondeu com uma cobrança. O deputado passou a exigir
publicamente do governo um esforço pela aprovação da reforma administrativa que
tramita na Casa – a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020. De forma
coordenada, 23 frentes parlamentares do Congresso manifestaram apoio à
proposta, entre elas as que representam o comércio, serviços e agronegócio.
É raro que se diga, mas tanto o governo quanto a Câmara têm alguma dose de razão. Diante de um déficit estrutural no Orçamento, é evidente que o Executivo federal precisa buscar novas receitas. Da mesma forma, cabe ao Congresso aprovar o Orçamento, e todos sabem que os servidores representam boa parte das despesas da União.
Problemas complexos, no entanto, requerem
soluções complexas, bem articuladas. Reportagens que expõem os privilégios do
funcionalismo escandalizam trabalhadores com rendimentos estagnados há anos e
corroídos pela inflação. Aos altos salários acumulados pelos servidores
públicos, somam-se muitas vezes penduricalhos, bons planos de saúde,
aposentadorias generosas e a garantia da estabilidade.
Há, no entanto, certa incompreensão sobre
as carreiras de Estado. As enormes desigualdades da sociedade brasileira refletem-se,
também, no setor público. A elite do funcionalismo, que consegue driblar o teto
salarial de R$ 41,6 mil, representa um universo de cerca de 25,3 mil pessoas,
segundo o Centro de Liderança Pública (CLP).
Uma verdadeira reforma administrativa, por óbvio,
deveria enfrentar essas regalias. Mas o fato é que a PEC 32/2020 não resvala
nesses aspectos. Ela trata apenas das carreiras do Executivo, enquanto os
salários mais elevados são pagos a juízes, procuradores e promotores. Já o
projeto de lei que combate os supersalários, já aprovado na Câmara, está há
dois anos parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, à
espera de um relator.
Mais de 70% dos servidores recebem até R$ 5
mil mensais, segundo o CLP. E são eles os que estão na linha de frente do
serviço público. A imensa maioria deles está nos Estados e municípios, onde são
responsáveis pela prestação de serviços de saúde, educação e segurança. Juntos,
eles representam um contingente de quase 7 milhões de pessoas. Outros 4 milhões
ganham ainda menos, sobretudo professores temporários na educação municipal e
estadual.
Se tratar todo o funcionalismo da mesma
forma não é o melhor caminho para enfrentar a questão, ignorar as deficiências
que marcam a gestão pública tampouco é aceitável. O Estado pode e deve entregar
mais e melhor do que tem entregado à sociedade, mas cumprir esse objetivo sem
recompor o quadro técnico de servidores, desmantelado após quatro anos de
bolsonarismo, é virtualmente impossível. Autorizar concursos de forma desenfreada,
prática de administrações petistas anteriores, tampouco é desejável.
Algumas premissas já contam com algum
consenso. Uma reforma administrativa deve, necessariamente, reduzir
desigualdades e rever parte dessas benesses, especialmente os altos salários
pagos já no início de algumas carreiras. Nem todas as funções precisam ter
estabilidade. É urgente criar mecanismos para avaliar o desempenho dos
servidores e garantir flexibilidade para remanejamento entre os órgãos e
ministérios.
O esforço pela melhoria da gestão do Estado
deve ser contínuo, não errático. Como disse Arthur Lira, o governo Lula precisa
reconhecer essa necessidade. Não há dúvida de que o País necessita de uma
reforma administrativa, mas tratá-la unicamente sob o viés fiscal e sem encarar
as verdadeiras distorções do setor público é um erro que não precisa ser
repetido.
Os desafios do emprego
O Estado de S. Paulo
Dados do IBGE revelam menor taxa de
desemprego em 9 anos, mas crescimento da ocupação é sustentado pela
informalidade. Precarização do mercado de trabalho inspira cuidado
A taxa de desemprego no País, que há um ano
se mantém abaixo de dois dígitos, de acordo com o monitoramento da média móvel
trimestral pelo IBGE, parece confirmar o avanço da economia revelado pela instituição
na semana passada. Os dados revelaram que o índice de 7,9% registrado no
trimestre maio-junho-julho é o menor para trimestres terminados em julho desde
2014. E a tendência continua a ser de queda.
Diante das explicações dos técnicos do IBGE
de que o desemprego não caiu, como em ocasiões recentes, pelo efeito de cálculo
de menos pessoas estarem procurando trabalho, mas sim pelo aumento real da
ocupação, não há como contestar o sinal positivo, mesmo que a desocupação ainda
esteja em patamar muito alto. Afinal, o Brasil, que chegou a contabilizar mais
de 14 milhões de desempregados em 2021, consequência direta da pandemia, agora
conta menos 5,5 milhões de pessoas neste saldo.
Os 8,5 milhões de hoje formam o menor
contingente de desempregados desde 2015. Mas a evolução está centrada na
criação de postos de trabalho sem carteira assinada. Ainda não se pode cravar
se esta é mais uma onda de informalidade da economia ou uma mudança de padrão
que está sendo formada a partir das novas relações de trabalho pós-pandemia e
do avanço tecnológico que surgiu a reboque do isolamento social do período mais
crítico.
Celso Ming, no Estadão, chamou a atenção
para a necessidade de incorporar às análises do mercado de trabalho o impacto
da revolução provocada pela tecnologia da informação no mundo todo. E citou o
desempenho insatisfatório da geração de empregos em indicadores da Confederação
Nacional da Indústria e da Federação do Comércio do Estado de São Paulo como
exemplos do descasamento dos resultados do emprego formal e dados gerais
captados pelo IBGE.
Modelos de home office, trabalho híbrido,
empreendimentos digitais, prestação de serviços online, entre outras atividades
desenvolvidas a distância, não foram exatamente novidades surgidas na pandemia.
Mas sua potencialização no período mais crítico da doença, que levou à adoção
de novas dinâmicas sociais, promoveu uma transformação inédita no mercado de
trabalho.
Diante da possibilidade de uma alteração
duradoura no panorama do emprego, torna-se premente examinar a fundo o que está
ocorrendo com vistas a melhorar sua configuração. Frear a precarização do
mercado de trabalho é tarefa inadiável e talvez uma das principais metas,
diante do aumento do emprego sem a proteção dos direitos trabalhistas. Ampliar
a capacitação profissional, principalmente para a população jovem, é um caminho
para vagas de mais qualidade.
A evolução do emprego é uma notícia sempre
positiva. Mas não se pode ignorar os sinais que indicam a manutenção de
problemas estruturais do mercado de trabalho brasileiro. A melhora não teve
trajetória constante nos últimos trimestres, embora o índice de desemprego
tenha permanecido em um dígito. A taxa de participação no mercado, que compara
o total de ocupados e desocupados e é um indicador importante usado por economistas,
também não voltou aos níveis pré-pandemia. Mas o motivo principal de alerta é a
baixa qualidade que vem sendo constatada no emprego.
Os números da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE mostram que a informalidade representa
39,1% do mercado de trabalho. Relatório da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) indica que 93% do emprego informal no mundo está em países
emergentes e em desenvolvimento, o que comprova o que a prática já demonstra: a
educação é o principal fator a afetar o nível de informalidade.
Políticas públicas para reduzir a taxa de
desemprego devem levar em conta o momento atual de transição do mercado de
trabalho, cuja face mais visível são as novas relações em vigor nos aplicativos
digitais. O setor de informação e comunicação é um dos três destaques apontados
pelo IBGE para o crescimento recente da ocupação. Os outros dois são serviços domésticos
e administração pública. Mais uma vez se comprova que qualificar é fundamental.
Cedo demais para soltar rojão
O Estado de S. Paulo
Lula usa alta de 0,9% do PIB para levantar bandeira de incentivo a mais consumo. País precisa de investimento
O bom e surpreendente avanço de 0,9% da economia
no segundo trimestre, quando as apostas giravam em torno de 0,3%, puxou para
cima as projeções para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.
Como revela o Relatório Focus – compilação das expectativas do mercado
financeiro elaborada pelo Banco Central –, o crescimento do PIB estimado para
2023 passou para 2,56%. No boletim anterior estava em 2,31%; e há um mês, em
2,26%. Ótima notícia.
Mas a redução do crescimento previsto para
2024, de 1,33% para 1,32%, indica que ainda é cedo para soltar rojão. Por isso,
o discurso político do presidente Lula incentivando a aceleração do crédito
como forma de distribuir o crescimento do PIB soa não apenas como populismo de
ocasião, mas extrapola o próprio cálculo do IBGE sobre o comportamento da economia.
Um discurso, aliás, encampado por auxiliares diretos, como o ministro da Casa
Civil, Rui Costa, que chegou a profetizar alta maior do PIB no ano que vem,
como efeito do PAC.
Mais cautela e menos elucubração
permitiriam perseguir o crescimento sustentável a longo prazo. É disso que a
economia brasileira precisa, e não o desempenho errático constatado há anos.
Crescimento puxado pelo consumo, como foi o do segundo trimestre, sempre traz
um grande risco embutido. Pelo lado do governo, denota que as despesas públicas
continuam aumentando. Num momento em que o governo busca zerar o déficit fiscal
em 2024 – meta de extrema dificuldade –, o sinal é preocupante.
Pelo lado das famílias, a alta do consumo é
consequência direta de fatores como a alta do salário mínimo, novo valor do
Bolsa Família, aumento do nível de ocupação e renegociação de dívidas. Os dois
primeiros representam, também, mais gastos públicos. Os dois últimos são um bom
sinal, mas uma alta do emprego não baseada no mercado formal tem sempre suas fragilidades.
E estimular o consumo de uma população ainda excessivamente endividada – apesar
da contribuição positiva da renegociação – também eleva incertezas futuras.
Bons resultados devem ser comemorados, é
claro. Qualquer governo explora, com razão, dados positivos. Mas um
comportamento desalinhado do contexto real é atitude inadequada para qualquer
governante. A dificuldade extrema de prever o rumo dos indicadores econômicos,
mesmo para especialistas acostumados ao confuso cenário brasileiro, é indício
de que o caminho está sendo traçado pelo governo quase ao acaso, a reboque das
circunstâncias.
Os resultados do primeiro e do segundo
trimestres foram positivos. Mas, a bem da verdade, desde 2020 o comportamento
do PIB tem surpreendido positivamente, ora pelo boom do agronegócio, ora pelo
consumo maior do que o esperado. Enquanto o investimento, este sim um indicador
seguro a longo prazo, diminui de maneira perigosa.
A taxa de investimento, que no segundo trimestre de 2022 estava em 18,4%, caiu mais um pouco, para 17,2%. Com isso, o País distancia-se ainda mais da taxa de 25% necessária para garantir avanço econômico real, contínuo e fincado em bases sustentáveis.
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